segunda-feira, 4 de julho de 2011

Bom Dia (1959) – Yasujiro Ozu, por Pedro Queiroz


No Japão pós-II Guerra, um pequeno vilarejo está passando por uma transformação de extrema importância, a implementação de televisores na vida de seus habitantes. Essa novidade causa um grande reboliço pois apenas uma das casas possui o aparelho, causando uma dispersão das crianças da vizinhança, que passam a deixar de estudar para poder acompanhar o campeonato de sumô. É possível observarmos duas ‘frentes’ ideológicas, por assim dizer, em relação à aceitação ou não desse novo veículo de informação. Um deles é o mais pessimista, representado pela campanha do governo, que dizia que a disseminação da TV iria ter por consequência a imbecilização de todos os milhões de japoneses. Essa é a opinião do pai das crianças, que acredita na provável alienação das crianças, caso tenham acesso total ao novíssimo veículo. Já as crianças, representam a parcela mais jovem da sociedade japonesa, com um mente mais ingênua, menos calejada pela rivalidade entre os países vivenciada pelos mais velhos durante as guerras, e dispostos a esse universo encantador da televisão.

Bom dia discute a necessidade de meios de comunicação, e é genial por que trata da conturbação causada no oriente pela introdução da televisão e meados do século passado, e tem como principal evento do enredo a interrupção intencional da fala por duas crianças que, justamente, desejavam ter acesso a esse novo meio de comunicação, de certa forma mágico, que estava causando todo o reboliço na região. Essa vontade é tamanha que abdicam da maneira de se comunicar talvez mais efetiva do ser humano, que é a fala. Como uma justificativa para isso, a criança mais velha, numa das cenas mais impressionantes do filme, deixa uma idéia de que tudo que as pessoas falam não passa de mensagens vazias, sem outro sentido senão suprir a política de boa vizinhança e dos bons costumes.

Essa fala é uma grande crítica à sociedade japonesa, e de certa forma, atinge nossa sociedade. Podemos inclusive fazer uma ponte com os dias atuais e notar que com a evolução dos meios de comunicação e informação, além das tecnologias de uma forma geral, houve de fato um abrandamento dessa relação mais próxima entre pessoas que convivem num mesmo bairro, ou frequentam um ambiente em comum, sentida pelo personagem.

A greve de fome, é claro, irá causar uma série de problemas na convivência e no entendimento entre os familiares e pessoas do convívio das crianças. A primeira delas é causada pelo garoto menor, que ao cruzar com uma das vizinhas, simplesmente não a cumprimenta. Ela acha aquilo muito estranho, e começa a refletir sobre o possível motivo dessa falta de cordialidade. Outro evento é a dificuldade de comunicação com o professor e com os próprios pais dos meninos. Seguindo uma estrutura bem tradicional da narrativa oriental, o filme se constrói e a seus personagens baseando-se numa série de episódios, em que as diversas arestas do filme serão devidamente cortadas até que estória se conclua. Por fim, os adultos acabam cedendo ao pedido dos meninos e compra-lhes uma tevê.

Se resumido em uma palavra, essa seria singelo. A discursão trazida pelo filme é de extrema complexidade, nem por isso o filme se torna denso. A escolha das crianças para discutir os pontos observados é uma mostra da delicadeza dos filmes de Ozu. Confesso que as primeiras cenas do longa me fizeram não esperar muito do filme, no entanto, à medida que a estória vai sendo contada, acabamos nos sensibilizando com a inocência dos personagens, a maneira como as crianças, em sua extrema sabedoria, tomam as decisões que acham coerentes. Acompanhamos o processo de aprendizado de ambas, e as vendo confrontar as diferentes informações a que tem acesso, fazendo o seu juízo do todo. Um exemplo é o fato de passarem o filme indagando-se sobre quem realmente tem razão, uma espécie de curandeiro, que diz ser importante para a alma comer pó de pedra pomes, e o professor de inglês, que vê isso como uma crendice e possível causador de um eventual problema de saúde.

Ozu demonstra ser um grande cineasta por conseguir extrair de todos os atores, nos momentos mais sutis, através das mínimas nuances e trejeitos, mais emoção do que qualquer melodrama jamais conseguirá. Os orientais vão dominar o mundo, e se Ozu e seus personagens são bons exemplos de um típico asiático, tomara que isso aconteça logo.

