segunda-feira, 4 de julho de 2011
Bom Dia (1959) – Yasujiro Ozu, por Pedro Queiroz
No Japão pós-II Guerra, um pequeno vilarejo está passando por uma transformação de extrema importância, a implementação de televisores na vida de seus habitantes. Essa novidade causa um grande reboliço pois apenas uma das casas possui o aparelho, causando uma dispersão das crianças da vizinhança, que passam a deixar de estudar para poder acompanhar o campeonato de sumô. É possível observarmos duas ‘frentes’ ideológicas, por assim dizer, em relação à aceitação ou não desse novo veículo de informação. Um deles é o mais pessimista, representado pela campanha do governo, que dizia que a disseminação da TV iria ter por consequência a imbecilização de todos os milhões de japoneses. Essa é a opinião do pai das crianças, que acredita na provável alienação das crianças, caso tenham acesso total ao novíssimo veículo. Já as crianças, representam a parcela mais jovem da sociedade japonesa, com um mente mais ingênua, menos calejada pela rivalidade entre os países vivenciada pelos mais velhos durante as guerras, e dispostos a esse universo encantador da televisão.
Bom dia discute a necessidade de meios de comunicação, e é genial por que trata da conturbação causada no oriente pela introdução da televisão e meados do século passado, e tem como principal evento do enredo a interrupção intencional da fala por duas crianças que, justamente, desejavam ter acesso a esse novo meio de comunicação, de certa forma mágico, que estava causando todo o reboliço na região. Essa vontade é tamanha que abdicam da maneira de se comunicar talvez mais efetiva do ser humano, que é a fala. Como uma justificativa para isso, a criança mais velha, numa das cenas mais impressionantes do filme, deixa uma idéia de que tudo que as pessoas falam não passa de mensagens vazias, sem outro sentido senão suprir a política de boa vizinhança e dos bons costumes.
Essa fala é uma grande crítica à sociedade japonesa, e de certa forma, atinge nossa sociedade. Podemos inclusive fazer uma ponte com os dias atuais e notar que com a evolução dos meios de comunicação e informação, além das tecnologias de uma forma geral, houve de fato um abrandamento dessa relação mais próxima entre pessoas que convivem num mesmo bairro, ou frequentam um ambiente em comum, sentida pelo personagem.
A greve de fome, é claro, irá causar uma série de problemas na convivência e no entendimento entre os familiares e pessoas do convívio das crianças. A primeira delas é causada pelo garoto menor, que ao cruzar com uma das vizinhas, simplesmente não a cumprimenta. Ela acha aquilo muito estranho, e começa a refletir sobre o possível motivo dessa falta de cordialidade. Outro evento é a dificuldade de comunicação com o professor e com os próprios pais dos meninos. Seguindo uma estrutura bem tradicional da narrativa oriental, o filme se constrói e a seus personagens baseando-se numa série de episódios, em que as diversas arestas do filme serão devidamente cortadas até que estória se conclua. Por fim, os adultos acabam cedendo ao pedido dos meninos e compra-lhes uma tevê.
Se resumido em uma palavra, essa seria singelo. A discursão trazida pelo filme é de extrema complexidade, nem por isso o filme se torna denso. A escolha das crianças para discutir os pontos observados é uma mostra da delicadeza dos filmes de Ozu. Confesso que as primeiras cenas do longa me fizeram não esperar muito do filme, no entanto, à medida que a estória vai sendo contada, acabamos nos sensibilizando com a inocência dos personagens, a maneira como as crianças, em sua extrema sabedoria, tomam as decisões que acham coerentes. Acompanhamos o processo de aprendizado de ambas, e as vendo confrontar as diferentes informações a que tem acesso, fazendo o seu juízo do todo. Um exemplo é o fato de passarem o filme indagando-se sobre quem realmente tem razão, uma espécie de curandeiro, que diz ser importante para a alma comer pó de pedra pomes, e o professor de inglês, que vê isso como uma crendice e possível causador de um eventual problema de saúde.
Ozu demonstra ser um grande cineasta por conseguir extrair de todos os atores, nos momentos mais sutis, através das mínimas nuances e trejeitos, mais emoção do que qualquer melodrama jamais conseguirá. Os orientais vão dominar o mundo, e se Ozu e seus personagens são bons exemplos de um típico asiático, tomara que isso aconteça logo.
Psicose, por Túlio Ricardo de Lima Rodrigues
O gênio Alfred Hitchcock dirigiu em 1960 não só um dos seus mais brilhantes filmes, mas um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos, enaltecido e apreciado até hoje. Psicose é uma grande aula de como fazer um bom filme de suspense, de como apreender a total atenção do expectador e de como unir narrativa, técnica e trilha sonora num conjunto primordial.
Psicose narra a história de Marion Crane (Janet Leigh) que cansada com a vida que leva se sente atraída em roubar o dinheiro que seu patrão pediu para depositar no banco. Ao invés do depósito, Marion resolve ficar com o dinheiro fugindo da cidade onde vive. A partir daí, a protagonista inicia sua fuga de muita tensão, evidenciada quando ela é abordada por um policial e fica claro o nervosismo que ela sente durante tal abordagem. Logo depois, por causa de um mal tempo durante o percurso, Marion resolve descansar no motel Bates, um estabelecimento de estrada sem movimento algum de hóspedes. A loira é atendida pelo enigmático Norman Bates (Anthony Perkins) que rapidamente se mostra interessado por aquela mulher. Na mesma noite os dois lancham juntos, conversam e refletem sobre a vida, Norman fala da sua mãe doente que reprovou o “encontro” dos dois naquela noite, momentos antes. Depois da conversa, Marion resolve ir dormir, porque pretendia acordar cedo no outro dia para continuar a viagem, mas antes de ir para cama, ela vai tomar o banho mais temido de toda a cinematografia mundial.
Durante o banho, a protagonista é atacada a facadas pela mãe de Norman, uma sequência realmente impactante por causa dos close-ups da atriz, pelo rosto da mãe não focado, dando mais tensão à cena e, sobretudo pela espetacular música que acompanha toda a sequência. Tal música assume a função primordial de fazer com que o expectador se sinta aterrorizado com tudo aquilo que está vendo. Ver a cena do banheiro sem a famosa trilha sonora perde toda a composição de suspense que Hitchcock idealizou para tal parte do filme. Essa cena se tornou um clássico do cinema, além de sua trilha até hoje causar um temor incrível em parte do público.
A partir da morte de Marion, o filme perfeitamente faz uma transição de personagem central dentro da história. Agora, Norman Bates além de se desfazer do corpo de Marion, vai ter que se livrar das perguntas do investigador Milton Arbogast (Martin Balsam) que foi contratado para resolver o caso da mulher que sumiu com 40 mil dólares do patrão. Na narrativa agora, se apresenta a irmã de Marion, Lila Crane (Vera Miles) que resolve se unir a Sam Loomis (John Gavin), amante de sua irmã. Os dois se preocupam com o sumiço misterioso de Marion e recebem as informações que o investigador Arbogast consegue no decorrer das investigações, sobretudo quando ele interroga Norman e percebe sua hesitação em responder as perguntas feitas no próprio motel Bates. O investigador também fica sabendo que a mãe de Norman também pode ter conversando com Marion e pede para falar com ela, mas alegando ser uma pessoa doente, Norman impede que o investigador vá até sua casa e converse com a mulher.
A partir daí a trama vai ficando mais tensa, o investigador liga para Lila e Sam dizendo que vai tentar conversar com a mulher e de repente não dá mais notícias. É a mãe de Norman que ataca mais uma vez, numa cena tecnicamente incrível em que o investigador sobe as escadas e a câmera o acompanha em um plano frontal que gera suspense e apreensão à trama. Aliás, os movimentos de câmera de todo o filme são imprescindíveis para gerar tensão no expectador, é a técnica que Hitchcock dominava perfeitamente para fazer com que o filme transbordasse da tela e inundasse a visão do expectador numa atmosfera aterrorizante. Tenho que concordar, Hitchcock é sim o grande ‘Mestre do Suspense’.
