sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Metropolis" por Rebeca Virna


Metropolis, estreado pela primeira vez em 1927, é considerado uma obra-prima do cinema mundial por várias razões. Dirigido por Fritz Lang e escrito em parceria com Thea von Harbou, o filme conta com muitos efeitos especiais, tendo sido a maior parte desses novidade para a época; possui trilha sonora marcante, capaz de reproduzir toda tensão vivida pelas personagens; cenários grandiosos e ricos em detalhes, inspirados no expressionismo alemão e na arte decó; e uma história ousada, que acrescenta futurismo a uma crítica da realidade vigente.

Em linhas gerais, a trama se passa em pleno século XXI, especificamente no ano de 2026, e retrata o cotidiano ambíguo dos habitantes da cidade de Metropolis. Enquanto os ricos (thinkers) trabalham em seus confortáveis escritórios e se divertem em lugares como o Club of the Sons, os operários (workers) encaram uma desumana jornada de trabalho de dez horas diárias e vivem em condições precárias na parte subterrânea da cidade. A fotografia utilizada do filme exprime bem a dualidade existente entre essas duas classes: as cenas filmadas na fábrica e na cidade dos trabalhadores são mais sombrias, ao contrário daquelas onde aparecem os thinkers.

A dura realidade dos trabalhadores de Metropolis está prestes a mudar quando Maria, uma jovem com idéias revolucionárias, aparece no Club of the Sons e profere sábias palavras que tocam o coração de Freder. Este, ao seguir Maria, depara-se com uma cena que até então desconhecia: trabalhadores esgotados esforçando-se para manter as máquinas funcionando. Freder fica chocado e, ao olhar uma das máquinas, delira que esta se trata de um monstro devorando os trabalhadores, como se fossem as oferendas de um ritual de sacrifício. Atordoado, corre para o escritório de Joh Fredersen, seu pai e governador da cidade a fim de alertá-lo sobre tal situação. Contudo, Joh Fredersen parece ter outros interesses. Com ajuda de Rotwang, um cientista-inventor com traços de insanidade, Joh descobre que Maria está liderando uma espécie de revolução para que workers e thinkers se unam e vivam em harmonia. Segundo Maria, só o que falta a eles é alguém que seja o intermediário nessa relação. Com medo de perder seu poder, o governador planeja com Rotwang algo para impedir que os seus empregados se rebelem contra ele. É através de um andróide que assumirá a aparência de Maria que causará a discórdia entre os trabalhadores e evitará uma provável rebelião.

Mas Rotwang tem seus próprios planos; sabendo do envolvimento de Freder com os trabalhadores, o inventor programa o andróide para incitar os trabalhadores a se libertar da opressão causada pelo governador de Metropolis através da destruição das máquinas que mantém a cidade funcionando. Assim, poderá se vingar de Joh Fredersen, que no passado roubou sua amada Hel, e de Freder, filho da união dos dois e causa da morte da mesma (uma vez que Hel faleceu ao dar à luz a Freder). A insensatez de Rotwang faz com que os Workers destruam a máquina principal (Heart Machine), apesar de Grot (líder dos trabalhadores) tê-los advertido de que a cidade ficará inundada se isto acontecer. Impulsionados por um sentimento de vingança, os trabalhadores quebram a máquina e dão início a uma enchente que atinge toda Metropolis, principalmente as profundezas da cidade. Ao pensarem que seus filhos encontravam-se mortos, pois haviam deixado-nos em suas casas, os workers decidem queimar Maria numa enorme fogueira improvisada, só então percebendo que um andróide estava em seu lugar.

Enquanto isso, Freder e a verdadeira Maria levam as crianças para a parte alta da cidade e as colocam em segurança. Ao saberem que suas crianças estão a salvo, os trabalhadores ficam aliviados, mas, Rotwang, em meio a sua loucura, pensa que Maria é sua amada Hel e a persegue até o alto de um edifício. Freder aparece para ajudar Maria e logo se envolve num confronto com o inventor, que perde o equilíbrio e cai do prédio. Ao ver tal cena, Joh Fredersen percebe os equívocos que cometeu ao se aliar com Rotwang e oprimir seus empregados, e vai ao encontro do filho, mostrando seu arrependimento. O filme tem um belo desfecho: Maria faz com que Joh Fredersen, que representa o cérebro, e os trabalhadores, que representam as mãos, se entendam por meio de Freder: o coração. Então, com a mesma epígrafe com que o filme se inicia, ele termina: O mediador entre o cérebro e as mãos é o coração.

