sexta-feira, 24 de junho de 2011

"Dia de Ira", por Olga Ferraz


Breve introdução sobre o Diretor:
Carl Theodor Dreyer foi um dos mais importantes cineastas dinamarqueses, e filmou de 1910 até 1960. Aos dois anos de idade sua mãe, uma empregada, não pôde mais criá-lo dando o menino ao casal Dreyer, que o registrou e criou com os mais rígidos valores luteranos. Este tema se faz muito presente na obra de Dreyer, mesmo que ele não assuma a presença de tais valores.

Depois de seu início no cinema seus filmes foram considerados muito sombrios, fazendo com que a Nordisk Film, sua produtora, desistisse dele, demitindo-o. Depois disso ele foi contratado por uma produtora francesa e gravou o filme que mais marcou sua carreira: A Paixão de Joana d'Arc - 1928. Durante os anos 30 e 40, sua produção foi prejudicada devido à grande guerra, mas Dreyer havia se identificado muito com o estilo expressionista alemão, pois assim tinha liberdade para mostrar os sentimentos mais internos do homem. Depois da longa espera, em 1955 ele finalmente gravou seu filme: A Palavra, que é mais um grande filme em sua carreira. Seu último filme foi Gertrude - 1964, na época considerado inadequado, mas hoje é tido como mais um importante registro cinematográfico. Suas escolhas técnicas em muito influenciam outros diretores de seu país, como Lars von Trier.

Dias de Ira; Resenha:

O que mais me impressionou em Dreyer foi sua habilidade de posicionar a câmera de uma maneira que faça o espectador se sentir absolutamente próximo do personagem e de seus sentimentos. O filme tem uma abertura pesada, com um longo texto que fala, dentre outras coisas, sobre céu e inferno e os dias de ira de um possível juízo final. Logo depois vemos uma senhora, sendo caçada acusada de bruxaria.

Anne é o foco da próxima tomada. É-nos mostrada sua casa, sua sogra, que de tão beata chega a ter um ar diabólico, seu marido o Pastor Absalon, e a chegada de seu recém-enteado Martin. Num dos poucos momentos em que se encontra sozinha na casa, Anne é surpreendida pela presença de Herlof's Marte, a senhora que estava sendo caçada, as duas conversam e a velha pede que ela a ajude, assim como a mãe de Anne havia sido ajudada. Neste momento todos retornam à sala e Herlof's Marte fica escondida. À porta vemos os homens que a procuram entrando na casa e procurando pela velha senhora, que foi rapidamente capturada no sótão da casa.

Absalon fica encarregado de obter uma confissão de Marte. Antes de ser torturada e de estar na presença de outros homens do clero, o roga que a livre da fogueira assim como ele fez com a mãe de Anne. Esta está à porta escutando toda a conversa. A velha Marte não é poupada e afirma ao Pastor que a única "bruxa" que conheceu era a mãe de Anne, poupada apenas pelo interesse do Pastor na jovem. Diz também, que se for queimada Anne deve seguir o mesmo caminho. Ao chegar em casa o Pastor se corrói de angústia, entre estar mentindo para Deus, ou entregar a esposa à morte; sua mãe que já havia percebido seu comportamento estranho e que não gostava de Anne o pergunta se ele já viu como os olhos dela queimam assim como os da mãe. Vemos então Martin e Anne voltando de um passeio, e somos involuntariamente guiados a reparar melhor em seu olhar.

Absalon pede para conversar com a esposa, lhe revela que sua mãe havia confessado ter o poder da invocação, da comunicação com vivos e mortos, e ao saber disto o olhar de Anne não apenas "queima", mas há um pouco de cobiça nos tais poderes de sua mãe. É como se as expressões do rosto dela falassem por si só, e demonstrassem seus desejos de conhecer melhor este universo místico. O comportamento da nossa protagonista muda abruptamente nos dias que se seguem, seu olhar tímido, agora mais parece intimidador. A avó, que de certa maneira parece representar a consciência onipresente do filme, diz a Martin que pense no pai e não o faça sofrer; pede-lhe que não se afaste deles, sinalizando saber que algo havia mudado nele.

O fim do filme está próximo e mais uma vez Dreyer habilmente nos mostra isso, quando o tempo da região fica inteiramente nublado e uma tempestade se aproxima. Esta é uma metáfora para o clímax do filme. O Pastor vai à casa do Capelão (que havia sido jurado de morte por Marte) e presta suas últimas ações antes que o colega morra. Quando Absalon chega em casa conversa com Anne sobre morte e assume que errou com ela, no momento em que a "pegou" para casar e em momento algum a consultou se ela realmente o queria, ou o amava. Este trecho do diálogo mostra um lado mais feminista do ângulo de visão do diretor, não deixando passar o fato de que as mulheres muitas vezes eram escolhidas, sem ter a mínima voz, ou poder de decisão sobre suas vidas.

Anne assume (respondendo à pergunta de Absalon) que desejou a morte do marido, sempre, inclusive nos momentos em que estava com o filho dele, e diz que quer que ele morra. Assim como se cumpre uma profecia, ou mesmo uma pena, Absalon cai morto no mesmo instante. Martin pergunta a Anne se ela teria poder de desejar a morte de alguém, e ela nega absolutamente.

No velório do filho, e ao ver que nada será dito, a Avó se levanta e diz que uma vida será paga com outra. Acusa Anne de ser bruxa e ter um pacto com o diabo para enfeitiçar Martin e matar Absalon. Ela confirma tudo, chorando, e diz ao morto que agora, ele já pode ser vingado!

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