Com o investigador morto, é a vez de Lila e Sam tomarem o controle da situação e começarem a investigar toda aquela história. Depois de escutar do xerife da cidade que a mãe de Norman está morta há anos, os dois que esperavam uma resposta da conversa entre o investigador e a tal mulher, resolvem ir até o motel Bates verificar quem é realmente essa mulher misteriosa. São os momentos em que a trama volta a ficar extremamente tensa. Lila entra na casa de Norman a fim de encontrar a mulher e se informar sobre o sumiço da irmã enquanto Sam distrai Norman na recepção do motel.
Lila não encontra nada, até reparar na pequena porta debaixo da escada que dá acesso ao porão da casa. Ela entra no cômodo e a tensão se instala de vez quando ela finalmente encontra a mãe de Norman sentada de costas para ela. Do susto que Lila leva ao virar a mãe de Norman para o desfecho do filme não se passam mais que 10 minutos e Hitchcock finaliza sua trama mostrando Norman como um grande psicopata. Sua mãe estava realmente morta, e ele vestido com suas roupas atacou a facadas Marion e o investigador Arbogast.
Hitchcock, baseado no livro de Robert Bloch, mostra um enredo surpreendente e inovador nesse filme. Retratando um personagem com problemas mentais ele consegue fazer com o seu suspense ganhe um caráter quase que mítico. Psicose é um grande conjunto de ações bem pensadas, desde a iniciativa de filmar o filme em preto e branco, da grande maioria das cenas serem noturnas, convergindo para a atmosfera que um suspense pede e claro, sem esquecer a brilhante trilha sonora que aterroriza até hoje qualquer pessoa no mundo. Enfim, o primor de Hitchcock em seus filmes e em especial em Psicose faz o Mestre se destacar dos demais quando o assunto é a função básica de um bom diretor: apreender a atenção total de qualquer espectador.
O Picolino (Top Hat), por Jéssica Fantini
O Picolino é um dos clássicos da parceria de Fred Astaire com Ginger Rogers. Produzido pela RKO e sob direção de Mark Sandrich, o filme é considerado um dos melhores musicais já realizados e contém passagens memoráveis, como a cena em que os personagens dançam ao som da canção “Cheek to Cheek”, de Irving Berlin. O efeito causado é inexplicável, as cenas com números de dança, figurinos belíssimos e talentosos atores, só permitem definir que o filme merece estar entre os melhores musicais de todos os tempos.
Não é por menos que “O Picolino” está na lista dos 25 maiores musicais do cinema. A abertura do filme já nos dá a ideia do que iremos assistir. Primeiro pelo enquadramento das pernas de Fred Astaire e Ginger Rogers fazendo passos de dança, segundo pela elegância dos trajes e terceiro pela trilha sonora e a música que dá uma sensação excitante. É o típico musical, com a narrativa sem muita elaboração e músicas coreografadas presentes no contexto, mas destaca-se por ter figurinos, danças e atuações sensacionais.
Realizado em 1935, o filme foge da realidade européia de dificuldades econômicas, após a grande depressão. Nesse contexto, se o objetivo era produzir um musical, precisava-se criar o ambiente desejado, e foi assim que fizeram. O cenário é todo fictício e até mesmo a água do rio, recebeu corante para contrastar com o tom claro dos cenários. Dessa forma, a fotografia tem uma aparência pouco natural sendo perceptível a “falsa” Veneza, até mesmo pelos poucos recursos da época, mas acaba sendo interessante por reforçar o toque de fantasia que se adequa ao gênero musical.
As atuações são impagáveis. Fred Astaire é o dançarino Jerry e a moça por quem se apaixona é Dale, interpretada por Ginger Rogers. Os dois contracenam como de costume, com muito talento e uma química que faz a diferença na qualidade do filme. Além disso, oferecem um tom suave e divertido, que já é uma proposta da narrativa, mas é aperfeiçoada pela atuação dos dois. A sintonia entre eles é vista nos diálogos e nas coreografias, mas a melhor passagem para exemplificar o trabalho de Fred e Ginger juntos, é a cena no duo com a música “Isn’t a lovely Day” que, apesar de esteticamente mais simples que as outras, tem uma espontaneidade única e é lindíssima.
A dança no filme já valida sua excelência por ser baseada na peça da Broadway, “The girl Who dared”. No entanto, além disso, as performances são acompanhadas por figurinos refinados como trajes de galã, comum por ser tratar de Fred Astaire, vestidos femininos glamorosos e até mesmo lindos acessórios, como os chapéus. Inclusive na narrativa é feita uma referência as belas roupas, pela personagem de Dale que usa as criações do estilista que vive com ela, Alberto Beddini. O figurino é idealizado por Hermes Pan e com certeza é um dos destaques do filme.
“O Picolino” de fato tem questões nada originais na narrativa e torna-se interessante e surpreendente pela qualidade estética, as coreografias e as músicas que apresenta. Além de cumprir a sua função parece ter algo a mais, o filme vai além por apresentar algo mágico, que envolve o espectador numa atmosfera doce e divertida e no final a única impressão é de encantamento.
sábado, 2 de julho de 2011
"Cantando na Chuva", por Rebecca B. França
Considerado pelo crítico de cinema norte-americano Roger Ebert como “Um dos maiores filmes musicais que Hollywood já produziu” o clássico “Singin' in the Rain” no Brasil, “Cantando na Chuva” que foi estrelado e dirigido por Gene Kelly e contou também com a direção de Stanley Donen em 1952 recebeu duas indicações ao Oscar de 1953. Concorreu para melhor atriz coadjuvante (Jean Hagen) e melhor trilha sonora (Lennie Hayton) porém perdeu os dois. A direção de arte ficou por conta de Randall Duell e Cedric Gibbons e o Studio responsável por tal produção foi a MGM.
“Cantando na Chuva” me encantou principalmente por seu humor leve e na medida certa. É seguramente um musical digno de elogios graças ao enorme profissionalismo dos atores que demonstraram talento que ultrapassa o da atuação passando para o campo da interpretação de músicas de forma cantada e dançando coreografias bem boladas. A já aclamada cena que Gene Kelly dança e canta na chuva é realmente interessante. Avaliei o filme pelo que ele se propõe, sendo uma obra com o intuito de entreter as massas e sem grandes reflexões sociais fazendo grande uso de escapismo, ou seja, distraindo a mente do telespectador de obrigações ou realidades sobre o mundo. A maquina de celebridades é exposta e uma vida onde se busca fama e reconhecimento é valorizada, a disputa ideológica bipolarizada com a URSS no pós 45 certamente reforça esse aspecto onde os filmes ajudam a vender o estilo de vida dos EUA. A obra contou com a participação de atores de charme e beleza como Gene Kelly interpretando o galante Dom Lockwood, Jean Hegen como a irritante Lina Lamont e Debbie Reynolds como a talentosa Kathy Selden, para completar o time o espirituoso ator Donald O’Connor interpreta o carismático pianista Cosmo Brown, melhor amigo de Dom. Um ano depois O’Connor ganha o Globo de Ouro de melhor ator em musical/comédia por essa produção.
