sábado, 2 de julho de 2011
PAI E FILHA (Banshun, 1949), por Rodrigo Vasconcellos
O filme retrata um pai viúvo, Shukichi (Chishu Ryu), que mora com sua filha, Noriko (Setsuko Hara). Eles vivem uma vida tranqüila e harmoniosa, no entanto, ela já tem 27 anos e, por conta das tradições japonesas da época, preocupa as pessoas ao seu redor, mais enfaticamente sua tia e uma amiga, por não ter se casado ainda. Mulheres solteiras a essa idade eram vista com desprezo e desrespeito no Japão pós-guerra. Apesar de nesse momento o país estar sofrendo uma grande abertura cultural - Ozu faz questão de nos mostrar isso ao focar numa placa da Coca-cola durante uma estrada, ou ao uma amiga de Noriko comparar um possível pretendente a Gary Cooper -.
O renomado Yasujiro Ozu, diretor do filme, cria uma obra incrível, retratando grande carga emocional com uma sutileza inigualável. Os planos fixos introduzidos por ele conferem ao filme um ar tranqüilo e sublime, de compreensão geral e, muitas vezes, tensões fortíssimas, mas colocadas de um jeito que não parecem tanto conflitos, por haver sempre uma preocupação maior com o outro do que consigo mesmo. Há uma predominância de uma câmera relativamente baixa. Esses planos é que, em minha opinião, dão ao filme todo esse ar sublime. O espectador vai sendo conduzido por um riacho de sentimentos, bem claros, bem explícitos, muitas vezes não ditos, mas muito presentes durante a narrativa. A narrativa em si é muito verdadeira e aberta, isso no sentido de que os personagens são muito honestos um para com os outros. A dificuldade aí é em lidar com as próprias vontades, com os próprios sentimentos, sempre se faz presente à preocupação para com o outro, sendo as amigas e a tia preocupadas com Noriko, ou ela mesma preocupada com o pai. Ou até, os sacrifícios do pai para que filha siga com sua vida, não ficando presa a ele.
Caminhando para uma análise psicanalítica da história observa-se um forte complexo de Édipo, tendo em vista que pai e filha vivem juntos, sós, e ela assume o papel de dona de casa, arrumando tudo para a chegada de seu querido pai. Claramente um papel exercido pela esposa, na época. Obviamente, ela não consegue entender essa relação complexada e se dá por satisfeita com sua vida, dizendo-se extremamente feliz. Por influencia da tia, que lhe “abre os olhos”, Shukichi passa entender que é necessário que a filha se case, que ela tem de viver uma vida plena e completa, não podendo ficar presa a ele, como se fosse sua esposa. Passa então a, delicadamente, tentar mostrá-la isso. Porém, pra ela é inaceitável, argumenta que ele precisa dela e que não conseguiria viver só. Vendo-se sem forças para convencê-la, Shukichi, insinua que pretende, ele mesmo, casar-se mais uma vez, o que não era comum, e a filha, sentindo-se agredida, a princípio não consegue lidar com isso, assume uma postura conservadora, mas isso se dá não por ela ser, de fato, conservadora, sim como o motivo racional encontrado por ela para ser contra o casamento.
Nesse momento da trama há uma cena em que os dois vão a uma peça de teatro Nô, onde eles vêem a suposta futura mulher dele, a peça também tem relativa semelhança com a situação que estão passando. Noriko chora silenciosamente no teatro. A partir daí, por mais que a contragosto, sua posição em relação ao casamento muda, antes não gostava nem sequer de conversar, as pessoas vinham tentar convencê-la e ela se revoltava, agora ela diz aceitar se casar com o pretendente sugerido por sua tia. Por fim, ela se casa e o filme termina com uma cena do pai, solitário após o casamento da filha, descascando uma maça e chorando. Há um corte e vai para um plano do oceano, as ondas deslocando-se fortemente em direção a praia.
A trilha sonora também é fantástica, acompanha o estilo dos planos de Ozu, tranqüila, sem histeria, diria que lírica. Trazendo consigo forte carga dramática em meio aos planos fixos ou, em outros momentos, representando uma felicidade plena, como na cena do passeio de bicicleta.
É uma narrativa bastante simples, sem muitos rodeios, personagens universais, mesmo que retratando uma relação tão íntima como essa de pai e filha que, inclusive, retrata magistralmente.
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