sexta-feira, 24 de junho de 2011

"Show boat", por Heitor Dutra


"A natureza não é chamada para representação.A representação é só um faz de conta." A fala de Partheny, mãe da protagonista Magnolia, diz respeito a não só este filme, mas, a todos os musicais de estúdio dessa época. O artifício é encarado de maneira normal. Pra falar a verdade nem é encarado, ele simplesmente existe, e lá está, é nesse meio que as personagens vivem e não conhecem outro.Cenários pintados a mão, canções repentinas, que expressam o que a personagem gostaria de dizer quando as palavras sem a música seriam dificéis de engolir por quem assiste, esse é o mundo do músical, e ninguém fica imune, é o mundo do espetáculo, do show, e é esse mundo que Show Boat (1951) retrata.

O filme narra a história de uma trupe de artistas num barco de espetáculos que vai de cidade em cidade, no sul dos Estados Unidos do final do século XIX, o Cottom Blossom, seus amores, seus abandonos, suas fraquezas.Originalmente um musical de teatro, Show Boat, já tinha sido adaptado para o cinema duas vezes, em 1929 e em 1936.

"Você quer ser atriz porque isso torna tudo real." De fato, o "amor" precipitado de Magnolia e Gaylord, que jamais se passou por real, pelo menos pra mim,se mostraria mais tarde impulsivo, com o vício, e o abandono. Já no final do filme, ciente do fruto desse desejo fantasiado de amor eterno, Gaylord retorna aos braços de Magnolia. Mas a realidade as vezes nos engana, ou será a fantasia? Julie La Verne, interpretada por Ava Gardner, que tinha uma relação estável com o ator principal do Cottom Blossom, Stephen, se vê forçada a deixar o barco por ter sido acusada de ser mestiça, crime no local onde estavam ancorados, Julie foi denunciada pelo concorrente de Stephen ao posto de amante. O sangue do casal se mistura num pacto, assim os dois se vão, e o amor que tinha se mostrado forte, verdadeiro se revela amargo. Julie é abandonada por Stephen, e não consegue superar, se lançando de cabeça na bebida.

Pepa decide fumar um cigarro, acende o fósforo, se lembra da recomendação de não fumar, joga a caixa de fósforos na cama onde amou Ivan, um incêndio se inicia, Pepa olha impressionada, e ao mesmo tempo satisfeita para o leito em chamas. Até que a fumaça a faz voltar para a realidade e apagar o fogo. Almodóvar faz Carmem Maura em Mujeres al borde de un ataque de nervios, apagar o que sobrou de Ivan na casa, a cama que foi queimada, e a mala que será despachada. Julie não consegue ser como Pepa. O passado a prende, ela vê o Cottom Bottom ir embora com o casal que ela re-uniu, mostrando a Gaylord a foto de seu filho, mas fica no cais. Não navega mais, está presa à terra, assim como os homens e mulheres que catam algodão.

Show Boat me lembrou os finais de semana na casa de minha avó, no pé de uma ladeira em Cajueiro, a casa era rodeada por um jardim, o que deixava a luz filtrada, a casa mais escura. Lá eu assisti pela primeira vez A noviça rebelde, Cantando na Chuva, A Fantástica Fábrica de Chocolate. A cena onde Joe canta, na manhã, aquela neblina, só aumenta a certeza: Cinema, é vivência.

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