O processo de Technicolor que consistia na coloração dos filmes. Foi utilizado até a década de 60, ou seja Cantando na chuva produzido em 1952 ainda está dentro dessa forma de coloração. Os filmes musicais, em sua maioria, foram inspirados no teatro musical e em peças da Broadway e no próprio roteiro de cantando na chuva isso fica explícito. A chamada “Era de Ouro dos Musicais” se inicia no pós II Guerra Mundial e vai até os primeiros anos da década de 1960
É basicamente um filme sobre filmes onde as disputas entre atores, produtoras e novas técnicas estão constantemente presentes. Sem contudo pesar no roteiro sempre leve de se assistir. A história se passa em 1927 e o inicio mostra a première do filme estrelado por Don Lockwood (Kelly) e Lina Lamont (Hagen) chamado “O patife Real” que seria produzido pela monumental pictures. É claro que a indústria de estrelas de Hollywood nos anos 30 já se fazia presente e o filme não deixa de retratar isso. Don e seu amigo Cosmo dançam e cantam bem, é uma bela demonstração do talento dos atores Kelly e O’Connor, mas não é pelo talento q sim pelo acaso que Don passa de Dublê para ator principal. Por se passar em 1927 “o patife real” é um filme mudo que faz grande sucesso. Lina é uma atriz de grande beleza e fama porém é irritante como pessoa e dona de uma voz terrível. A principio isso não lhe causa problemas pois é fato desconhecido pelo publico. O filme possui todo um clima musical e chega a ter mais de 15 cenas de dança. Um diálogo entre as personagens Don e Kathy no carro da moça revela a sutil rivalidade sempre presente entre cinema e teatro além das criticas que se faz ao espetáculo de distração das massas produzidos sobre a tutela da indústria cinematográfica. Kathy sugere que pantomima na tela não é atuar, “Atuar que sugere a fala, inclui grade palavras como em Ibsen e Shakespeare (grandes dramaturgos). Chateado com as idéias da moça em tom de ironia Don a chama de Ethel Barrymore uma aclamada atriz de teatro norte-americana.
Quando Don vai a uma festa só para celebridades, se depara com a apresentação de um pequeno curta metragem demonstrando uma nova tecnologia para filmes falados, o que divide as opiniões do público. “ A Warner Bros estaria produzindo um filme falado ‘O cantor de Jazz’ (...) Sucesso na primira semana”
A Produtora de Don resolve fazer um outro filme que se passaria na revolução francesa chamado “ O cavaleiro duelante” este não seria falado. Porém os planos mudam quando o filme falado da Warner cai no gosto do público. O novo filme de Dom é transformado em musical já que ele era dançarino no passado, contudo eles se confrontam com um problema; Lina a co-estrela não sabe cantar e/ou dançar. É nesse momento que surge a ideia de dublar a voz de Lina com a bela voz de Kathy . Na produçao do filme são feitas varias referencias a musicais da Broadway. Explorado cenario artificial e as cores berrantes
Cantando na chuva foi uma produção monumental em termos de legado por se tornar um clássico e em termos financeiros por ser aclamado pelo publico. Ainda hoje existiram no meio artístico diversas referências ao filme como foi o caso usado por Stanley Kubrick em Laranja Mecânica e usado por Ryan Murphy em um episódio de Glee, atual série de sucesso da FOX .
Johnny Guitar (Nicholas Ray,1954) , por Heitor Dutra
"Essa mulher pensa feito homem, age feito homem e perto dela, não sou homem", assim Sam, funcionário do saloon Vienna's, define sua patroa, a determinda Vienna maravilhosamente interpretada por Joan Crawford. É notável desde a primeira aparição de Vienna no filme que ela não é um donzela em apuros, nem uma femme fatale, ela é uma mulher forte, que usa calças no final do século XIX, e é dona de seu próprio bar, onde em breve passará por perto uma ferrovia, o que desperta o interesse da neurótica Emma, vivida por Mercedes McCambridge, e seu bando. Quando seu irmão é assassinado, Emma jura que quem o matou foi Dancin'Kid, um homem que não esconde sua atração por Vienna. Emma quer vê-lo enforcado pelo crime que teoricamente cometeu. No meio dessa confusão chega em seu cavalo o tocador de viola Johnny Guitar, antigo amante de Vienna.
O que de fato se passa é que Emma, está apaixonada por Dancin'Kid, e como ele não corresponde ela prefere vê-lo morto, e como ele dirige seu desejo para Vienna, ela também não é muito fã da dona do bar. No excelente documentário "The Celluloid Closet", é levantado a plausível possibilidade de Emma ser apaixonada por Vienna, e na verdade ter ciúmes de Dancin´Kid, e desejar enforcar Vienna para que o amor que não pode ser dela não seja de mais ninguém. De fato é claramente notada a tentativa de masculinização das personagens femininas, sobre tudo de Vienna, que só usa vestido numa parte do filme. Ambas usam cabelo curto, e vivem cercadas pelos homens e como de costume em Hollywood, os homossexuais morrem no final. Intencional ou não, fica a questão para ser pensada.
Essa característica, da trama rodar em torno das mulheres, e não dos homens, como em praticamente todos os westerns que chama a atenção no filme. Na verdade o filme podia muito bem se chamar Vienna, mas talvez este não seja um nome ideal para um western.
Joan Crawford tem algo único, mesmo com as acusações de maus tratos com a filha, obsessão, retratados no quase trash "Mamãezinha Querida",ela está no meu panteão de estrelas de cinema. Não atua de maneira realista, ela não dá escândalos, fala pausadamente, tem a voz calma. Seu trunfo são as sobrancelhas e a boca. E que olhos ela tem. Não é o primeiro papel de mulher independente e empreendedora que ela faz, ela já tinha interpretado Mildred Pierce, dona de um império de frango frito, na década de quarenta. Independentes ou não, as mulheres destes filmes dificilmente sairão imunes aos homens, carregam suas marcas, pesadas, e talvez, como Vienna, ainda tenham a chance de ter um companheiro outra vez. Mulheres, homens, mesmo independentes, vanguardistas, únicos, precisam de outros homens, ou outras mulheres.
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PAI E FILHA (Banshun, 1949), por Rodrigo Vasconcellos
O filme retrata um pai viúvo, Shukichi (Chishu Ryu), que mora com sua filha, Noriko (Setsuko Hara). Eles vivem uma vida tranqüila e harmoniosa, no entanto, ela já tem 27 anos e, por conta das tradições japonesas da época, preocupa as pessoas ao seu redor, mais enfaticamente sua tia e uma amiga, por não ter se casado ainda. Mulheres solteiras a essa idade eram vista com desprezo e desrespeito no Japão pós-guerra. Apesar de nesse momento o país estar sofrendo uma grande abertura cultural - Ozu faz questão de nos mostrar isso ao focar numa placa da Coca-cola durante uma estrada, ou ao uma amiga de Noriko comparar um possível pretendente a Gary Cooper -.
O renomado Yasujiro Ozu, diretor do filme, cria uma obra incrível, retratando grande carga emocional com uma sutileza inigualável. Os planos fixos introduzidos por ele conferem ao filme um ar tranqüilo e sublime, de compreensão geral e, muitas vezes, tensões fortíssimas, mas colocadas de um jeito que não parecem tanto conflitos, por haver sempre uma preocupação maior com o outro do que consigo mesmo. Há uma predominância de uma câmera relativamente baixa. Esses planos é que, em minha opinião, dão ao filme todo esse ar sublime. O espectador vai sendo conduzido por um riacho de sentimentos, bem claros, bem explícitos, muitas vezes não ditos, mas muito presentes durante a narrativa. A narrativa em si é muito verdadeira e aberta, isso no sentido de que os personagens são muito honestos um para com os outros. A dificuldade aí é em lidar com as próprias vontades, com os próprios sentimentos, sempre se faz presente à preocupação para com o outro, sendo as amigas e a tia preocupadas com Noriko, ou ela mesma preocupada com o pai. Ou até, os sacrifícios do pai para que filha siga com sua vida, não ficando presa a ele.
Caminhando para uma análise psicanalítica da história observa-se um forte complexo de Édipo, tendo em vista que pai e filha vivem juntos, sós, e ela assume o papel de dona de casa, arrumando tudo para a chegada de seu querido pai. Claramente um papel exercido pela esposa, na época. Obviamente, ela não consegue entender essa relação complexada e se dá por satisfeita com sua vida, dizendo-se extremamente feliz. Por influencia da tia, que lhe “abre os olhos”, Shukichi passa entender que é necessário que a filha se case, que ela tem de viver uma vida plena e completa, não podendo ficar presa a ele, como se fosse sua esposa. Passa então a, delicadamente, tentar mostrá-la isso. Porém, pra ela é inaceitável, argumenta que ele precisa dela e que não conseguiria viver só. Vendo-se sem forças para convencê-la, Shukichi, insinua que pretende, ele mesmo, casar-se mais uma vez, o que não era comum, e a filha, sentindo-se agredida, a princípio não consegue lidar com isso, assume uma postura conservadora, mas isso se dá não por ela ser, de fato, conservadora, sim como o motivo racional encontrado por ela para ser contra o casamento.