Psicose, por Túlio Ricardo de Lima Rodrigues


O gênio Alfred Hitchcock dirigiu em 1960 não só um dos seus mais brilhantes filmes, mas um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos, enaltecido e apreciado até hoje. Psicose é uma grande aula de como fazer um bom filme de suspense, de como apreender a total atenção do expectador e de como unir narrativa, técnica e trilha sonora num conjunto primordial.

Psicose narra a história de Marion Crane (Janet Leigh) que cansada com a vida que leva se sente atraída em roubar o dinheiro que seu patrão pediu para depositar no banco. Ao invés do depósito, Marion resolve ficar com o dinheiro fugindo da cidade onde vive. A partir daí, a protagonista inicia sua fuga de muita tensão, evidenciada quando ela é abordada por um policial e fica claro o nervosismo que ela sente durante tal abordagem. Logo depois, por causa de um mal tempo durante o percurso, Marion resolve descansar no motel Bates, um estabelecimento de estrada sem movimento algum de hóspedes. A loira é atendida pelo enigmático Norman Bates (Anthony Perkins) que rapidamente se mostra interessado por aquela mulher. Na mesma noite os dois lancham juntos, conversam e refletem sobre a vida, Norman fala da sua mãe doente que reprovou o “encontro” dos dois naquela noite, momentos antes. Depois da conversa, Marion resolve ir dormir, porque pretendia acordar cedo no outro dia para continuar a viagem, mas antes de ir para cama, ela vai tomar o banho mais temido de toda a cinematografia mundial.

Durante o banho, a protagonista é atacada a facadas pela mãe de Norman, uma sequência realmente impactante por causa dos close-ups da atriz, pelo rosto da mãe não focado, dando mais tensão à cena e, sobretudo pela espetacular música que acompanha toda a sequência. Tal música assume a função primordial de fazer com que o expectador se sinta aterrorizado com tudo aquilo que está vendo. Ver a cena do banheiro sem a famosa trilha sonora perde toda a composição de suspense que Hitchcock idealizou para tal parte do filme. Essa cena se tornou um clássico do cinema, além de sua trilha até hoje causar um temor incrível em parte do público.

A partir da morte de Marion, o filme perfeitamente faz uma transição de personagem central dentro da história. Agora, Norman Bates além de se desfazer do corpo de Marion, vai ter que se livrar das perguntas do investigador Milton Arbogast (Martin Balsam) que foi contratado para resolver o caso da mulher que sumiu com 40 mil dólares do patrão. Na narrativa agora, se apresenta a irmã de Marion, Lila Crane (Vera Miles) que resolve se unir a Sam Loomis (John Gavin), amante de sua irmã. Os dois se preocupam com o sumiço misterioso de Marion e recebem as informações que o investigador Arbogast consegue no decorrer das investigações, sobretudo quando ele interroga Norman e percebe sua hesitação em responder as perguntas feitas no próprio motel Bates. O investigador também fica sabendo que a mãe de Norman também pode ter conversando com Marion e pede para falar com ela, mas alegando ser uma pessoa doente, Norman impede que o investigador vá até sua casa e converse com a mulher.

A partir daí a trama vai ficando mais tensa, o investigador liga para Lila e Sam dizendo que vai tentar conversar com a mulher e de repente não dá mais notícias. É a mãe de Norman que ataca mais uma vez, numa cena tecnicamente incrível em que o investigador sobe as escadas e a câmera o acompanha em um plano frontal que gera suspense e apreensão à trama. Aliás, os movimentos de câmera de todo o filme são imprescindíveis para gerar tensão no expectador, é a técnica que Hitchcock dominava perfeitamente para fazer com que o filme transbordasse da tela e inundasse a visão do expectador numa atmosfera aterrorizante. Tenho que concordar, Hitchcock é sim o grande ‘Mestre do Suspense’.

Com o investigador morto, é a vez de Lila e Sam tomarem o controle da situação e começarem a investigar toda aquela história. Depois de escutar do xerife da cidade que a mãe de Norman está morta há anos, os dois que esperavam uma resposta da conversa entre o investigador e a tal mulher, resolvem ir até o motel Bates verificar quem é realmente essa mulher misteriosa. São os momentos em que a trama volta a ficar extremamente tensa. Lila entra na casa de Norman a fim de encontrar a mulher e se informar sobre o sumiço da irmã enquanto Sam distrai Norman na recepção do motel.

