domingo, 17 de abril de 2011
"O Gabinete do Doutor Caligari", por Pedro Queiroz
Após a primeira guerra mundial, a Europa estava devastada, em especial a Alemanha, que, através do Tratado de Versalhes, foi considerada a única culpada pelo conflito, tendo de pagar uma infinidade de indenizações, e reduzindo sua economia praticamente à estaca zero. Esse período foi um dos mais difíceis enfrentados pela população alemã, que viu sua moeda ser desvalorizada, e suas esperanças num futuro promissor pós-guerra, tinham se esvaído. O cinema alemão da época estava repercutindo bastante, porém, encontrava dificuldade de competir com o cinema luxuoso e extravagante de Hollywood. Para suprir essa carência econômica, os cineastas desenvolveram um novo estilo, utilizando de simbolismo e da encenação para dar um significado mais profundo e subjetivo aos filmes, abordando temas como a psique humana. Essa nova visão ficou conhecida como Expressionismo Alemão.
Oriundo da escola vanguardista expressionista, que teve início nas artes plásticas - onde pintores como Munch e Schiele traziam uma perspectiva totalmente subjetiva da realidade, distorcendo-a, tanto nas cores quanto nas formas, para evocar sentimentos e idéias – o movimento foi talvez o maior dos vários que sugiram no universo do cinema mudo.
O filme mais emblemático, e o primeiro do gênero a ser lançado, é O Gabinete do Doutor Caligari (Das Kabinet des Doktor Caligari, 1920). De forma resumida, conta a estória de Dr. Caligari, um psiquiatra louco, que utiliza da hipnose para tornar um de seus pacientes, Cesare, um sonâmbulo que obedece incondicionalmente a suas ordens. Assim, obriga-o a cometer uma série de assassinatos que chocam o vilarejo.
O filme revolucionou de várias formas o jeito de se contar uma estória. Foi o primeiro a trazer um prólogo e epílogo que inserem a narrativa em uma perspectiva subjetiva, onde o narrador, no caso, é um dos personagens. Dessa forma, o espectador ganha uma liberdade e facilidade maior para embarcar no universo do filme.
Essa ferramenta, na verdade, foi uma intervenção que não constava no roteiro, para adequar o enredo às exigências do público da época. Originalmente, a estória oferecia uma análise crítica da sociedade alemã, e principalmente à questão da autoridade. Sendo Caligari, o doutor, uma representação da figura do governo, e das autoridades em geral, e Cesare seria uma referência à população, frágil e sem possibilidade de contestar o poder do ‘doutor’.
Para solucionar esse impasse ideológico, foi inserido no fim do filme um final que mudava totalmente o sentido da história: fica explicado que o doutor era um homem sóbrio e respeitável, e o narrador da estória tinha inventado toda essa estória, sendo o verdadeiro louco da estória e termina internado no manicômio.
Além de inovações na estrutura narrativa, Doutor Caligari inovou também por questões estilísticas. Por se passar em um ambiente hostil, misterioso, e com certeza bem diferente do que estamos acostumados, os cenários do filme são todos pintados, e visam sempre contrastar o preto e o branco, em figuras com linhas inclinadas e ângulos oblíquos, pra dar sempre uma sensação de náusea, ou estranhamento. A fotografia acompanhou essa idéia de valorizar bastante o contraste, sendo o cinza muito reduzido, para dar espaço a preto e branco. Já na maquiagem, o cabelo preto e branco representa o aspecto ambíguo do doutor Caligari, e as olheiras absurdamente acentuadas no rosto de Cesare demonstram sua aparência de quase morto.
Esse foi talvez o primeiro filme a utilizar dessas ferramentas para revelar informações importantes do enredo e dos personagens nele inseridos. O Gabinete foi responsável por dar vida ao cinema alemão da época, sendo um impulso à produção de inúmeros filmes posteriores. Durante os anos, a estética do filme foi revisitada por inúmeros filmes, como os de Tim Burton e os do gênero noir.
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