segunda-feira, 4 de julho de 2011

Bom Dia (1959) – Yasujiro Ozu, por Pedro Queiroz


No Japão pós-II Guerra, um pequeno vilarejo está passando por uma transformação de extrema importância, a implementação de televisores na vida de seus habitantes. Essa novidade causa um grande reboliço pois apenas uma das casas possui o aparelho, causando uma dispersão das crianças da vizinhança, que passam a deixar de estudar para poder acompanhar o campeonato de sumô. É possível observarmos duas ‘frentes’ ideológicas, por assim dizer, em relação à aceitação ou não desse novo veículo de informação. Um deles é o mais pessimista, representado pela campanha do governo, que dizia que a disseminação da TV iria ter por consequência a imbecilização de todos os milhões de japoneses. Essa é a opinião do pai das crianças, que acredita na provável alienação das crianças, caso tenham acesso total ao novíssimo veículo. Já as crianças, representam a parcela mais jovem da sociedade japonesa, com um mente mais ingênua, menos calejada pela rivalidade entre os países vivenciada pelos mais velhos durante as guerras, e dispostos a esse universo encantador da televisão.

Bom dia discute a necessidade de meios de comunicação, e é genial por que trata da conturbação causada no oriente pela introdução da televisão e meados do século passado, e tem como principal evento do enredo a interrupção intencional da fala por duas crianças que, justamente, desejavam ter acesso a esse novo meio de comunicação, de certa forma mágico, que estava causando todo o reboliço na região. Essa vontade é tamanha que abdicam da maneira de se comunicar talvez mais efetiva do ser humano, que é a fala. Como uma justificativa para isso, a criança mais velha, numa das cenas mais impressionantes do filme, deixa uma idéia de que tudo que as pessoas falam não passa de mensagens vazias, sem outro sentido senão suprir a política de boa vizinhança e dos bons costumes.

Essa fala é uma grande crítica à sociedade japonesa, e de certa forma, atinge nossa sociedade. Podemos inclusive fazer uma ponte com os dias atuais e notar que com a evolução dos meios de comunicação e informação, além das tecnologias de uma forma geral, houve de fato um abrandamento dessa relação mais próxima entre pessoas que convivem num mesmo bairro, ou frequentam um ambiente em comum, sentida pelo personagem.

A greve de fome, é claro, irá causar uma série de problemas na convivência e no entendimento entre os familiares e pessoas do convívio das crianças. A primeira delas é causada pelo garoto menor, que ao cruzar com uma das vizinhas, simplesmente não a cumprimenta. Ela acha aquilo muito estranho, e começa a refletir sobre o possível motivo dessa falta de cordialidade. Outro evento é a dificuldade de comunicação com o professor e com os próprios pais dos meninos. Seguindo uma estrutura bem tradicional da narrativa oriental, o filme se constrói e a seus personagens baseando-se numa série de episódios, em que as diversas arestas do filme serão devidamente cortadas até que estória se conclua. Por fim, os adultos acabam cedendo ao pedido dos meninos e compra-lhes uma tevê.

Se resumido em uma palavra, essa seria singelo. A discursão trazida pelo filme é de extrema complexidade, nem por isso o filme se torna denso. A escolha das crianças para discutir os pontos observados é uma mostra da delicadeza dos filmes de Ozu. Confesso que as primeiras cenas do longa me fizeram não esperar muito do filme, no entanto, à medida que a estória vai sendo contada, acabamos nos sensibilizando com a inocência dos personagens, a maneira como as crianças, em sua extrema sabedoria, tomam as decisões que acham coerentes. Acompanhamos o processo de aprendizado de ambas, e as vendo confrontar as diferentes informações a que tem acesso, fazendo o seu juízo do todo. Um exemplo é o fato de passarem o filme indagando-se sobre quem realmente tem razão, uma espécie de curandeiro, que diz ser importante para a alma comer pó de pedra pomes, e o professor de inglês, que vê isso como uma crendice e possível causador de um eventual problema de saúde.

Ozu demonstra ser um grande cineasta por conseguir extrair de todos os atores, nos momentos mais sutis, através das mínimas nuances e trejeitos, mais emoção do que qualquer melodrama jamais conseguirá. Os orientais vão dominar o mundo, e se Ozu e seus personagens são bons exemplos de um típico asiático, tomara que isso aconteça logo.

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