Nesse momento da trama há uma cena em que os dois vão a uma peça de teatro Nô, onde eles vêem a suposta futura mulher dele, a peça também tem relativa semelhança com a situação que estão passando. Noriko chora silenciosamente no teatro. A partir daí, por mais que a contragosto, sua posição em relação ao casamento muda, antes não gostava nem sequer de conversar, as pessoas vinham tentar convencê-la e ela se revoltava, agora ela diz aceitar se casar com o pretendente sugerido por sua tia. Por fim, ela se casa e o filme termina com uma cena do pai, solitário após o casamento da filha, descascando uma maça e chorando. Há um corte e vai para um plano do oceano, as ondas deslocando-se fortemente em direção a praia.
A trilha sonora também é fantástica, acompanha o estilo dos planos de Ozu, tranqüila, sem histeria, diria que lírica. Trazendo consigo forte carga dramática em meio aos planos fixos ou, em outros momentos, representando uma felicidade plena, como na cena do passeio de bicicleta.
É uma narrativa bastante simples, sem muitos rodeios, personagens universais, mesmo que retratando uma relação tão íntima como essa de pai e filha que, inclusive, retrata magistralmente.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
"Nana", por Carolina Villa Costa
O filme “Nana” de Jean Renoir data de 1926, e foi o seu segundo longa-metragem. Foi inspirado em um romance do escritor francês Émile Zola. Sua produção foi considerada uma das mais caras da França para a época. Contudo, não ouve retorno financeiro, pois o filme não agradou tanto aos espectadores quanto aos críticos, que o considerou uma obra-prima.
A história se passa em 1869 e fala sobre uma atriz, sem talento, da margem social parisiense que busca subir na vida, e para isso procura se envolver com homens ricos. Nana (Catherine Hessling) se envolve com o Conde Muffat (Werner Krauss) acreditando assim que chegará ao patamar social que deseja. Ela se torna uma cortesã, envolvendo-se com outro conde, Vandeuvres (Jean Angelo), e também com o sobrinho deste, Georges Hugon (Raymond Guérin-Catelain). Prejudicando e manipulando a vida de todos os três, e tirando deles o máximo proveito. Entretanto, ocorre uma inversão, e quem muda de classe social é o Conde Muffat, aquele a qual ela foi mais “fiel”.
A personagem de Catherine Hessling parece, em seus movimentos e expressões, com uma adolescente, ou até mesmo uma criança. Isso soa como uma dissimulação da personagem para conquistar admiradores. Ela se apresenta com movimentos sutis e graciosos, chegando até parecerem ingênuos e infantis. Essa característica é acentuada pela sua maquiagem, que realça os lábios e os olhos da atriz. Acredito que com esse teor de “ninfeta” Nana lembra outra personagem de outro romance, Lolita de Vladimir Nabokov. Ambas com um poder ingênuo de atração. Ao longo da trama Nana se mostra extremamente arrogante, dissimulada e interesseira.
As expressões faciais dos atores são bem fortes e realçadas pela maquiagem, porém não são tão exacerbadas como nos filmes do Expressionismo Alemão, mas ainda sim apresentam certo exagero. O verdadeiro exagero do filme talvez esteja nos figurinos, em especial os femininos, que apresentam vestidos com longas caudas, e detalhes peculiares como estampas e brilhos. Esse detalhe de vestuário se destaca bastante na personagem principal Nana, fato que pode ser interpretado como uma apologia a sua aspiração social. É possível notar a mudança de suas vestes quando ela se torna cortesã, antes quando era apenas uma pobre atriz tinha o sapato com o salto quebrado (momento frisado por Renoir), depois ela aparece com sapatos novos. Com relação aos homens, temos a forte presença do xadrez.
Um fato curioso do filme é a relação de cumplicidade que é estabelecida entre um dos personagens, o Conde Vandeuvres, e o próprio espectador. Há momentos em que este personagem interage diretamente com a câmera, através de olhares e gestos, sempre em situações em que ele se encontra como mero observador, assim como nós espectadores. Como se estivesse assistindo a cena conosco. Porém isso é perdido depois que Vandeuvres se apaixona por Nana.
O longa apresenta as temáticas de traição, ganância e sensualidade de uma forma um pouco mais descontraída. Apesar do drama vivido pelos personagens encontramos uma leve comicidade na forma como ela é transmitida. Podendo ocorrer que tal comicidade não fora proposital.
Encontramos personagens subjetivos, mas que tinham forte conotação para a trama como os amigos do grupo de teatro de Nana, que representavam a boemia parisiense; o diretor do teatro, Bordenave (Pierre Lestringuez) que vivia incitando a ganância de Nana; e a Condessa Sabine Muffat (Jacqueline Forzane), que cansada dos escândalos do marido, e de seu descaso para com ela, resolve fugir com seu mordomo, Fauchery (Claude Autant-Lara), acrescentando um teor feminista.
Jean Renoir mostra um talento o qual não esperaria de alguém em seu segundo longa. “Nana” peca em alguns aspectos, como nos planos que se assemelham a um palco de teatro, mas se sobressai em outros, como a forma como se trabalha a profundidade dos planos.
"festim diabólico", por Marco Aurélio Leal
O mestre do suspense Alfred Hitchcock, fez diversos filmes fabulosos que nos prendem a cada cena. Um dos seus melhores é Festim Diabólico, onde ele não nos assusta com fantasmas ou seres de outro mundo, e sim com o que existe de mal no ser humano. Foi baseado em fatos reais, no caso Leopold-Loeb, em que dois estudantes da Universidade de Chicago cometeram o assassinato de um jovem de 14 anos de forma bem parecida com a mostrada no filme. Seu primeiro longa colorido inspirado na peça teatral de Patrick Hamilton. E um dos melhores exemplos de um falso plano-sequencia, foi filmado em apenas 10 tomadas de oito minutos cada uma. Oito minutos de filme, para a época, era o máximo que um rolo de filme podia suportar. Boa parte dos cortes presentes entre essas tomadas são imperceptíveis (o que torna a técnica do filme ainda mais genial).
Dois jovens Brandon Shaw (John Dall) e Phillip Morgan (Farley Granger), jovens ligados não explicitamente em um caso homossexual, decidem matar David Kentley para provar para si mesmos que podem cometer um crime perfeito. Brandon é mais sádico e controlado, Phillip se apresenta mais humano e, por consequência, assustado com tudo aquilo. Essa diferença de temperamento vai ser crucial para o desenrolar da trama. A história se mostra mais monstruosa quando parentes, e inclusive a noiva de David são convidados a jantar no apartamento onde aconteceu o crime. O corpo foi escondido dentro de um baú, por ideia de Brandon o jantar será servido em cima dele.
A tensão do filme consiste na possível descoberta do cadáver de David, essa tensão aumenta gradativamente no filme a partir do momento que Brandon começa a soltar indiretas sobre o crime que ele e Phillip realizaram. Pontuando a cena com a corda e o livro e a cena em que Janet (Joan Chandler) comenta que David poderia surpreendê-la e Brandon fala que seria “um choque” com um extremo ar de cinismo. Quando o espectador acha que os assassinos não serão desmascarados eles são descobertos por fim pelo professor Rupert Cadell (James Stewart), que nota pouco a pouco o que aconteceu antes da chegada dos convidados, ele é na verdade o grande “culpado” da historia. Suas opiniões interpretadas de forma errônea dentro da classe acabaram motivando o crime. O filme termina com uma cena genial, com Phillip desolado no piano, Brandon tomando uma bebida tranquilamente e Rupert sentado, aguardando a chegada da polícia.
A busca pelo assassinato perfeito que foi buscada em tantos filmes é muito pouco para definir Festim Diabólico, se trata de um filme aparentemente limitado pelo único cenário e claustrofóbico. Revela-se, entretanto um filme extremamente dinâmico, com uma profundidade psicológica única em cada personagem. Roteiro magnífico, técnica original, atores em interpretações impecáveis, entre outros fatores, resultam em uma obra-prima de um dos mais geniais diretores de todos os tempos.
