sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Entreato" por Rafaella Costa


1924, Champ-Elyssés, Paris. Após a apresentação do balé sueco Relache, o público foi apresentado ao movimento dadaísta na tela. Organizado pelo pintor Francis Picabia, “Entr’acte”, de René Clair, foi recebido com assobios, gritos e, finalmente, aplausos.


O dadaísmo nasceu em 1916, em plena Guerra Mundial. Os princípios da nova vanguarda trazem no ilógico e espontâneo certo espelho crítico de uma realidade incômoda. O movimento manifestou-se nas artes plásticas, literatura, música, mas foi em René Clair que o dadaísmo no cinema assumiu sua postura. Entre as propostas trazidas pelo Dadá, segundo seus próprios seguidores, estava em ver que o principal problema de todas as manifestações artísticas era que elas almejavam algo que era impossível: explicar o ser humano.


Escritor e cineasta, René nasceu em 11 de novembro de 1898, Les Halles, Paris. Filho de comerciantes, começou sua carreira como jornalista e então tentou ser ator. Ainda trabalhou como assistente de direção de Jacques de Baroncelli e roteirista. Em 1960 foi eleito para a Academia Francesa. Sua esposa, Bronja Clair, afirma que René era muito reservado e falava pouco sobre si. Após fazer um filme que não foi bem recebido na França, mudou-se para a Inglaterra, mas nunca se esqueceu de suas origens. Era apaixonado pela França. Em sua fase comunista, recebeu convites para filmar na Rússia, porém nunca os aceitou. Seu primeiro filme “Paris Adormecida” estreou no mesmo ano que “Entr’acte”. René não era muito bem recebido pela crítica e os jornais davam pouca importância às suas premiações.


Mas sua obra “Entreato”, como é conhecida aqui, apesar de por muitos ter sido considerada sem valor ou simplesmente ilógica, deixa claro o talento de René. Com participação dos radicais da época como Marcel Dunchamp e com música de Erik Satie, este filme não apresenta questionamentos diretos, mas qualquer que seja a época em que for visto, se mostrará cheio de novas perspectivas. Como a cena em que homens e mulheres correm atrás de uma espécie de carro que leva um caixão em velocidade. Como não refleti-la como metáfora de que todos correm para o fim de suas vidas e se esquecem das pequenas coisas que estão à sua volta? Tudo o que podiam ver era seu próprio objetivo, não dando valor ao caminho que percorriam para consegui-lo, que muitas vezes se revela em nossas vidas de muito maior importância. Ao final do filme, quando o “suposto morto” levanta-se do caixão e “apaga” cada um dos personagens que corriam, é possível questionar-se se “correr tanto” irá nos levar a algum lugar, se não levar a todos para o mesmo.


Inúmeros questionamentos sobre a vida, morte, sociedade, arte, podem ser refletidos a partir da obra de René. Ele propõe ver o mundo de outra forma. A beleza de “Entreato” está em sua forma poética, revelando não só as propostas do dadaísmo, mas também ilimitando as perspectivas do espectador. É a sua forma de mostrar num aparente “nada”, um tudo, que o faz ser tão antigo e tão atual. Em 15 de março de 1981, em Paris, a cidade despede-se do cineasta. Além de sua filmografia, René Clair deixou para o mundo um desejo de que os jovens viessem a amar seus filmes e que buscassem aprender com eles.

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