A partir desse breve resumo de Metropolis, podemos fazer algumas considerações. A começar pelo título, fontes indicam que uma das inspirações para o filme veio quando Fritz Lang fez uma viagem aos Estados Unidos e conheceu Manhattan. Ficou impressionado com a grandiosidade da cidade, seu número de habitantes, seus prédios que pareciam tocar o céu, com as pontes que ligavam um distrito ao outro, o intenso movimento de carros, entre outras coisas. Muito disso foi reproduzido no filme através da utilização da arte decó, representada nas fachadas de rigor geométrico e ritmo linear, e do expressionismo alemão, que revelam construções com ângulos agudos, grandes alturas, e ambientes com muitas pessoas. Os efeitos especiais também constituem um traço marcante de Metropolis. Para se obter o resultado desejado, foram realizados investimentos em novas técnicas de filmagem, cenografia e efeitos visuais. Todos esses elementos criaram o ambiente futurista necessário ao desenrolar da trama que Fritz Lang pretendia retratar. Não é à toa que o filme foi considerado a produção cinematográfica mais cara realizada até então.


Em relação ao enredo do filme, Lang tentou criar uma atmosfera favorável à apresentação dos conflitos das personagens: na abertura, as máquinas que trabalham num ritmo frenético já caracterizam a tensão que perpassará quase todos os momentos do filme. São realmente raras as cenas onde pode-se identificar ternura entre personagens ou sentir-se um clima mais ameno. Trata-se de um filme realmente forte, impactante, que nos leva a pensar e a sentir o drama das personagens.

No que concerne à atuação, pode-se dizer que os atores foram convincentes em seus papéis. O destaque vai para Rudolf Klein-Rogge, que interpretou Rotwang. Tanto a sua caracterização típica das personagens do expressionismo alemão, quanto os elementos que compuseram sua personalidade deram origem ao mais famoso estereótipo dos filmes de ficção científica: o cientista maluco.


Apesar de ter sido concebido na década de 1920, Metropolis permanece atual, especialmente pela sua temática. Lang acertou ao escolher retratar os problemas advindos dos avanços científico-tecnológicos e de seus desdobramentos. Ele quis chamar a atenção para o poder que o conhecimento pode dar ao homem e para as conseqüências desastrosas de seu uso negligente, como a desigualdade social e a instrumentalização do homem. Mesmo ressaltando aspectos negativos da sociedade em Metropolis, Fritz Lang optou por um final otimista, talvez tentando nos mostrar que com seriedade e dedicação é possível construir uma sociedade mais humana e igualitária.


Em alguns momentos do filme é possível notar a existência de lacunas que impedem melhor compreensão da história. Tais lacunas não são resultado de uma falha no roteiro ou na edição: na ocasião do lançamento de Metropolis nos EUA, Channing Pollock foi contratado pela Paramount para reeditar o filme com o propósito de reduzir o seu tempo a 100 minutos. Cenas como o memorial de Hel e a perseguição sofrida por Freder pelo espião contratado por seu pai foram consideradas desinteressantes para o público americano, e a conseqüência da reedição realizada pela Paramount e outras produtoras foi que ¼ do filme foi considerada perdida até julho de 2008, quando especialistas de Berlin anunciaram uma versão de 210 minutos encontrada nos arquivos do Museo del Cine, em Buenos Aires, Argentina. Fontes da internet indicam que esta metragem poderá ser lançada até o final de 2009, em DVD e Blu-ray.


Atualmente, a versão mais completa disponível é a da Fundação Friedrich-Wilhelm-Murnau-Stiftung. Por ter sido transferido para 24 quadros por segundo, a fim de acompanhar a trilha sonora original, o filme dura, precisamente, 118 minutos, e devido a esta modificação, algumas cenas perderam um pouco da sua naturalidade, como aquelas em que as pessoas parecem movimentar-se numa velocidade mais rápida do que a possível. Exceto esse pequeno e inevitável transtorno, a versão da F.W. Murnau é a de melhor qualidade, e nos oferece uma boa idéia da versão original do filme.

Metropolis resistiu a muitas dificuldades desde o seu lançamento para permanecer até hoje entre nós. Sem dúvida, é um filme que ajuda-nos a compreender uma parte importante da trajetória do cinema mundial – é considerado a pedra fundamental do expressionismo alemão e o precursor dos filmes de ficção científica - e por esse motivo deve fazer parte da filmografia básica dos amantes da sétima arte. Além disso, sua crítica à sociedade segue pertinente, nos levando a refletir sobre a realidade na qual vivemos e no que temos de fazer para resolver os conflitos político-econômicos, éticos, científico-tecnológicos e até mesmo existenciais que enfrentamos.

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