"A grande ilusão", por Angélica de Vasconcelos Ribeiro de Santana
O filme A Grande Ilusão (La Grand Illusion) de 1937 é um dos mais importantes filmes franceses da história por abordar a Primeira Guerra Mundial quando ainda era conhecida como A Grande Guerra. A Europa se encontrava na iminência de mais um colapso graças às ameaças nazistas, e nesse contexto, Jean Renoir, sendo ele mesmo um antigo combatente, emerge como um pacifista. Esse filme desperta diversos questionamentos no público ao mostrar os diferentes olhares de soldados franceses numa prisão alemã.
A obra trata da guerra com grande delicadeza e, simultaneamente, com muita profundidade temática. Consegue ser antiguerra sem que o próprio combate seja o seu cenário. Portanto o foco narrativo são os personagens, suas trajetórias, individualidades e seus conceitos a respeito da guerra, mas uma coisa todos têm em comum, a certeza de que a guerra acabará logo.
Dentre os vários personagens vale destacar aqueles que representavam as antigas maneiras em comparação com a nova geração de soldados, o capitão francês Boieldieu e o comandante alemão Rauffenstein, esse último é abordado com uma leveza bastante surpreendente tendo em vista o contexto em que a película estava sendo gravada.
Há ainda os dois que conseguem escapar, Marechal e Rosenthal, que provavelmente representam as demais classes envolvidas na guerra. Para reforçar o ponto de vista do autor, perto do fim do filme surge um romance inesperado, os personagens acima citados se hospedam na casa da alemã Elsa, que se apaixona e é correspondida por Marechal.
O objetivo principal do filme é mostrar que povos diferentes podem coexistir, ou que pelo menos essa ilusão possa continuar viva, acredito que daí tenha sido concebido o nome da obra.
Por fim destaco que o filme não tem nenhum vilão sequer em toda a sua narrativa, todos são homens, e não passam disso. A guerra é então composta de indivíduos que têm histórias particulares e ainda assim respondem por suas respectivas nações, porém nem isso tolhe o ser humano único e cheio de nuances que eles são.
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"Zero de conduite", por Cássia Maria Lira Rodrigues
Um filme dirigido por Jean Vigo que teve sua estreia em 7 de abril de 1933 porém foi proibido de ser exibido na França até 15 de fevereiro do ano de 1946 o filme é considerado uma obra prima e além disso é considerado um dos maiores filmes ficcionais libertários do século XX.
O filme é sobre experiências escolares de crianças que vivem em uma escola que tem o sistema repressivo, essas crianças “libertarias” e por que não dizer “endiabradas” realizam verdadeiros atos de rebelião e por vezes vandalismo com o intuito de mudar o método repressivo que lhe impõem os professores e gestores em geral.
Pouco tempo após voltarem de férias as crianças se sentem presas e proibidas de tudo começa daí uma série de “ataques” contra essa repressão de uma forma puramente infantil é contada uma historia que pode ser vista como revolucionaria o simples fato de não querer dormir na hora estipulada ou de tumultuar uma aula e atormentar os professores pode ser tido como uma reação ou melhor é sim tido como uma reação a um sistema impositivo os garotos podem ser visto como uma parcela da população que não esta disposta a aceitar imposições ou seja uma parcela da população que não foi alienada.
Devido ao discurso libertário e revolucionário que o filme traz em si, ele teve sua exibição proibida por 13 anos na França. Ainda assim não perdeu sua força e teve uma influência duradoura: François Truffaut em seu filme “Os incompreendidos” de 1959 presta uma homenagem a Zero de conduite praticamente copiando certas partes do filme.
O filme conta com cenas belíssimas. A que mais me encantou e que talvez seja uma das cenas mais importantes é a dos travesseiros, na qual os garotos são filmados em câmera lenta. Temos a impressão de ver soldados em batalha: as plumas dos travesseiros caem como neve e uma sensação de liberdade paira no ar. A tentativa do vigilante em conter as crianças falha e em seguida eles partem para a definitiva “guerra”: bombardeiam os gestores da escola de cima do telhado e partem, após o bombardeio, vitoriosos telhado acima.
"Show boat", por Heitor Dutra
"A natureza não é chamada para representação.A representação é só um faz de conta." A fala de Partheny, mãe da protagonista Magnolia, diz respeito a não só este filme, mas, a todos os musicais de estúdio dessa época. O artifício é encarado de maneira normal. Pra falar a verdade nem é encarado, ele simplesmente existe, e lá está, é nesse meio que as personagens vivem e não conhecem outro.Cenários pintados a mão, canções repentinas, que expressam o que a personagem gostaria de dizer quando as palavras sem a música seriam dificéis de engolir por quem assiste, esse é o mundo do músical, e ninguém fica imune, é o mundo do espetáculo, do show, e é esse mundo que Show Boat (1951) retrata.
O filme narra a história de uma trupe de artistas num barco de espetáculos que vai de cidade em cidade, no sul dos Estados Unidos do final do século XIX, o Cottom Blossom, seus amores, seus abandonos, suas fraquezas.Originalmente um musical de teatro, Show Boat, já tinha sido adaptado para o cinema duas vezes, em 1929 e em 1936.
"Você quer ser atriz porque isso torna tudo real." De fato, o "amor" precipitado de Magnolia e Gaylord, que jamais se passou por real, pelo menos pra mim,se mostraria mais tarde impulsivo, com o vício, e o abandono. Já no final do filme, ciente do fruto desse desejo fantasiado de amor eterno, Gaylord retorna aos braços de Magnolia. Mas a realidade as vezes nos engana, ou será a fantasia? Julie La Verne, interpretada por Ava Gardner, que tinha uma relação estável com o ator principal do Cottom Blossom, Stephen, se vê forçada a deixar o barco por ter sido acusada de ser mestiça, crime no local onde estavam ancorados, Julie foi denunciada pelo concorrente de Stephen ao posto de amante. O sangue do casal se mistura num pacto, assim os dois se vão, e o amor que tinha se mostrado forte, verdadeiro se revela amargo. Julie é abandonada por Stephen, e não consegue superar, se lançando de cabeça na bebida.
Pepa decide fumar um cigarro, acende o fósforo, se lembra da recomendação de não fumar, joga a caixa de fósforos na cama onde amou Ivan, um incêndio se inicia, Pepa olha impressionada, e ao mesmo tempo satisfeita para o leito em chamas. Até que a fumaça a faz voltar para a realidade e apagar o fogo. Almodóvar faz Carmem Maura em Mujeres al borde de un ataque de nervios, apagar o que sobrou de Ivan na casa, a cama que foi queimada, e a mala que será despachada. Julie não consegue ser como Pepa. O passado a prende, ela vê o Cottom Bottom ir embora com o casal que ela re-uniu, mostrando a Gaylord a foto de seu filho, mas fica no cais. Não navega mais, está presa à terra, assim como os homens e mulheres que catam algodão.
Show Boat me lembrou os finais de semana na casa de minha avó, no pé de uma ladeira em Cajueiro, a casa era rodeada por um jardim, o que deixava a luz filtrada, a casa mais escura. Lá eu assisti pela primeira vez A noviça rebelde, Cantando na Chuva, A Fantástica Fábrica de Chocolate. A cena onde Joe canta, na manhã, aquela neblina, só aumenta a certeza: Cinema, é vivência.
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O espelho de três faces – Jean Epstein, por Túlio Rodrigues
Com o fim da primeira guerra mundial e a partir de Louis Delluc (crítico e escritor) se inicia na França uma nova vanguarda: o impressionismo francês. Ligado a tal movimento, o poeta e cineasta Jean Epstein se torna um dos grandes nomes do cinema francês na época. Absorvido no ‘avant la lettre’ ou seja, um “cinema de autor”, em 1927, Epstein faz o filme mais inovador em relação a narrativa de todo esse período: ‘O espelho de três faces’ baseado no romance de Paul Morand.