Lila não encontra nada, até reparar na pequena porta debaixo da escada que dá acesso ao porão da casa. Ela entra no cômodo e a tensão se instala de vez quando ela finalmente encontra a mãe de Norman sentada de costas para ela. Do susto que Lila leva ao virar a mãe de Norman para o desfecho do filme não se passam mais que 10 minutos e Hitchcock finaliza sua trama mostrando Norman como um grande psicopata. Sua mãe estava realmente morta, e ele vestido com suas roupas atacou a facadas Marion e o investigador Arbogast.

Hitchcock, baseado no livro de Robert Bloch, mostra um enredo surpreendente e inovador nesse filme. Retratando um personagem com problemas mentais ele consegue fazer com o seu suspense ganhe um caráter quase que mítico. Psicose é um grande conjunto de ações bem pensadas, desde a iniciativa de filmar o filme em preto e branco, da grande maioria das cenas serem noturnas, convergindo para a atmosfera que um suspense pede e claro, sem esquecer a brilhante trilha sonora que aterroriza até hoje qualquer pessoa no mundo. Enfim, o primor de Hitchcock em seus filmes e em especial em Psicose faz o Mestre se destacar dos demais quando o assunto é a função básica de um bom diretor: apreender a atenção total de qualquer espectador.

O Picolino (Top Hat), por Jéssica Fantini


O Picolino é um dos clássicos da parceria de Fred Astaire com Ginger Rogers. Produzido pela RKO e sob direção de Mark Sandrich, o filme é considerado um dos melhores musicais já realizados e contém passagens memoráveis, como a cena em que os personagens dançam ao som da canção “Cheek to Cheek”, de Irving Berlin. O efeito causado é inexplicável, as cenas com números de dança, figurinos belíssimos e talentosos atores, só permitem definir que o filme merece estar entre os melhores musicais de todos os tempos.

Não é por menos que “O Picolino” está na lista dos 25 maiores musicais do cinema. A abertura do filme já nos dá a ideia do que iremos assistir. Primeiro pelo enquadramento das pernas de Fred Astaire e Ginger Rogers fazendo passos de dança, segundo pela elegância dos trajes e terceiro pela trilha sonora e a música que dá uma sensação excitante. É o típico musical, com a narrativa sem muita elaboração e músicas coreografadas presentes no contexto, mas destaca-se por ter figurinos, danças e atuações sensacionais.

Realizado em 1935, o filme foge da realidade européia de dificuldades econômicas, após a grande depressão. Nesse contexto, se o objetivo era produzir um musical, precisava-se criar o ambiente desejado, e foi assim que fizeram. O cenário é todo fictício e até mesmo a água do rio, recebeu corante para contrastar com o tom claro dos cenários. Dessa forma, a fotografia tem uma aparência pouco natural sendo perceptível a “falsa” Veneza, até mesmo pelos poucos recursos da época, mas acaba sendo interessante por reforçar o toque de fantasia que se adequa ao gênero musical.

As atuações são impagáveis. Fred Astaire é o dançarino Jerry e a moça por quem se apaixona é Dale, interpretada por Ginger Rogers. Os dois contracenam como de costume, com muito talento e uma química que faz a diferença na qualidade do filme. Além disso, oferecem um tom suave e divertido, que já é uma proposta da narrativa, mas é aperfeiçoada pela atuação dos dois. A sintonia entre eles é vista nos diálogos e nas coreografias, mas a melhor passagem para exemplificar o trabalho de Fred e Ginger juntos, é a cena no duo com a música “Isn’t a lovely Day” que, apesar de esteticamente mais simples que as outras, tem uma espontaneidade única e é lindíssima.

A dança no filme já valida sua excelência por ser baseada na peça da Broadway, “The girl Who dared”. No entanto, além disso, as performances são acompanhadas por figurinos refinados como trajes de galã, comum por ser tratar de Fred Astaire, vestidos femininos glamorosos e até mesmo lindos acessórios, como os chapéus. Inclusive na narrativa é feita uma referência as belas roupas, pela personagem de Dale que usa as criações do estilista que vive com ela, Alberto Beddini. O figurino é idealizado por Hermes Pan e com certeza é um dos destaques do filme.

