quinta-feira, 7 de maio de 2009

"Pacto de Sangue" por Evandro Mesquita



"Pacto de Sangue" é definitivamente um filme noir. Primeiro porque é em preto e branco, segundo porque há nele patologias: uma mulher, a femme fatale, apaixona-se por um homem para cometer crimes prometendo-lhe sexo e dinheiro. Porém, ao final não consegue nem o dinheiro nem a mulher como ele próprio diz em sua confissão. Vale lembrar que no romance naturalista há a idéia de subir na vida “passando por cima” ou mesmo matando o mais fraco, tudo isto inspirado na ideologia pos-darwiniana da evolução das espécies: “Só os fortes sobrevivem”. No naturalismo o homem age por instinto como se animal fosse e em sendo animal não possui raciocínio algum. Kubrick, mais tarde (1968) ilustraria tal evento em 2001, Uma Odisséia no Espaço, quando o macaco mostra-se melhor e mais forte, ao encontrar um osso e dele fazer uma arma para matar outras espécies, para sobreviver. Os protagonistas em Pacto de Sangue querem “sobreviver” em suas necessidades amoroso-sexuais, bem como financeiro-sociais.

Walter Neff, interpretado pelo ator Fred McMurray, matou um homem. Fez isso por dinheiro e por uma mulher. Entretanto, ficou sem o dinheiro e sem a mulher. Bem-sucedido corretor de seguros tem a vida destruída por causa de um capricho arquitetado pela sensual e diabólica Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck). Neff e Phyllis tiveram um caso de amor... E planejaram um crime: mataram o marido dela. Com Pacto de Sangue, o diretor Billy Wilder fez de um manifesto de culpa e consciência um dos pilares das fitas de mistério, uma espécie de paradigma do film noir. Walter Neff está arrependido. Após uma seqüência de acontecimentos macabros, ele sente a necessidade de confessar, contar tudo. Em vez de fugir imediatamente, resolve ir ao escritório onde trabalha, ligar o ditafone e falar. É sua voz que narra todas as cenas de flashback que vêm a seguir.

A estória do filme foi baseada em um crime da vida real que aconteceu em Nova York, em março de 1927 perpetrado pela dona de casa Ruth Snyder e seu amante, o vendedor de roupas íntimas de 32 anos de idade, Judd Gray. Ela persuadiu o seu “baby” a matar o marido Albert, editor da revista Motor Boating, após a contratação de um seguro cuja apólice era de 48 mil dólares com uma cláusula de dupla indenização. (Daí o título original do filme Double Indemnity). Porém o crime foi descoberto e ambos foram presos e executados na cadeira elétrica em 1928.

Desse evento real foi publicado em 1930 o romance Double Indemnity, do escritor James M. Cain. Por se tratar de uma estória que mexia com temas, para a época, chocantes como adultério, corrupção e crimes arquitetados, a maioria dos executivos de Hollywood relutou em produzir o filme cujo enredo lhes parecia perverso e amoral até 1943, quando o diretor Billy Wilder manifestou seu interesse.

Nem tudo é macabro em Pacto de Sangue. Encontram-se personagens mais, digamos, simpáticos. Um deles é Lola, a filha de Dietrichson (ela faz revelações surpreendentes sobre o passado da madrasta). O outro é Barton Keyes (interpretado por Edward G. Robinson), o investigador da companhia de seguros, colega de Neff. Ele é descrito como um sujeito turrão, superprofissional, celibatário, cínico e bondoso. Resolve praticamente todos os casos que caem em suas mãos e, para isso, tem a ajuda de uma voz interior, a quem ele costuma chamar de “homenzinho”. Essa voz lhe assopra conjecturas e palpites cada vez que algo não parece "cheirar bem". E o Caso Dietrichson não cheira bem. Teria ele a certeza de que Neff está mesmo envolvido? No começo, chega a suspeitar do colega, sim. Neff fica espantado ao escutar o próprio nome mencionado em observações que Keyes gravara no ditafone acerca da investigação. Existe, porém, uma afinidade quase de pai e filho entre os dois (exacerbada pelos diálogos finais). O velho detetive não parece aceitar que seu protegido seja o culpado daquele crime tão banal e sórdido, que ele tenha se deixado envolver por uma mulher tão fria e inescrupulosa.

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