O filme retrata três mulheres e a relação de cada com o personagem principal, o ‘homem’(René Ferté). Dividido em quatro partes, Epstein surpreendentemente quebra a narrativa do seu filme ao fazer com que as mulheres abordem sua relação com o ‘homem’ a partir de lembranças. É assim que todo o filme é construído, a partir de uma bela montagem paralela entre os momentos das mulheres com o ‘homem’ e suas recordações deles. Tal narrativa não-linear e até mesmo não cronológica só fez do filme uma obra-prima extremamente pensada e bem executada, a meu ver, tal ruptura deixou o filme ainda mais perto do espectador, podemos sentir aquelas lembranças e por alguns instantes, somos nós os verdadeiros interlocutores daquelas mulheres.
Na primeira parte, a história é de Pearl (Olga Day). É o ato mais confuso no filme, não fica claro exatamente onde ela conheceu o ‘homem’ e que tipo de relação eles tinham, mas fica evidente que ele não lhe dá toda a atenção devida. Os grandes destaques nesse primeiro momento são para as cenas iniciais em que Pearl ver o ‘homem’ na figura de outros homens ao seu redor, evidenciando a confusão que a personagem está sofrendo naquele momento. Tal recurso vai ser utilizado em tantos outros filmes, inclusive contemporâneos, com finalidade de mostrar um sentimento de tensão ou de saudade. Destaque também para a cena filmada dentro do elevador e para a descida de carro do prédio com arquitetura em espiral logo depois que o protagonista acaba seu relacionamento com Pearl. Nessa última fica evidente a relação que Epstein cria entre o sentido da imagem (de queda, tontura) e a narrativa (o fim do relacionamento).
Em seguida, é contada a história da escultora Athalia (Suzy Pierson). Nesse segundo momento as lembranças se tornam mais claras para o expectador. Quando Epstein intercala os planos das recordações com um close-up no rosto de Athalia, fica evidente que está ocorrendo um momento de paralelismo, uma cena está narrando a outra. Os destaques para essa parte se dão quando a escultora conhece o ‘homem’ no bosque. O travelling que é feito com a mulher perseguindo seu bichinho de estimação e em sequência do ‘homem’ montado no cavalo são de chamar a atenção devido ao cuidado em fazer esse plano em movimento: não há quebra de eixo ou tremulações; a música se tornando mais agitada na passagem do plano de Athalia para a do ‘homem’; além de close-up quase frontal do ‘homem’ em seu cavalo, tais detalhes só comprovam o cuidado com planos e enquadramentos que a vanguarda francesa buscava na época. No final da segunda parte, o ‘homem’ descarta a escultora dando início ao terceiro e melhor momento do filme.
Lucie (Jeanne Helbling) é a última mulher a ser apresentada na narrativa. A sua simplicidade já é o primeiro obstáculo na relação dos dois. Meu primeiro contentamento nessa parte se dá logo no início em que Epstein com cortes mais rápidos, faz uma montagem realmente incrível numa sequência de trás para frente, em que vemos o que aconteceu em uma noite entre Lucie e o ‘homem’ de uma maneira bastante original. Tal originalidade, aliás, me parece ser, sem dúvidas, a característica predominante de todo o filme. Nesse terceiro momento, mais destaques podem ser identificados: o super close-up na mão de Lucie, evidenciando sua “pobreza”; o belíssimo giro de 360° feito na cena rio; e os olhares entre o ‘homem’ e Lucie quando ela tenta consertar sua falta de refinamento pegando uma xícara observada com um ar de reprovação do seu acompanhante.
Na última parte do filme, o ‘homem’ protagoniza sozinho. Ele escreve uma carta para Lucie querendo vê-la. A partir daí a subjetividade do impressionismo francês pode ser observada ao ser mostrado pássaros que se encontram, retomando a ideia de casal. No final, Epstein nos banha com a melhor sequência do filme. Desde quando o personagem principal começa a dirigir seu carro em alta velocidade e em cortes rápidos podemos ver placas de atenção e perigo intercaladas com ângulos frontais e superiores do ‘homem’, além de uma música que obedece a tal ritmo acelerado, nos fazem levar ao ponto máximo de tensão: a morte do protagonista que é reforçada pela imagem estática dele morto sobreposta a outra imagem em movimento indo em direção ao céu. Nessa cena fica evidente a relação minuciosa que o cineasta francês trás em todo o filme, da narrativa conversando com a imagem e vice-versa.
Assim, a película acaba, mas a inovação e sua liberdade de experimentação com certeza ficam. Jean Epstein me surpreendeu ao fragmentar sua narrativa, o filme não apresenta certa linearidade, não podemos afirmar se cada relato aconteceu naquela ordem, ou seja, ele também quebra com a cronologia do filme. Mesmo assim, ele conseguiu passar com clareza o seu enredo inclusive sem uso de tantos letreiros, conseguindo um ponto de sintonia entre imagem e narrativa. Isso é o que deixa o cinema de Epstein ainda mais excitante de ser visto, analisado e seguido.
A Regra do Jogo (La règle du jeu), 1939, de Jean Renoir, por Débora Bittencourt
“O que é natural nos dias de hoje?” Citada por Christine ao se referir à mera cor de um batom, essa e tantas outras frases compõem diálogos ricos em um humor irônico que é marca central do filme. É assim, sarcasticamente, que, setenta e dois anos depois, ao assistirmos a “A regra do Jogo”, não podemos deixar de nos sentir provocados. Em uma intrincada história de amores e traições, o filme traz à tona a decadência das relações pessoais em um mundo onde impera o tédio e a mentira.
Os sentimentos e inquietações são os mesmos que regem patrões e empregados que se encontram na mansão de veraneio de Robert de La Chasney, marido de Christine, onde convidam amigos para uma temporada de divertimento. A diferença se dá nas válvulas de escape dos diferentes grupos. Enquanto Lisette, parece satisfeita em meio ao dislumbre da riqueza de sua patroa Christine e em furtivos casos, La Chasney e seus amigos estão mais preocupados com seus problemas pessoais. Aliás, parecem não pensar em nada além de seus pequenos dramas e dos outros, apesar de tratá-los com uma aparente indiferença, como cita Geneviève, amante de La Chasney, num tom bem humorado: “O amor na sociedade é a troca de duas fantasias e o contato de duas epidermes.”
Os homens agem mais inocentemente, fazendo o que lhes dá na telha, às vezes até com ressentimento por magoar um próximo, enquanto os personagens femininos são mais mentirosos, manipulando as situações a seu favor, como faz Christine ao aliar-se à Geneviève afim de que seu marido a deixe um pouco de lado. Ao mesmo tempo parecem extremamente desprotegidas, dependentes dos homens. Talvez hoje esse estereótipo da mulher maliciosa e frágil seja comum e até um pouco ultrapassado, mas essa ambigüidade, presente em quase todos os personagens traz algo novo para época e interessante até hoje: não há mocinhas, vilões, não há heróis nesse filme. Essa é mais uma característica do realismo que vinha surgindo nesse momento, denominado por alguns teóricos como realismo poético, como explica Ismail Xavier:
“O novo estilo é extremamente “democrático”, dando liberdade de escolha ao espectador e formulando um convite à sua participação ativa, dado que de sua vontade depende o fato da imagem ter um sentido. Da parte do diretor, tal estilo testemunha uma elogiável humildade, dado que o respeito à liberdade do espectador articula-se com a renúncia do sujeito a “subjetivar” a realidade (impondo um significado às coisas) e sua alta compreensão do que é “objetividade” que no fundo consiste no respeito à ambigüidade imanente do real.”
Há cenas um pouco burlescas, como a perseguição entre empregados que os convidados acreditam ser mais um número teatral (mais uma vez a confusão pela traição de uma mulher) onde apesar de usar de um humor quase paspalhão, é explicitada essa “ambiguidade imanente do real”. Quando Jurieu, o único que parece jogar com sinceridade morre assassinado, todos sabem lidar com a situação com muita elegância, supondo um acidente. E assim deve ser: mesmo que todos saibam a verdade, não custa fingir acreditar em uma mentira, afinal, como diz Christine: “Pessoas sinceras são tão enfadonhas!”
