sexta-feira, 24 de junho de 2011

Um pouco de Tourneur, por Matheus Cartaxo Domingues


Imaginemos como foi duro para o prisioneiro livre encarar seus companheiros de caverna e lhes dizer que as sombras vistas não passavam de ilusões. A dificuldade de convencer o outro, levantemos a hipótese, foi angustiante para o personagem do mito de Platão. Jacques Tourneur parece extrair disso a matéria sobre a qual ele trabalha na série dos seus três filmes produzidos por Val Lewton (Leopard Man, Cat People e I Walked With a Zombie). A realidade foi vislumbrada como que atrelada a um movimento muito maior do que o pensado e, portanto, há uma necessidade de encontrar formas possíveis de lidar com a incredulidade de seus interlocutores - até certo ponto, o equivalente a nós mesmos, os espectadores.

Como inserir o fantástico no real? Como fazê-los acreditar numa mulher que se metamorfoseia em pantera, ou na existência de um assassino que assume um corpo de leopardo? Como admitir a veracidade de rituais de vodu? Essas questões se puseram a Tourneur muito concretamente nas realizações dos filmes, pois, além da pobreza roterística do material que chegava até ele, sucederam-se poucos recursos, indumentárias e cenários limitados. Onde se poderia apenas flertar com os temas sem adensá-los, a criatividade espetacular de um artista driblou as dificuldades estruturais, extraiu o máximo de tudo.

Tourneur nos faz retornar à caverna de Platão: sua ousadia é materializar um mundo invisível para olhares viciados. A estratégia não é diferente da de Godard em Histoire(s) du Cinéma, série feita para a televisão: vencer no campo adversário - no caso, no das convicções. Louis Skorecki diz a respeito do cineasta: “Os limites e a ambição de Tourneur (...): ver (e dar a ver) o que não é, o que não somos, invertendo com este propósito o indispensável e o dispensável, modificando o curso das coisas, desejando mudar a vida. A imagem que ele nos propõe é, portanto, invertida, os elementos reunidos em proporções diferentes, o equilíbrio natural perturbado.”(1) O seu trabalho artesanal nos guia ao conhecimento do mundo, sem nos negar a surpresa diante de como ele se revela. Seu cinema, como o de outros grandes cineastas, foi buscado direto da fonte de onde jorra.

(1) Trois Tourneur, Cahiers du Cinéma nº 155, maio de 1964.

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