sexta-feira, 3 de abril de 2009

"O gabinete do Dr. Caligari" por Diogo Didier


O Movimento Expressionista alemão deu conta de todas as artes, mas foi especialmente marcante para a história do cinema. Dele derivam alguns gêneros que hoje são exaustivamente produzidos pela indústria cinematográfica como o terror e o filme noir. Para estudar o expressionismo, algumas obras são fundamentais como “Metropolis” e “M” de Fritz Lang e “O Gabinete do Doutor Caligari” dirigido por Robert Wiene no ano de 1920 (1919?), sobre a qual deter-me-ei nessa resenha.


A trama do filme é simples: uma atração trazida pelo personagem do título chega à cidade em que mora o protagonista e, ao mesmo tempo, assassinatos diversos acontecem. Isso faz com que todos fiquem muito preocupados e se mobilizem para descobrir quem é o assassino. Alguns podem achar a história clichê, nos dias atuais, pois a causa das mortes vem da suspeita mais óbvia, O Dr. Caligari e sua atração – um sonâmbulo, que seria uma “marionete”, pois faz tudo que o seu mestre ordena inclusive matar pessoas.


Seria simples assim se não fosse por alguns detalhes que nos levam a pensar sobre um final que pode ser ambíguo para alguns. É o protagonista, Francis, quem conta toda essa história de terror – aliás, a primeira desse gênero no cinema – para um senhor com quem ele estava conversando. Assim, a maior parte do filme é um flashback das memórias do “herói” Francis.


Ele conta sobre a morte de seu amigo Alan depois de o sonâmbulo, Cesare, profetizá-la. Fala também como a polícia seguiu com as investigações e sobre a noite em que sua amada quase é assassinada por Cesare. Ele só não a matou, pois, para mim, no momento em que ele a viu, sentiu uma forte atração e tentou raptá-la. Não conseguindo carregá-la e fugir da polícia, ele a soltou e continua a correr sozinho, mas, depois de algum tempo, parou e caiu no chão. Acredito que ele tenha morrido, porque, como é um sonâmbulo frio e sem sentimentos, aquela obsessão que ele desenvolveu pela moça foi forte demais para o seu coração adormecido. A donzela, em casa, entra em estado de choque, então, o protagonista decide ir atrás do culpado de tudo: o Dr. Caligari.


No clímax do enredo, descobrimos que Caligari era também o diretor de um manicômio e que sua especialidade era o sonambulismo. Depois de descobertas todas as evidências, ele é internado. No final, a história volta para o tempo em que Francis conversava com o senhor e eles entram no manicômio onde estão todos os personagens principais que o protagonista havia mencionado – Cesare e a moça estão internados e o Dr. Caligari é o diretor do lugar. Depois que Francis tem um ataque ao ver o diretor, ele é posto em uma camisa-de-força e levado para a mesma sala em que vimos, há poucos minutos no filme, Caligari ser confinado, sendo que desta vez a sala está com uma pintura diferente. O diretor diz, ao perceber a confusão que o protagonista estava fazendo dele com o tal Dr. Caligari, que tem finalmente uma cura para o caso.


O cenário do filme é bastante diferente, surreal, com as casas empilhadas umas em cima das outras, paredes, portas e escadarias tortas e por aí vai. Há também uma valorização das formas pontiagudas. Vale ressaltar, ainda, o uso que o diretor faz do jogo de luz e sombra para cobrir imperfeições e enfatizar a ambiência assustadora do filme. Esse visual, de alguma forma, remete ao cubismo de quadros como os de Picasso. Existem, em minha opinião, dois motivos principais para esse cenário “grotesco”: a primeira, e mais óbvia, é pelo fato do filme pertencer ao expressionismo, movimento que valorizava esses cenários fantasiosos/ místicos; e a segunda, seria porque toda a história se passa através do pensamento “torto” de Francis, que, no final do filme, se mostra um louco. Ainda auxilia nessa questão da subjetividade do personagem em cena, as maquiagens pesadas feitas nos personagens como o Dr. Caligari, a moça e Cesare. É visível a diferença entre a maquiagem durante o flashback e aquela da cena final, principalmente quando está se analisando Caligari.


Elementos como a atuação teatral dos personagens também são facilmente reparados. Essas atuações, apesar de toda a teatralidade, estão inseridas naquele universo diegético de forma que não destoam do todo e servem para sublinhar a trama e dar um ar de suspense constante ao filme. Essas duas últimas funções também são exercidas pela música que, na versão restaurada que assisti, acentuam bastante a atmosfera dramática de cada cena, variando, apenas com instrumentos de cordas, de uma música mais “alegre”, como a da primeira sequência da feira em que Caligari faz a sua primeira apresentação, para uma de “suspense”, como as cenas de perseguição.


Os ângulos que não saem de um mesmo lado em cada cenário, mantendo um certo aspecto de frontalidade herdado do teatro – assim como a já citada atuação – contribuem para o espectador se sentir um pouco preso sem conhecer o ambiente como um todo. Essa sensação não passa mesmo com alguns close-ups em rostos ou objetos nos momentos mais dramáticos de cada cena ou com os falsos zooms que o diretor obtém a partir do fechamento da objetiva. Mas não é isso que transforma essa obra em um filme ruim.


Todos esses aspectos aliados ao roteiro bem construído – que usa bastante da simultaneidade dos acontecimentos – fazem com que esse filme seja tão assustador hoje como foi na época do seu lançamento. E no final, fica a dúvida: será que Francis criou a história enquanto já estava no manicômio? Ele enlouqueceu depois de ter vivido ou lido o que ele narrou? O diretor do manicômio era mesmo o Dr. Caligari e aquilo tudo era manipulação dele? Eu fico com a primeira opção, mas não restam dúvidas de que o filme só confirma o velho ditado “de louco, todo mundo tem um pouco”.

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