Nas cenas iniciais Jurieu, que expõe seus sentimentos à imprensa (sendo admoestado por isso) se encontra num local demasiado escuro. Em sequência, o restante dos personagens, que vivem de certa forma ocultos por seus segredos, lhe escuta em ambientes muito claros. Esse é talvez o primeiro choque do filme, repleto de paradoxos e associações, de verdades e mentiras, de teatro e realidade, de brincadeiras e conflitos. Renoir afirmou ter o propósito de relatar com fidelidade a sociedade da sua época. Talvez ele não soubesse, mas “A Regra do Jogo”, nos convida a pensar não só o contexto parisiense dos anos pré-guerra, como nos traz impasses inegavelmente contemporâneos situados na insatisfação humana, nas tentativas de saciedade, no desespero que o tédio acaba gerando, situações belissimamente expressas pelos contrastes marcantes do filme.
“Sempre Teremos Paris” – Casablanca (1942) – Michael Curtiz, por Jonathan Wolpert
Sem dúvidas, um dos melhores filmes de todos os tempos, se não, o melhor de todos os filmes já produzidos por Hollywood. Feito pela Warner, dirigido pelo Michael Curtiz e com um elenco de peso, o filme conquistou o Oscar de melhor filme, em 1943, e até hoje arranca suspiro dos espectadores toda vez que é exibido em canais como o TCM ou na própria televisão aberta. Considerado o “queridinho” dos filmes estadunidenses, seu roteiro é baseado na peça teatral de Murray Burnett e Joan Allison.
O filme começa contando a história das pessoas que vivem, ou melhor, esperam em Casablanca (localizada no Marrocos, governado pela França de Vichy) para poderem ir para Lisboa, único caminho “possível” para a América. Um dos pontos mais importantes da cidade é o bar Rick’s comandado pelo Rick Blaine (Humphrey Bogart) que, de primeira, dá a impressão de ser um rico extremamente metido e amargo (o que é verdade, até certo ponto), que não dá a mínima para a política e tenta manter seu bar como um lugar neutro, freqüentado por alemães, franceses e americanos. Rick mantém uma amizade com o Capitão Renault (Claude Rains), que freqüenta o lugar pois tem prioridade nos jogos de azar.
A trama do filme começa quando um ladrão é preso no bar, esse ladrão entrega a Rick duas cartas que liberam as pessoas que assinarem a irem para Lisboa (no filme, chamadas de Letter Of Transit). Essas cartas se tornam necessárias para o Victor Laszlo (Paul Henreid) e Ilsa Lund Laszlo (Ingrid Bergman), ex-amante de Rick. A partir desse momento, podemos entender mais sobre a história de Rick e Ilsa, com um flashback do romance deles em Paris, embalado pela música “As Time Goes By” interpretada por Sam (Dooley Wilson), e o momento em que Ilsa não vai encontrar Rick na estação para fugir de Paris, que está sendo ocupada pelos Nazistas, deixando apenas um bilhete entregue por Sam.
Victor é intimidado pelo Renault e pelo Strasser (Conrad Vieidt) e precisa pensar em um modo de ir embora de Casablanca para a América. Após esse acontecimento, Ilsa conta para Rick que era casada com Victor (ao qual ela pensou que estava morto, após ter sido enviado para um campo de concentração), na época que eles tiveram um caso em Paris.
Rick se mostra totalmente sentimental quando ajuda um jovem casal a conseguir dinheiro para irem a América, o que nos faz pensar que o filme realmente mostra um apoio ao American Dream e a cultura americana. Victor oferece muito dinheiro a Rick pelas Letters Of Transit, que nega o pedido, e logo pede para Victor perguntar as Ilsa o motivo que ele não vai dar as cartas.
Podemos presenciar um momento histórico em que vemos os hinos da Alemanha e o hino de Paris sendo cantados ao mesmo tempo no bar, prevalecendo o hino de Paris, enquanto os nazistas se calam. Após Victor chegar de uma reunião da resistência, Ilsa vai visitar Rick e pede as cartas, chegando ao seu limite, ameaçando matar Rick com uma arma, mas ela acaba desistindo e admite (o que é algo de muita dúvida no filme, não sabemos se é verdade ou mentira, mesmo no final do filme o próprio Rick dizer que o que ela falou não passa de uma mentira para conseguir as cartas) que ama a Rick.
Rick se encontra com Victor, que o pede uma carta apenas para Ilsa, pois ele a quer ver feliz, logo, Rick se encontra com o Capitão Renault e avisa que vai partir de Casablanca com Ilsa no último vôo da noite e para isso Rick arma uma emboscada para que Victor seja preso, quando na verdade ele tem outros planos. Ele força o Capitão Renault a mandar Victor e Ilsa para Lisboa, e só conta tudo isso para Ilsa no aeroporto, no momento que ele diz a frase clássica do filme: “Sempre Teremos Paris”.
Rick acaba atirando no Major Strasser, que tenta impedir o vôo, mas o Capitão Renault o ajuda a “sair impune” por um momento, e os dois acabam caminhando juntos, na última cena do filme, supondo que seria o início de uma bela amizade.
O filme é um dos mais famosos filmes de todos os tempos feitos pela Warner, indicado a 8 Oscars em que venceu 3 (Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro), e além de tudo, foi um divisor de água para as carreiras de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman.
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Grande Hotel, por Ghita Galvão
“I want to be alone” (Eu quero ficar sozinha) Frase dita no filme pela personagem de Greta Garbo, a bailarina Grusinskaya, que ficou conhecida como a marca da atriz por ela ser muito reservada, comparecer pouco aos eventos sociais e ser solitária, apesar de ter sido, eleita como a quinta maior lenda do cinema, pelo Instituto Americano de Cinema.
É com Greta Garbo e mais sete estrelas de Hollywood que o filme Grande Hotel é realizado, o primeiro “all-star” dono de outra frase importante dita pelo Dr. Otternschlag, personagem de outro ator famoso Lewis Stone, no início e no final do filme: “Grande Hotel. Pessoas vêm. Pessoas vão. Nada nunca acontece.”. Que é vista como contraditória e se explica no decorrer do filme.
Grande Hotel ganhou o Oscar de melhor filme em 1832 e não concorreu a nenhum outro no ano, é considerado um clássico comercial, preocupado mais com a quantidade de famosos que com a trama. Rodado ainda no início dos filmes sonoros, a interpretação dos atores se utiliza muito do corpo, pois no cinema mudo era necessária uma maior gesticulação para um melhor entendimento, lembrando também o teatro, com a impostação da voz. A fotografia, a trilha sonora, o cenário e a iluminação são elementos que chamam muita atenção, pois estão todos ligados ao luxo e ostentação do Hotel, onde se passa toda a trama, mostrando-o por dentro e por fora, com suas escadarias e elementos de cena luxuosos, como também dos personagens com sua vestimenta e requinte.
As tramas do filme começam separadas se unem em seu decorrer, por um único fio que é o Grande Hotel. Cada uma, vivida por um grande astro do cinema, algumas são mais desenvolvidas que outras, mas seu conjunto foi o que tornou o filme um sucesso de bilheteria. Foi também o precursor dos “filmes-painéis”, onde os personagens são apresentados inicialmente para melhor entendimento do espectador. Com cenas sensuais para a época e com um final surpreendente que rompeu com a trama linear.
O drama tem direção de Edmund Goulding, é baseado no romance Menschen im Hotel de Vicki Baum e na peça teatral Grand Hotel de William A. Drake, que escreveram o roteiro deste clássico da Grande Depressão. Esta que marcou a sociedade da época, tendo início em 1929, com a queda das ações na bolsa de Nova Iorque, causou inflações, quedas em vendas e grande desemprego, foi sentida em todo o mundo, menos na União Soviética, na época ainda socialista e só teve fim com o início da Segunda Guerra Mundial, por tanto, influenciou também na verba para a produção de filmes. Porém a MGM, produtora de Grande Hotel, teve sua época mais rentável justamente no período da Depressão, sendo, no entanto, um perigo fazer um filme tão luxuoso e com tantas estrelas, sem saber a situação dos que iam pagar a bilheteria deste, que se fez bastante rentável.
