quinta-feira, 7 de maio de 2009

"O noir e seus assassinos" por Lucas Andrade



O expressionismo alemão e a montagem soviética são exemplos de gêneros teorizados pelos seus realizadores, uma estética fora proposta e os filmes eram feitos a partir desse ‘tratado’ que havia sido discutido e firmado. O estilo noir, por sua vez, não existiu propriamente, ou pelo menos, não intencionalmente. Apenas depois de algumas realizações, o crítico francês Nino Frank, em 1946, percebeu a semelhança das obras e destinou a eles o rótulo de noir. Nesse conjunto de títulos, o elemento central é o tema do crime, entendido por muitos estudiosos como uma metáfora que retratava o mal-estar americano do pós-guerra (proveniente da crise econômica e da inevitável reorganização que o país sofreria com o fim do esforço militar). Para retratar essa realidade, o expressionismo alemão (por conta da grande quantidade de sombras, da deformação das perspectivas e principalmente dos profissionais que saíram da Alemanha e foram morar nos Estados Unidos) e a literatura policial (pelo uso de flashback e da narração em over do protagonista masculino) foram grandes influências do novo gênero.

O filme de Robert Siodmak (um imigrante alemão em solo americano), Os assassinos (The Killers), lançado no ano da rotulação, segue muitas das características básicas do gênero, porém, encontram-se pontos de dissonância. Na história, dois assassinos profissionais vão à pequena Brentwood à procura de Swede, conhecido no local como Pete Lund. Um rapaz que trabalha com Pete, Nick Adams, ainda tem tempo de avisa-lo da emboscada mas ele diz que está cansado de viver fugindo e continua deitado em sua cama, parecendo se entregar a morte que estaria por vir. Quando é achado morto, é intrigante o fato de sua espera desprotegida em um pequeno quarto por dois assassinos profissionais que iam eliminá-lo. As razões desta situação são traçadas por Jim Reardon, um investigador da seguradora, pois Peter tinha um seguro no valor de US$ 2.500 cuja beneficiária era Mary Ellen Daugherty, a camareira de um hotel em Atlantic City, que o conhecia por outro nome e tinha presenciado seu benfeitor tendo um descontrole emocional que quase o levou ao suicídio. À medida que a trama avança, se descobrirá traições e crimes ligados à máfia. Outro ponto importante no enredo é a bela e dissimulada Kitty Collins, a típica femme fatale dos filmes noir.

A partir do já citado tema criminal, a história se desenvolve exagerando nas sombras, com uso de flashback e narração em over. Esses dois últimos artifícios, no entanto, não são usados do modo convencional. Ao invés de um homem (geralmente o protagonista) narrar sua história e o filme mostrar suas recordações, o que acontece em Os Assassinos é uma variante dessa ‘regra’. Ainda existe a narração o os flashbacks, porém, são feitos a partir de várias pessoas. Fragmentos da lembrança de uns somados às narrações de outros resultaram, no final, no desfecho do filme. Outra característica pouco típica dos filmes noir encontrada na realização de Siodmak seria o fato de se passar numa cidade do interior, às vezes indo para cidades maiores, mas não explorando muito o lado macabro e sombrio das grandes metrópoles, como acontece, por exemplo, em A marca da maldade, em que a cidade está sempre vazia e suja. Essa parte dark das locações noirs foi uma grande influenciadora para a época e a partir delas houve criação de cidades fictícias como Gotan City e a cidade do pecado (Sin City), essa última mostrando que o seu prestígio não se esgotou naquele período e perdura até hoje (mesmo que seja mostrada de modo tão exacerbado).

Outra característica do filme que ainda é bastante presente no cinema moderno é a dualidade dos personagens. Em Os Assassinos, e no cinema noir em geral, se rompe com o star system e tudo que fora feito até então (em termos de construção de personagem). Foge dos arquétipos pré-definidos, não existem os maus e os bons, existem os que fizeram coisas boas e os que fizeram coisas ruins. Peter Lund, por exemplo, participa de um assalto e rouba seus próprios companheiros, porém, esse é o mesmo homem que vai preso pela mulher amada e que vive no interior sem fazer mal a ninguém.

Quando se leva em conta o roteiro, Os Assassinos segue uma curva dramática muito conhecida do teatro clássico e que depois foi teorizada para o cinema por Syd Field. Tem-se a exposição, o conflito e a resolução de formas bastante definidas. Na cena inicial até a morte de Swede se expõe o que será abordado no filme. Com o assassinato (o ponto de virada), o filme vai em direção ao seu clímax, e é nesse percurso que os conflitos acontecem, tenta-se resolver os problemas (solucionar a morte do protagonista). Quando todos se encontram na casa de Kitty Collins e as revelações finais são feitas (clímax), tudo se resolve (mesmo que tudo não termine tão bem assim, com a morte de muitos), soluciona-se o caso e situação volta ao normal, fazendo Jim Reardon voltar a trabalhar em sua seguradora.

Talvez por seguir tão bem essa fórmula que, em alguns momentos, o filme soe falso. Quando Blinky Franklin, um dos ladrões que participa de um assalto com Pete, começa a contar sua história na maca de um hospital como se estivesse tendo lembranças do passado, ele está preste a morrer, meio desacordado, sua fala sai como se estivesse dormindo. Porém, o personagem fala tudo que o detetive buscava saber. A forma como se obtém essas informações, por meio de um semimorto delirando, parece ser a única maneira que o autor encontrou de botar o espectador a par dos fatos, e talvez por isso, não passe a segurança necessária.

Esses pequenos deslizes não tiram o brilho e a boa estrutura da obra, fazendo de Os Assassinos um clássico noir até hoje. A obra consegue por em prática boa parte das ornamentações do gênero sem ser clichê, pois, nos momentos que foge às características básicas do seu estilo, é apenas para tornar a obra mais completa e adequada ao espectador.

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