sexta-feira, 3 de abril de 2009

‘O Encouraçado Potemkim’ por Douglas Deó


Potemkim evolui, como narrativa, linearmente, apresentando introdução, desenvolvimento (do conflito) e conclusão (ou resultado). Trata de um fato histórico da revolução russa e, não casualmente, inicia com planos onde o mar revolto choca-se contra rochas.
A apresentação – episódio intitulado ‘Homens e vermes’ – coloca o público em contato com a situação subumana dos tripulantes do encouraçado; inicialmente é mostrado o tratamento despropositado dispensado ao marinheiro mais jovem (acordado com um safanão) e depois é explorado o estado da alimentação dos marinheiros, com a sequência da carne estragada; nesse instante, o close up dos vermes que estão sobre a carne de consumo serve para acentuar o asco do público e não deixar dúvidas sobre a conjuntura que envolve as personagens.
A partir de então brota nos tripulantes a revolta contra as imposições tiranas dos comandantes – acentuada no instante em que o marinheiro que está lavando pratos lê numa das louças ‘o pão nosso de cada dia dai-nos hoje’ e quebra o prato num movimento decomposto em pelo menos nove planos sucessivos e rápidos, tornando o movimento mais longo que seria em tempo real.
Desde sua introdução é possível perceber que o povo é o personagem principal; mesmo havendo certo destaque sobre a figura de Vakulinchuk – principiando e, de certo modo, liderando o motim, além de mais tarde ser abatido tal qual mártir -, o que se observa na evolução da narrativa é o desenvolvimento dos personagens enquanto grupo: de oprimido a revoltado, de revolucionário a vitorioso. Os destaques dados a certos personagens servem para acentuar, às vezes melodramaticamente, a idéia de povo oprimido e tornar cada vez mais plausível a revolução; assim, a própria morte de Vakulinchuk é temporalmente valorizada (tal qual a sequência da quebra do prato) dilatando-se em múltiplos planos a ponto de parecer desconfortavelmente irreal. Outro reforço para essa idéia de massa são os planos que mostram o povo marchando na cidade – panorâmicas olhando a massa do alto, por exemplo.
Em lugar de sufocar a revolta, a morte do marinheiro amplifica-a, transmitindo-a da população do encouraçado para a de Odessa, numa sequência onde os planos alternam choro, discursos inflamados e a execução emocionalmente cadenciada e conjunta do gesto-símbolo de revolta (o braço levantado com a mão cerrada).
Nasce, então, a comunhão entre navio e cidade, transmitida no episódio da escadaria de Odessa, onde, mais uma vez, é exposto o conflito entre opressor e oprimido – representados em ’formatos’ opostos: enquanto a população corre desordenadamente fugindo dos cossacos e alguns dos seus personagens são realçados intensificando a angústia e o sentido dramático – a mãe e o filho mortos impiedosamente, o carrinho com o bebê descendo escada abaixo, lágrimas e apelos -, os soldados czaristas são figuras dos quais não se vê os rostos, que marcham uniforme e implacavelmente, num mecanismo maquinal e desumano, contrapondo a humanidade irregular do povo.
Por fim, a revolução sai vitoriosa como é visto através da adesão da esquadra –“Irmãos!”. Antes do desfecho, Eisenstein provoca o suspense no público alongando o tempo que antecede o instante final, período no qual o espectador de primeira viagem e desavisado certamente esperará um ataque do inimigo.

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