domingo, 7 de junho de 2009

"Cantando na Chuva" por Henrique Vieira


Mas o que não é glamouroso quando se fala de Hollywood dos anos 40-50? As moças do mundo inteiro imitavam seu estilo com seus “vestidos rodados e aquelas anáguas com tantos babados” (nas palavras do Rei Rossi). Era um mundo de fantasia, de brilho, que inundava o imaginário das pessoas. Basta alguns minutos de conversa com minha avó, que viveu nesta época, para descobrir o amor incondicional que ela e suas irmãs nutriam pelos tantos astros da época. Fred Astair, Ginger Rogers, Gene Kelly… Todos tinham seus lugares nas paredes dos quartos de então. Digo isto tudo porque, após visionagem, achei o filme Cantando na Chuva o maior representante, que eu já tenha visto, dessa atmosfera toda. O enredo metalingüístico facilita: a história gira justamente em torno do meio glamouroso de astros de cinema, estúdios, filmes musicais e, claro, do amor.

O tema do filme se revela bastante interessante. É ambientado em 1927, ano de transição do cinema mudo para o cinema falado, e conta a história de Don Lockwood (Gene Kelly), um famoso galã do cinema mudo que se apaixona por Kathy Selden (Debbie Reynolds), uma aspirante a atriz, que não cede logo de início aos encantos do galã – o que o fará ir atrás dela desesperadamente para conseguir o seu amor. Enquanto isso, seu último filme mudo é um sucesso mas não demora para que o primeiro filme falado O cantor de Jazz – em referência histórica – seja lançado e revolucione o cinema. Por conta disso o próximo filme dele com o estúdio haverá de ser sonoro também. E aí começam as complicações: Ninguém está acostumado ao novo sistema. O par romântico de Don Lockwood, Lina Lamont (Jean Hagen), tem uma voz horrorosa que dói no ouvido, não estão acostumados a falar para o microfone, os improvisos que se usavam antes, no cinema mudo, não funcionam mais no falado pois se revelam ridículos… A pré-estréia do filme é um fracasso mas aí Don Lockwood, junto com seu amigo Cosmo Brown (Donald O´Connor) e Kathy, que a essa altura já for a seduzida pelo galã, darão a idéia de tornar o filme um musical e dublar a horrível voz de Lina pela de Kathy. Feito, apesar da invejosa Lina fazer de tudo para atrapalhar, o filme é finalmente um sucesso e, de sobra, Kathy ainda é reconhecida pelo seu talento a despeito de Lina.

Como disse o crítico Rodrigo Cunha, Cantando na Chuva é “sob a pele de um musical, uma aula imperdível sobre um período da história do cinema”. De fato, encontramos no filme todo o processo – por que não dizer revolucionário – da passagem do mudo para o sonoro. Suas dificuldades, os problemas de adaptação de grandes vedettes que não se viam mais adequadas ao cinema falado, a nova abordagem que o filme sonoro deveria ter… Mas toda essa abordagem, no final das contas, está atrás de um filme essencialmente ‘besta’. Apesar de todo o glamour, de toda a atmosfera de frisson pela qual nos sentimos invadidos ao ver o filme, a consistência de Cantando na Chuva resta muito fraca. Se encaixa perfeitamente no modelo comercial hollywoodiano de idealização da vida e do amor que deixam o filme pairando numa esfera bastante fútil. Reconhecemos isso na própria interpretação dos atores. Penso agora no momento em que Kathy acaba revelando a Lockwood (sem querer!!) que gostava de seus filmes e também de ficar sabendo de sua vida amorosa. A cena toda pode ser antevista com muita facilidade. Não digo isto tudo com fins de depreciar o filme. Acho fantástica a capacidade que esse tipo de filme tem de nos transportar em suas viagens lúdicas. Mas esgota-se nisso. Quanto a “aula de história” que ele nos dá, acho que ele é tão informativo quanto o é a atual novela da Globo, Caminho das Índias, sobre a Índia. Ou seja: um conhecimento superficial e absolutamente transformado em favor da comercialização do produto. Não gosto de Caminho das Índias, gosto de Cantando na Chuva. Isto é apenas uma avaliação pessoal sem importância. Mas o objetivo claro dos dois é arrecadar espectador e usam de todos os meios para isso.

Não poderia terminar este ensaio sem comentar a clássica, histórica, monumental cena de Gene Kelly cantando na chuva. A sensação de se ver esta cena e tal qual nos encontrarmos diante do Coliseu em Roma, ou ainda da Torre Eiffel pela primeira vez. Nos vem aquele sentimento nostálgico de algo absolutamente mágico que finalmente se revela diante de nossos olhos. Se os fins de Hollywood podem ser questionáveis, sua capacidade de criar e fomentar o sonho parece não ter tamanho.

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