sexta-feira, 3 de abril de 2009

“O Encouraçado Potemkin” por Nilson Braga de Almeida


Serguei Eisenstein é o grande precursor da montagem acelerada largamente utilizada no cinema contemporâneo e “O Encouraçado Potemkin” talvez seja a obra em que ele atinge o mais alto grau nesse quesito. Principalmente se o filme for visto na tela grande, o espectador notará o quanto tal característica faz com que ele penetre e se perceba dentro da narrativa e o quanto ela foi essencial na produção cinematográfica do cineasta russo, naquilo que ele queria causar.
Para tentar absorver ao máximo tal obra-prima do cinema mundial é imprescindível conhecer o momento da Revolução de 1917, ou seja, compreender o contexto histórico em que tudo aquilo foi filmado e o quanto ele teve de influência na produção do referido cineasta. Tal fato marcante na história mundial, como todos sabem, causou enormes transformações no padrão de vida dos soviéticos e também na forma deles verem o mundo. E toda esta mudança não aconteceu por acaso: basta lembrar que ela derrubou, num curto espaço de tempo, um regime czarista quase que milenar.


Na obra em questão não há nenhum personagem protagonista: Eisenstein mostra cada operário como uma peça, um componente de uma engrenagem que só funciona devido ao conjunto deles próprios, dependendo dessa união para formar um todo forte, um pensamento comum. O diretor evidencia isso nas cenas em que mostra alguém chamando, acordando os empregados para o trabalho e para a revolta, enaltecendo a participação de toda população nas profundas mudanças políticas, econômicas e sociais pelas quais o país estava passando.


Pela minha concepção, o filme pode ser dividido em três partes. A primeira tem início nas cenas dos marinheiros no navio, trabalhando, passando necessidades, sendo tratados como verdadeiros vermes, sem valor algum. E é aí que surge o conflito pois os seus superiores os obrigam a comerem carne estragada. A rebelião é deflagrada e os revoltosos saem vitoriosos, guiando a embarcação como se fosse sua pátria. Eisenstein os filma em seu dia-a-dia, com naturalidade, sempre dando ênfase no coletivo.


Na segunda parte, no porto de Odessa, há dois momentos bem distintos que se passam neste mesmo espaço físico. Inicialmente, a população local fica em polvorosa com a chegada dos revoltosos e lhes dão mantimentos e apoio de toda ordem. Eles são tratados como verdadeiros heróis. Mais tarde, porém, os militares chegam para acabar de vez com aquela situação e atiram nos civis sem dó nem piedade. Tais cenas se passam numa enorme escadaria. Aqui, Eisenstein explora ao máximo a sua famosa técnica de montagem e apresenta seqüências que demonstram extrema tensão, movimentação, desespero. Destaque para as cenas em que a população agita os braços, numa referência ao machado, um dos símbolos da bandeira da antiga URSS; para a cena em que um bebê em cima de um carrinho desce a escadaria abaixo, desgovernadamente, passando ao espectador uma sensação de total aflição e insegurança; e também quando o diretor dá um close-up na mãe que vê seu filho, atingido por uma bala, ser pisoteado pela população, aflorando aí sentimentos de indignação e sofrimento. Tudo isso chega ao espectador através das imagens, através da maneira como elas são trabalhadas, tornando-se, com maestria, naquele magnífico e estonteante resultado.


No derradeiro ato, novamente são exibidas cenas com marinheiros no encouraçado, homens livres, labutando, com o objetivo de fazer a revolução se estender por toda nação. Eles navegam sozinhos quando, de repente, avistam uma esquadra. O pensamento que vem logo à tona é que tais navios estão tripulados por inimigos. Então eles se preparam para a batalha que irá definir seus destinos. Lentamente, como se estivéssemos em alto-mar, há a aproximação entre as embarcações até que, ao se encontrarem, uma surpresa acontece: os tripulantes da esquadra se aliam aos revoltosos e fazem crescer a revolução. Com esta ação a película é finalizada.


É possível que um filme produzido nos anos 20 do século passado seja capaz de causar certo impacto, certa tensão no público atual? Eisenstein prova que sim. Porém, se a pergunta anterior fosse feita com relação à maioria dos filmes desta época, ao analisá-los como um todo certamente eu daria um “não” como resposta, a não ser se estivesse olhando pelo lado da importância das inovações – sejam elas estéticas, sonoras ou visuais – que alguns filmes desse período trouxeram. Porém este não é o caso. O que interessa aqui é tentar afirmar que uma obra cinematográfica necessariamente não envelhece com o tempo e sim, pode se tornar eterna, única. Tal característica se estende também às demais artes.

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