sábado, 9 de maio de 2009

"O Atalante" por Alan Tonello


Lembrado como o último trabalho e obra-prima de Jean Vigo – que morreu cedo, aos 29 anos – e marcando o início do realismo poético francês, “O Atalante” nos mostra, a princípio, a história de Juliette e Jean, recém-casados, que entram em lua-de-mel a bordo de um barco (L’Atalante) que navega entre os rios de Paris.

Jean (Jean Dasté), um aventureiro apaixonado por navegação casa-se com Juliette (Dita Parlo), uma moça simples de uma cidadezinha provinciana da França, e juntos vivem todos os sentimentos que um casal pode sentir. Vigo conta a história dos dois usando o mais sincero lirismo, fazendo com que o filme transcenda a classificação de romance e seja considerado uma verdadeira obra de arte, que expressa de forma poética o amor entre duas pessoas e a luta para aceitar as suas diferenças.

Jean e Juliette casam-se e logo embarcam no Atalante, acompanhados de Tio Jules (Michel Simon) e do garoto ajudante (Louis Lefèvre), onde passariam a lua-de-mel, apreciando as paisagens a partir das margens dos rios que cortam Paris. Por vir de uma cidade pequena e ter vontade de conhecer a metrópole, Juliette não consegue aguentar a restrição que acaba se tornando aquele barco, e numa noite, sem que o marido percebesse, ela foge cautelosamente com destino à cidade grande. Tomemos o barco como a relação do casal. Jean era o comandante, marido; Juliette, apesar de amar Jean, possuía essa vontade de conhecer o mundo há tempos, o que faz com que o barco, relacionamento, detenha-a naquele mundo de casada. No filme surgem elementos, como um mágico/vendedor de bugigangas (Gilles Margaritis) que encanta Juliette, e promete mostrar a cidade a ela, sendo um dos motivos pelo qual ela foge do barco para conhecer Paris. Ao descobrir a fuga da mulher, Jean fica extremamente chateado e enciumado, decidindo continuar sua viagem sem Juliette.

Tio Jules, personagem extremamente plural e contraditório, por suas características ao mesmo tempo infantis e adultas, sutis e extravagantes, inocentes e travessas, aparece como o pseudo-coadjuvante, que na verdade seria o principal para o entendimento da história de Vigo. Marinheiro, Jules conheceu o mundo e passou por muitas experiências. Conheceu muitas pessoas, fez amigos e os guardam na lembrança – ou até mesmo em um pote de conserva (vide cena em que Jules fala carinhosamente da mão de um amigo já morto que ele guarda dentro de um pote, e tem como lembrança de sua amizade) – estando entre a relação do casal como um conselheiro. Em uma das mais famosas cenas do filme, Juliette entra na cabine de Tio Jules e observa, fascinada, todas as quinquilharias que ele conseguira em suas viagens ao redor do mundo. Outro motivo pelo aumento do desejo de Juliette de conhecer o mundo: a vivência e experiência de Jules e sua capacidade de aceitar o mundo com suas diferenças.

Ao ver que Jean começa a ficar deprimido, como resultado de sua decisão de abandonar Juliette, e que não conseguia viver normalmente sem ela, Tio Jules decide procurá-la em Paris. Juliette agora se encontrava sozinha em busca de um modo de sobreviver, de um emprego, assim como tantos outros que tentavam sobreviver numa Paris afetada pela Grande Depressão. Neste meio termo, temos duas das cenas mais bonitas do cinema. A primeira, quando Jean mergulha no rio, com objetivo de encontrar debaixo d’água a imagem da amada, que dissera anteriormente que só assim víamos a imagem do nosso amor. Vigo utilizou de efeitos de sobreposição de imagens, que mostravam Jean e Juliette em um momento lírico/sentimental de desejo de reencontro. A outra é uma das mais sensuais (principalmente para a época – década de 30) cenas de amor não-consumado, na qual imagens de Jean e Juliette são intercaladas, mostrando-os em movimentos idênticos de reconhecimento do amor pelo outro e paixão efervescente.

Ainda que seja inovador, o filme tem o final esperado. Tio Jules encontra Juliette, e os dois voltam para o barco. Aguardando ansiosamente pelo retorno da amada, vemos um Jean arrependido, que faz a barba e se arruma rapidamente, na intenção de mostrar que seu ato foi injusto e de que, apesar de ter agido erroneamente, ainda a amava e estava disposto a reconquistá-la.
“O Atalante” transcende o filme de amor tradicional, resgatando o sentido verdadeiro do amor, do prazer, das relações de intimidade e do contato com o outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário