sexta-feira, 3 de abril de 2009

"O gabinete do Dr. Caligari" por Vitor Lima


Morte de parentes, perda de bens, desestruturação das cidades, provenientes da I Guerra Mundial, geraram um clima de insatisfação, terror e medo em boa parte da população. Dessa maneira, como toda cultura em crise, se fez necessária a criação de uma nova forma de expressão, dada no cinema alemão através do expressionismo.


Jogo do escuro e do claro, formas estranhas, angulações incômodas e principalmente o exagero são algumas das características principais dessa escola, e essas surgiram justamente porque queria ser dado ao cinema um tom mais intimista, subjetivo, do inconsciente, imaginativo e até sombrio, sendo, assim, de certa maneira, reflexo da realidade da época. Um dos primeiros e até mais característicos e importantes filmes do expressionismo foi exatamente “O gabinete do doutor Caligari”, de Robert Wiene, se tornando, até, um marco no cinema.


Inicialmente o filme parece ter uma história comum, um homem (Francis) conversa com outro e inicia a narrar sobre um acontecido na cidade de Holstenwall. Conta que chegou a essa cidade um monge que queria se apresentar na feira com um sonâmbulo. Após o início das apresentações de Caligari (o monge) e Cesare (o sonâmbulo), ocorrem duas mortes: do escrivão e do amigo de Francis, gerando o clima de suspense. O principal suspeito, para Francis, desses crimes é exatamente o sonâmbulo, pois ele previu uma das mortes. A história continua bastante comum, mas a direção de arte, fotografia, figurino e maquiagem já dão um brilho bastante elevado ao filme. O clima de suspense se sucede, e Francis consegue apoio do pai de sua amada, Jane. Eles vão à casa de Caligari examinar Cesare, mas pouco tempo depois chega a notícia de que o assassino foi pego, mas este diz não ser o autor dos dois crimes, fazendo com que o principal suspeito continue sendo o sonâmbulo. Assim, Francis passa um tempo escondido “para ter a certeza” que Cesare não iria atacar ninguém, até que ele descobre que justamente Jane foi atacada pelo sonâmbulo, e que o que ele observou por algum tempo era simplesmente um boneco. Nessa parte do filme já se começa a fugir da normalidade, a história começa a ser mais envolvente. Como Cesare tinha fugido por tentar matar Jane, Caligari também foge, indo para um hospício, mas é seguido por Francis. Nesse local, Francis procura localizar Caligari, e os funcionários pedem para ele falar com o diretor do instituto. Esse momento aparenta ser o clímax do filme, pois o diretor é exatamente o Doutor Caligari! Francis tenta achar evidências para provar que aquele homem era o manipulador do sonâmbulo assassino, até que ele acha anotações bastante incriminadoras. No entanto, só se prova realmente que o diretor era Caligari, quando Cesare aparece morto, e o doutor se descontrola, tentando atacar as pessoas ao redor.


Chega, então, o momento mais importante e até impressionante do filme: é sugerido que tudo aquilo que foi visto pode ser uma ilusão, uma criação da cabeça de Francis, pois todos os personagens (Jane e Cesare) estão na mesma instituição que ele, e que Caligari poderia ser somente seu médico. Esse foi o grande marco do filme, pois trouxe a possibilidade do final aberto, de livre interpretação, sendo bastante coerente até com a idéia da escola que pertence, a qual o inconsciente e a imaginação contam muito (neste caso não só para o espectador, como para o personagem).

O filme realmente surpreende ao ser visto até o fim, e se assistido novamente é perceptível que na verdade não se trata de uma história comum, mas com final extraordinário, é bem densa, coerente e bastante interessante desde o princípio e vai, aos poucos, envolvendo mais e mais o espectador até chegar ao verdadeiro clímax que é a descoberta e a possibilidade de interpretação pessoal, sugestão em detrimento de imposição.

Como foi visto, a história em si já é de grande importância e significado, mas ela não fluiria tanto se não fossem outros aspectos cinematográficos, que se tornam tão necessários e cruciais, quanto a história, na composição do filme. A cenografia, que brinca muito com a perspectiva (casas de tamanhos pequenos, portas tortas, janelas de formatos diversos, objetos deformados vistos de ângulos diferentes, etc.), traz um brilho enorme ao filme. A maquiagem bem forte, com características próprias, justamente com o exagero na atuação faz que com o espectador realmente sinta a obscuridade proposta pela trama. A fotografia brinca muito com o claro e o escuro, com a angulação dos planos, trazendo uma característica bastante singular. Além da importância do figurino exagerado, meio de época, com muito xadrez, que enriquece ainda mais a cena. Enfim, todos esses aspectos juntos possibilitam não só a inovação estética, como também atingem o objetivo da escola expressionista, pois essa composição consegue ser bastante sombria, obscura e o mais importante, consegue realmente criar uma outra realidade.


Dessa maneira, “O gabinete do doutor Caligari” conquistou seu espaço no cinema e conseguiu encantar seu público, tanto é que mais de oito décadas depois de sua criação, é constantemente visto filmes influenciados por sua temática, ou estética, desde Kubrick até Tim Burton.

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