sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Fausto" por Paulo Vicente Gomes Silva Filho


Não é de modo algum desconhecido a péssima fase em que vivia a Alemanha na década de 20 do século passado. Perdendo a primeira guerra, humilhado pelo decidido no tratado de Versalhes, a pobreza assolava o país e auto-estima era uma palavra que já não fazia parte do vocabulário do povo. Sob um clima de incerteza, frustração e descrédito, quanto às promessas da ciência e da técnica, surge o cinema expressionista alemão. Valorizando a dramaticidade das interpretações, músicas exageradas, dissonantes, junto a um excesso de distorções nas formas dos objetos nas cenas, o expressionismo superou a alcunha de mero movimento artístico para ser enquadrado como um comportamento que rediscutia idéias, desconstruindo o legado de sua cultura.


Nesse movimento, podemos destacar a figura de Friedrich Wilhelm Murnau, que com seu Fausto, parecia prenunciar o que estava por vir na Alemanha pós primeira guerra. Fausto é um mito recorrente na Europa, como o do rei Arthur e conta a História de Dr. Fausto, homem de grande erudição e de reconhecido caráter que se deixa ser seduzido por Mefistófeles (literalmente: inimigo da luz), ou seja, o demônio. Mefistofeles vem ao encontro de Fausto quando este, revoltado por não conseguir uma cura para a peste negra, oferece a este a cura e ainda por cima, a juventude dele por um tempo determinado para que ele pudesse ter o amor de Margarida. É interessante notar o uso de certos efeitos especiais no filme como a parte em que o demônio está acima da cidade com suas asas negras, simbolizando a chegada da peste negra a cidade. Ou o dialogo entre o anjo e Mefistófeles cada um apostando sobre a corrupção ou não de Fausto, remetendo a uma dualidade entre bem e mal.


Nesse conflito, vê-se na dramatização, a questão da existência fática, o dia-a-dia. Os personagens em suas expressões exageradas mostrava o quão pesado é cada gesto, cada situação vivida uma vez que já não se têm mais uma concepção tão exata do que é certo ou errado, daquilo que eleva ou aquilo que faz decair. Cada decisão, cada situação tinha todo o peso do universo justamente pela questão de não se saber o quão certo é cada atitude. Esses momentos podem ser identificados com a dicotomia luzes-trevas, os dramas vividos existencialmente recebe,m uma dose muito de luz ou trevas, dependendo de cada cena. Pode-se notar o que foi enunciado acima na parte em que Fausto tem um dialogo dramático com Margarida, onde os atores eram expostos a até 50 graus positivos e as cenas eram repetidas exaustivamente por Murnau para captar toda a força que a imagem poderia colocar, de forma a potencializar a dramaticidade. Com igual função potencializadora, os minúsculos ambientes fechados em onde transbordavam angústia e dúvida nos personagens. Esse exagero também mostra a valorização da experiência vivida frente às descrições calmas, sutis e minuciosas quase sem vida e completamente vazias de questões humanas, dos sistemas doutrinários da época onde tudo era conhecido, mensurável e exposto a uma razão iluminadora.


Isso fica claro quando se olha para o cenário distorcido, as ruas estranhas, lembrando cenas de um sonho. Segundo a pesquisadora de cinema alemão Lotte H. Eisner, esses detalhes serviam para mostrar o inconsciente, o dado não conhecido, aquilo o qual não se tem controle. Isso pode ser visto também no jogo de sombras, uma vez que segundo a mesma pesquisadora os expressionistas usavam a sombra como símbolo para o inconsciente. No fim do filme o amor de Fausto por Margarida o salva, representando o poder do altruísmo, aliás, o amor e as obras pelo bem comum feitas por Fausto que o salvam. É de comum acordo entre vários pesquisadores que está presente não só nesse desfecho, mas na obra de Murnau que é uma crítica a egoidade burguesa presente na época. De fato, o filme é excepcional por todos os elementos que o permeiam: as angústias de uma Alemanha incerta e a questão sempre auto-renovadora do dilema de fausto: trocar princípios em crise, relativizá-los e dessa forma conseguir um ganho.


Profético, o filme prenuncia uma Alemanha que entrega todas as suas expectativas a um regime autoritário que oferece uma melhora significativa das condições de vida, haja vista que na Alemanha da década de 20, faziam fogueiras com marcos alemães porque era mais econômico queimar o dinheiro do que usar o mesmo para comprar lenha. Muitas pessoas voltaram a ter empregos, suas vidas melhoraram, pessoas atingiram cargo de prestigio, acreditando num regime que traria a luz, não importando os métodos.


Por todas essas características é que Fausto se mostra como uma verdadeira obra de arte e se a arte tem uma função pedagógica, Fausto explica a veracidade da afirmação e ensina, usando alegorias proféticas numa linguagem quase religiosa, o perigo de se deixar seduzir pelo fácil, aprazível e de como é atraente e épocas de crise, perder valores. Do ponto de vista histórico-cinematográfico, as inovações e métodos utilizados como expressão tem muito a mostrar ainda nessa época de tantos recursos.

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