domingo, 7 de junho de 2009
"Cinderela em Paris" (Stanley Donen, 1957) por Luiz Marcos de Carvalho
1) INTRODUÇÃO
O musical nunca foi meu gênero preferido no cinema. Quando jovem a minha preferência era por filmes de aventura, westerns, filmes policiais, etc. Mesmo assim nessa época eu ia assistir a todo tipo de filme. Assim, assisti, Cantando na Chuva, Amor Sublime Amor, My Fair Lady e A Noviça Rebelde, entre outros, na época dos seus respectivos lançamentos na cidade em que residia. Mas, como já me referi, eles não eram meus preferidos.
Agora, após muitos anos, assistindo a uma aula de Cinema Mundial I, ao rever um trecho de A noviça Rebelde e também de assistir o filme Cinderela em Paris, comecei a refletir sobre o fato de os musicais serem relegados, pela maioria das pessoas, a uma condição inferior dentro do cinema.
Em primeiro lugar pude observar uma reação semelhante àquela que eu tinha naquela época, por parte dos jovens alunos que estavam na mesma sala de aula. Um certo desdém, uma atitude de rejeição, deixando no ar a idéia de que os musicais não são filmes para homens, mas apenas para pessoas do sexo feminino. Isso me levou a refletir sobre essa atitude, que já foi também a minha quando jovem. E passei a questionar as razões para esse comportamento. Por que será que esse gênero de filme, é considerado como um cinema menor e por que está praticamente extinto no cinema atual?
Ao longo do tempo comecei a compreender que qualquer julgamento que a gente faz, está condicionado a nossa compreensão da vida, a nossos valores, os quais mudam com o passar do tempo, ao contexto social em que se está inserido, enfim à íntegra do nosso ser. Desde há muito tempo, que vivemos a primazia da economia de mercado sobre todos os outros elementos da vida humana. Isso, é ainda mais acentuado, nesta época da globalização, do consumismo desenfreado, da acumulação de bens materiais, como o maior e quase único objetivo de vida. Como tudo se relaciona, penso que essa forma de viver, a forma como somos educados para nos inserir nesse formato de mundo, tudo isso faz com que o musical seja menosprezado pela maioria das pessoas atualmente.
Então, vamos pensar um pouco sobre esse nosso mundo globalizado, materialista e verificar como ele nos condiciona e interfere em nossos julgamentos. Em primeiro lugar um filme musical, tem o seu centro na música, a qual exprime a beleza de forma inquestionável e é, ainda hoje, considerada uma grande arte. Através da música podemos expressar nossos mais sublimes sentimentos e emoções, a música pode nos enlevar e extasiar.
Então, por que um gênero de filme que tem a expressão musical como centro, é remetido a um plano inferior dentro da cinematografia? A meu ver, isso é um reflexo do modelo vigente na nossa sociedade industrializada, na qual tudo é visto como uma mercadoria, inclusive o ser humano, chamado de mão de obra pelos industriais e de consumidor pelos comerciantes. É o resultado da mutilação do Homem, pela redução de um ser complexo, sensível, pensante que é, a uma expressão simplesmente econômica. Trata-se do Homo Economicus, uma abstração dos economistas do século XIX, de consequências nefastas para o ser humano, na medida em que ignora as outras dimensões essenciais do ser humano. Por isso, há tão pouca música e tão pouca poesia em nosso mundo e, é isso em última análise que faz com que os filmes musicais tenham a pequena aceitação que têm. Os seres com sensibilidade para a música e para a poesia são hoje uma raridade, considerando-se a população de 6 bilhões de seres humanos do planeta.
Em outras palavras, música e poesia têm pouco valor de mercado, não dão muito dinheiro. O ser humano, por meio dessa redução à dimensão econômica, fica embrutecido, com o espírito obtuso, e desenvolve apenas garras afiadas, para se tornar competitivo em uma arena brutal, chamada mercado de trabalho, com o que almeja assegurar sua sobrevivência ou seu objetivo de acumulação de dinheiro. Num mundo assim, de uma fealdade agressiva, como esperar que seus habitantes valorizem a música, a poesia e por extensão um filme musical? Impossível.