“O Picolino” de fato tem questões nada originais na narrativa e torna-se interessante e surpreendente pela qualidade estética, as coreografias e as músicas que apresenta. Além de cumprir a sua função parece ter algo a mais, o filme vai além por apresentar algo mágico, que envolve o espectador numa atmosfera doce e divertida e no final a única impressão é de encantamento.

sábado, 2 de julho de 2011

"Cantando na Chuva", por Rebecca B. França



Considerado pelo crítico de cinema norte-americano Roger Ebert como “Um dos maiores filmes musicais que Hollywood já produziu” o clássico “Singin' in the Rain” no Brasil, “Cantando na Chuva” que foi estrelado e dirigido por Gene Kelly e contou também com a direção de Stanley Donen em 1952 recebeu duas indicações ao Oscar de 1953. Concorreu para melhor atriz coadjuvante (Jean Hagen) e melhor trilha sonora (Lennie Hayton) porém perdeu os dois. A direção de arte ficou por conta de Randall Duell e Cedric Gibbons e o Studio responsável por tal produção foi a MGM.

“Cantando na Chuva” me encantou principalmente por seu humor leve e na medida certa. É seguramente um musical digno de elogios graças ao enorme profissionalismo dos atores que demonstraram talento que ultrapassa o da atuação passando para o campo da interpretação de músicas de forma cantada e dançando coreografias bem boladas. A já aclamada cena que Gene Kelly dança e canta na chuva é realmente interessante. Avaliei o filme pelo que ele se propõe, sendo uma obra com o intuito de entreter as massas e sem grandes reflexões sociais fazendo grande uso de escapismo, ou seja, distraindo a mente do telespectador de obrigações ou realidades sobre o mundo. A maquina de celebridades é exposta e uma vida onde se busca fama e reconhecimento é valorizada, a disputa ideológica bipolarizada com a URSS no pós 45 certamente reforça esse aspecto onde os filmes ajudam a vender o estilo de vida dos EUA. A obra contou com a participação de atores de charme e beleza como Gene Kelly interpretando o galante Dom Lockwood, Jean Hegen como a irritante Lina Lamont e Debbie Reynolds como a talentosa Kathy Selden, para completar o time o espirituoso ator Donald O’Connor interpreta o carismático pianista Cosmo Brown, melhor amigo de Dom. Um ano depois O’Connor ganha o Globo de Ouro de melhor ator em musical/comédia por essa produção.

O processo de Technicolor que consistia na coloração dos filmes. Foi utilizado até a década de 60, ou seja Cantando na chuva produzido em 1952 ainda está dentro dessa forma de coloração. Os filmes musicais, em sua maioria, foram inspirados no teatro musical e em peças da Broadway e no próprio roteiro de cantando na chuva isso fica explícito. A chamada “Era de Ouro dos Musicais” se inicia no pós II Guerra Mundial e vai até os primeiros anos da década de 1960

É basicamente um filme sobre filmes onde as disputas entre atores, produtoras e novas técnicas estão constantemente presentes. Sem contudo pesar no roteiro sempre leve de se assistir. A história se passa em 1927 e o inicio mostra a première do filme estrelado por Don Lockwood (Kelly) e Lina Lamont (Hagen) chamado “O patife Real” que seria produzido pela monumental pictures. É claro que a indústria de estrelas de Hollywood nos anos 30 já se fazia presente e o filme não deixa de retratar isso. Don e seu amigo Cosmo dançam e cantam bem, é uma bela demonstração do talento dos atores Kelly e O’Connor, mas não é pelo talento q sim pelo acaso que Don passa de Dublê para ator principal. Por se passar em 1927 “o patife real” é um filme mudo que faz grande sucesso. Lina é uma atriz de grande beleza e fama porém é irritante como pessoa e dona de uma voz terrível. A principio isso não lhe causa problemas pois é fato desconhecido pelo publico. O filme possui todo um clima musical e chega a ter mais de 15 cenas de dança. Um diálogo entre as personagens Don e Kathy no carro da moça revela a sutil rivalidade sempre presente entre cinema e teatro além das criticas que se faz ao espetáculo de distração das massas produzidos sobre a tutela da indústria cinematográfica. Kathy sugere que pantomima na tela não é atuar, “Atuar que sugere a fala, inclui grade palavras como em Ibsen e Shakespeare (grandes dramaturgos). Chateado com as idéias da moça em tom de ironia Don a chama de Ethel Barrymore uma aclamada atriz de teatro norte-americana.