Num filme musical, a ótica é outra: estamos num mundo de pessoas sensíveis, que expressam seus sentimentos por meio de canções e da dança, um mundo em que as emoções se deixam extravasar e não são reprimidas, um mundo em que há beleza e em que as pessoas encaram a vida como uma grande oportunidade, como uma dádiva, que merece ser celebrada. Pessoas assim, não dariam início a uma guerra, mas resolveriam seus conflitos de modo bem mais satisfatório, porque são pessoas felizes e que querem apenas expressar sua alegria de viver.
Por isso, penso que uma pessoa que aprecia filmes musicais, ou comédias românticas, não são frívolas, mas sim pessoas de maior sensibilidade e também que os filmes musicais acabam por expressar a idéia de que um mundo melhor é possível, ou seja, se constituem numa expressão de um mundo utópico, um mundo melhor, sem violência e mais fraterno.
Além disso, gostar de um filme musical não afeta nem um pouco a masculinidade de alguém, porque quando apreciamos uma música ou uma dança, o fazemos com nosso espírito e, como disse a rainha Cristina da Suécia, já no século XVII, “a alma não tem sexo”.
2) O Filme Cinderela em Paris
Ficha Técnica
Título Original: Funny Face
Gênero: Comédia Romântica
Tempo de Duração: 103 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1957
Direção: Stanley Donen
Roteiro: Leonard Gershe
Música: Adolph Deutsch
Fotografia: Ray June
Direção de Arte: George W. Davis e Hal Pereira
Figurino: Hubert de Givenchy e Edith Head
Elenco:
Audrey Hepburn ( Jo Stockton)
Fred Astaire ( Dick Avery)
Kay Thompson ( Maggy Prescott)
Sinopse
Um famoso fotógrafo de modas, Dick Avery (Fred Astaire), trabalha para a Quality Magazine, uma conceituada revista feminina. Dick cumpre as determinações da editora da revista, Maggie Prescott (Kay Thompson), que não está satisfeita com os últimos resultados e tenta encontrar um "novo rosto". Dick o acha em Jo Stockton (Audrey Hepburn), uma balconista de uma livraria no Greenwich Village onde um ensaio fotográfico ocorrera recentemente. Após certa resistência, Maggie aceita Jo como a modelo que irá à Paris para fotografar e ser o símbolo da Quality. Jo só concorda pois lá poderá conhecer Emile Flostre (Michel Auclair), um intelectual cujas idéias ela idolatra. Entretanto, ao chegarem em Paris as coisas não correm como o planejado.
Conclusão
O filme além de mostrar o mundo da moda, faz um contraponto com a filosofia, de modo lúdico, pois a personagem vivida pela graciosa Audrey Hepburn, que, antes de ser conduzida para o mundo da moda, trabalha numa livraria, tem muito interesse por questões filosóficas e, quando é levada para Paris, para ser modelo fotográfico da revista de moda, aproveita para freqüentar os bairros intelectuais e conversar com adeptos da corrente filosófica a que havia aderido, chamada de “enfaticalismo”, provavelmente uma referência hilária ao existencialismo de Sartre. O filme é leve, agradável e tem o clássico final feliz, como era de se esperar. É puro entretenimento do mais fino gosto e agradável sob todos os aspectos. Afinal, o cinema não precisa, nem deve ser em todos os seus momentos, um bicho de sete cabeças, só por ser a sétima arte, não é verdade?
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Lógico que Astaire fez outros clássicos mais famosos que Cinderela em Paris, mas o que faz dessa pelica especial e máfica é a presença Audrey mostrando suas qualidades também como bailarina.
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