Quando Don vai a uma festa só para celebridades, se depara com a apresentação de um pequeno curta metragem demonstrando uma nova tecnologia para filmes falados, o que divide as opiniões do público. “ A Warner Bros estaria produzindo um filme falado ‘O cantor de Jazz’ (...) Sucesso na primira semana”

A Produtora de Don resolve fazer um outro filme que se passaria na revolução francesa chamado “ O cavaleiro duelante” este não seria falado. Porém os planos mudam quando o filme falado da Warner cai no gosto do público. O novo filme de Dom é transformado em musical já que ele era dançarino no passado, contudo eles se confrontam com um problema; Lina a co-estrela não sabe cantar e/ou dançar. É nesse momento que surge a ideia de dublar a voz de Lina com a bela voz de Kathy . Na produçao do filme são feitas varias referencias a musicais da Broadway. Explorado cenario artificial e as cores berrantes

Cantando na chuva foi uma produção monumental em termos de legado por se tornar um clássico e em termos financeiros por ser aclamado pelo publico. Ainda hoje existiram no meio artístico diversas referências ao filme como foi o caso usado por Stanley Kubrick em Laranja Mecânica e usado por Ryan Murphy em um episódio de Glee, atual série de sucesso da FOX .

Johnny Guitar (Nicholas Ray,1954) , por Heitor Dutra


"Essa mulher pensa feito homem, age feito homem e perto dela, não sou homem", assim Sam, funcionário do saloon Vienna's, define sua patroa, a determinda Vienna maravilhosamente interpretada por Joan Crawford. É notável desde a primeira aparição de Vienna no filme que ela não é um donzela em apuros, nem uma femme fatale, ela é uma mulher forte, que usa calças no final do século XIX, e é dona de seu próprio bar, onde em breve passará por perto uma ferrovia, o que desperta o interesse da neurótica Emma, vivida por Mercedes McCambridge, e seu bando. Quando seu irmão é assassinado, Emma jura que quem o matou foi Dancin'Kid, um homem que não esconde sua atração por Vienna. Emma quer vê-lo enforcado pelo crime que teoricamente cometeu. No meio dessa confusão chega em seu cavalo o tocador de viola Johnny Guitar, antigo amante de Vienna.

O que de fato se passa é que Emma, está apaixonada por Dancin'Kid, e como ele não corresponde ela prefere vê-lo morto, e como ele dirige seu desejo para Vienna, ela também não é muito fã da dona do bar. No excelente documentário "The Celluloid Closet", é levantado a plausível possibilidade de Emma ser apaixonada por Vienna, e na verdade ter ciúmes de Dancin´Kid, e desejar enforcar Vienna para que o amor que não pode ser dela não seja de mais ninguém. De fato é claramente notada a tentativa de masculinização das personagens femininas, sobre tudo de Vienna, que só usa vestido numa parte do filme. Ambas usam cabelo curto, e vivem cercadas pelos homens e como de costume em Hollywood, os homossexuais morrem no final. Intencional ou não, fica a questão para ser pensada.

Essa característica, da trama rodar em torno das mulheres, e não dos homens, como em praticamente todos os westerns que chama a atenção no filme. Na verdade o filme podia muito bem se chamar Vienna, mas talvez este não seja um nome ideal para um western.

Joan Crawford tem algo único, mesmo com as acusações de maus tratos com a filha, obsessão, retratados no quase trash "Mamãezinha Querida",ela está no meu panteão de estrelas de cinema. Não atua de maneira realista, ela não dá escândalos, fala pausadamente, tem a voz calma. Seu trunfo são as sobrancelhas e a boca. E que olhos ela tem. Não é o primeiro papel de mulher independente e empreendedora que ela faz, ela já tinha interpretado Mildred Pierce, dona de um império de frango frito, na década de quarenta. Independentes ou não, as mulheres destes filmes dificilmente sairão imunes aos homens, carregam suas marcas, pesadas, e talvez, como Vienna, ainda tenham a chance de ter um companheiro outra vez. Mulheres, homens, mesmo independentes, vanguardistas, únicos, precisam de outros homens, ou outras mulheres.

PAI E FILHA (Banshun, 1949), por Rodrigo Vasconcellos


O filme retrata um pai viúvo, Shukichi (Chishu Ryu), que mora com sua filha, Noriko (Setsuko Hara). Eles vivem uma vida tranqüila e harmoniosa, no entanto, ela já tem 27 anos e, por conta das tradições japonesas da época, preocupa as pessoas ao seu redor, mais enfaticamente sua tia e uma amiga, por não ter se casado ainda. Mulheres solteiras a essa idade eram vista com desprezo e desrespeito no Japão pós-guerra. Apesar de nesse momento o país estar sofrendo uma grande abertura cultural - Ozu faz questão de nos mostrar isso ao focar numa placa da Coca-cola durante uma estrada, ou ao uma amiga de Noriko comparar um possível pretendente a Gary Cooper -.

O renomado Yasujiro Ozu, diretor do filme, cria uma obra incrível, retratando grande carga emocional com uma sutileza inigualável. Os planos fixos introduzidos por ele conferem ao filme um ar tranqüilo e sublime, de compreensão geral e, muitas vezes, tensões fortíssimas, mas colocadas de um jeito que não parecem tanto conflitos, por haver sempre uma preocupação maior com o outro do que consigo mesmo. Há uma predominância de uma câmera relativamente baixa. Esses planos é que, em minha opinião, dão ao filme todo esse ar sublime. O espectador vai sendo conduzido por um riacho de sentimentos, bem claros, bem explícitos, muitas vezes não ditos, mas muito presentes durante a narrativa. A narrativa em si é muito verdadeira e aberta, isso no sentido de que os personagens são muito honestos um para com os outros. A dificuldade aí é em lidar com as próprias vontades, com os próprios sentimentos, sempre se faz presente à preocupação para com o outro, sendo as amigas e a tia preocupadas com Noriko, ou ela mesma preocupada com o pai. Ou até, os sacrifícios do pai para que filha siga com sua vida, não ficando presa a ele.

Caminhando para uma análise psicanalítica da história observa-se um forte complexo de Édipo, tendo em vista que pai e filha vivem juntos, sós, e ela assume o papel de dona de casa, arrumando tudo para a chegada de seu querido pai. Claramente um papel exercido pela esposa, na época. Obviamente, ela não consegue entender essa relação complexada e se dá por satisfeita com sua vida, dizendo-se extremamente feliz. Por influencia da tia, que lhe “abre os olhos”, Shukichi passa entender que é necessário que a filha se case, que ela tem de viver uma vida plena e completa, não podendo ficar presa a ele, como se fosse sua esposa. Passa então a, delicadamente, tentar mostrá-la isso. Porém, pra ela é inaceitável, argumenta que ele precisa dela e que não conseguiria viver só. Vendo-se sem forças para convencê-la, Shukichi, insinua que pretende, ele mesmo, casar-se mais uma vez, o que não era comum, e a filha, sentindo-se agredida, a princípio não consegue lidar com isso, assume uma postura conservadora, mas isso se dá não por ela ser, de fato, conservadora, sim como o motivo racional encontrado por ela para ser contra o casamento.

Nesse momento da trama há uma cena em que os dois vão a uma peça de teatro Nô, onde eles vêem a suposta futura mulher dele, a peça também tem relativa semelhança com a situação que estão passando. Noriko chora silenciosamente no teatro. A partir daí, por mais que a contragosto, sua posição em relação ao casamento muda, antes não gostava nem sequer de conversar, as pessoas vinham tentar convencê-la e ela se revoltava, agora ela diz aceitar se casar com o pretendente sugerido por sua tia. Por fim, ela se casa e o filme termina com uma cena do pai, solitário após o casamento da filha, descascando uma maça e chorando. Há um corte e vai para um plano do oceano, as ondas deslocando-se fortemente em direção a praia.

A trilha sonora também é fantástica, acompanha o estilo dos planos de Ozu, tranqüila, sem histeria, diria que lírica. Trazendo consigo forte carga dramática em meio aos planos fixos ou, em outros momentos, representando uma felicidade plena, como na cena do passeio de bicicleta.

É uma narrativa bastante simples, sem muitos rodeios, personagens universais, mesmo que retratando uma relação tão íntima como essa de pai e filha que, inclusive, retrata magistralmente.