No contexto dos personagens, podemos fazer uma análise psicológica e até social do filme, que é permeado por conflitos pessoais, trocando elementos com os sociais, passando-se na Alemanha do entre guerras, em um luxuoso hotel, onde só uma parcela da sociedade poderia pagar pela estada, temos personagens como o senhor Otto Kringelein vivido por Lionel Barrymore que é pobre, mas, por estar doente em estado terminal decide passar os seus últimos dias no hotel, onde lhe fornecem um quarto mais barato o qual é recusado pelo mesmo, que tem economias da vida toda e pretende viver com luxo antes de morrer. Além deste personagem, como exemplo, temos o de Joan Crawford com a senhorita Flaemmchen, que vai ao hotel por ter sido contratada como taquígrafa, pelo rico e presunçoso empresário, Preysing vivido por Wallace Beery, afirma só fazer uma refeição por dia, pois não tem dinheiro para mais, porém aceitar ser a “secretária” do empresário Preysing, para conseguir um quarto no hotel e uma posterior viagem com ele.
Percebemos aí que estes personagens, apesar de pobres, se submetem a muita coisa para usufruir do luxo em uma Berlim do entre guerras, mostrado os ideais capitalistas da sociedade, apesar da Grande Depressão. Vê-se conflito entre patrão e empregado, pois, o senhor Otto Kringelein trabalhou na empresa de Preysing, o qual não tinha idéia de quem era este, discutindo no filme pela senhorita Flaemmchen e levando o assunto para o lado do conflito de classe.
Existem também os clichês, como o da mocinha, a bailarina Grusinskaya – a qual vive conflitos pessoais - que se apaixona pelo mau caráter, lembrando, talvez, os filmes Western com a mocinha boa e comedida e o herói violento, o Baron Felix Von Geigern vivido por John Barrymore, mas agora de outra forma, onde ele é um mau caráter não violento, procurando a melhoria em detrimento do próximo, roubando os mais ricos, mas, sempre pensando nas boas pessoas. É morto pelo, esse sim, violento empresário Preysing, disposto a tudo por dinheiro, quando pega-o roubando.
Por fim, a ultima trama tratada é a de Senf, personagem de Jean Hersholt, que espera o nascimento do filho, só acontecido no final. Logo seguido da frase do Dr. Otternschlag: “Grande Hotel. Pessoas vêm. Pessoas vão. Nada nunca acontece.”, que pode ser interpretada como uma metáfora do mundo, onde tudo acontece o tempo todo e ao mesmo tempo, mas continua tudo igual, nasce e morre gente todo dia, enchem-se as estatísticas, mas essas vidas só têm significado, realmente, para alguns.
Concluindo, como disse Walter Benjamin: “No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transformam ao mesmo tempo que seu modo de existência.”
"A paixão de Joana D'Arc", por Thierry da Silva Fernandes
A paixão de Joana d’Arc foi um dos primeiros filmes do cineasta dinamarquês Carl Th. Dreyer. Contratado para dirigir o longa-metragem por uma produtora francesa em 1928 é o filme mais conhecido dele, que é o considerado o maior cineasta dinamarquês, com filmes como A Palavra, Dias de Ira e Vampiro.
O filme narra os martírios vividos por Joana d’Arc durante o seu julgamento. Considerada uma herege, por afirmar ser enviada de Deus para salvar a frança dos ingleses, Joana é considerada serva do demônio e constantemente obrigada a renegar as visões que tivera pelos júris.
O filme de Dreyer é impressionante, porque não dizer fabuloso. A maestria como ele conduz o enredo nos prende de uma forma que poucos filmes atuais conseguem. A força expressa nas imagens transpassadas na tela tem uma beleza visual inquestionável.
Priorizando sempre os planos fechados e os close-ups, Dreyer aposta claramente na interpretação dos atores. Durante todo o filme, raros planos abertos são vistos, mesmo em cenas como a condenação de Joana em que várias pessoas participam, Dreyer prefere focalizar os rostos dos habitantes que presenciam o momento com closes e não planos abertos como é de se esperar. Os rostos que tomam conta dos planos criam uma expectativa que nos liga ao sofrimento da personagem principal.
Falconetti é um show a parte, com a câmera focada em seu rosto na maior parte do filme, ela nos impressiona com sua interpretação, a dramaticidade imposta pelo seu olhar penetrante é suficiente para percebermos o sofrimento da personagem de tal forma, que chegamos a esquecer que o filme é mudo, mergulhando de cabeça nos seus dramas, como se pudéssemos escutar sua dor.
O termo paixão é bastante interessante. Sabendo que Dreyer era de uma família extremamente conservadora e católica, é visível sua visão religiosa no filme na cena em que Joana tem nas mãos uma espécie de coroa, remetendo diretamente o julgamento de Joana à paixão de Cristo, daí o nome “A paixão de Joana d’Arc”. Fazendo ainda uma alusão mais profunda quando os soldados arrancam a coroa dela e satirizam-na coroando-a como uma rainha enviada de Deus.
A paixão de Joana d’Arc mostra a força que o ator tem através da imagem cinematográfica, e a grandeza de um trabalho minucioso de planos fechados para ressaltar esta força. Ele transforma algo distante em próximo, tão próximo que chegamos a fazer parte dele. Mérito de Dreyer que percebeu tal importância e colocou-a na tela. Mostrando também que o cinema não é feito apenas de técnica, mas por pessoas que dão vida a esta técnica.
"A felicidade não se compra", por Mirella Britto
Um filme de mais de meio século, dirigido por Frank Capra em 1946 e baseado no conto “The Greatest Gift”, de Philip Van Doren Stern, “A felicidade não se compra” continua ainda hoje em quase todas as listas de melhores filmes do cinema e é um dos mais assistidos no natal em muitos países.
George Bailey (James Stewart) parece estar em apuros, pois chegam aos céus as orações de muitos de seus amigos e familiares. Deus resolve mandar um anjo à terra para ajudá-lo, dando início a um dos maiores flashbacks da história do cinema. Nós e o anjo passamos a conhecer a vida de George e ter a certeza de sua bondade. Essa grande certeza vai sendo tecida por pequenos detalhes, mostrando como coisas sem importância do dia-a-dia vão construindo o destino de todos. Contudo, o que está diante de nós é um homem em desespero pela possibilidade de perder tudo que construiu ao longo de sua vida: sua firma, sua família, sua honra. Em tal situação, ele só consegue ver uma saída: morrer. É aí que entra em ação o anjo Clarence, que além de evitar a morte de seu protegido, pretende lhe tirar a idéia de que ele vale mais morto do que vivo.
O anjo da guarda realiza seu trabalho colocando George diante de um futuro alternativo, uma espécie de realidade paralela, onde é possível ver como seria o mundo se ele nunca tivesse nascido. Temos aqui o fantástico nascimento de uma das poderosas mágicas do cinema: tornar concreto ‘o que poderia ter sido e que não foi’... Refletir sobre as possibilidades de cada ação nos coloca diante de uma grande angústia que não podemos suportar, precisamos de alguém, de um anjo! Nesse caso, o anjo é o próprio cinema que nos segura pela mão e nos leva com segurança por onde nossa mente temia flanar. De tão fantástica, esta ideia passa a ser recorrente no cinema, basta lembrar alguns filmes como “De volta para o futuro”, “Efeito Borboleta” e “Corra Lola, corra”. Todos estes seguem e desenvolvem a grande descoberta de Capra de que só o cinema tem o poder de descortinar as possibilidades de cada momento da vida; só o cinema (como um anjo) pode nos dar garantia de que sobreviveremos quando
começarmos a pensar ‘mas, e se’...
O filme “Click” (2006) de um outro Frank (Coraci) parece uma espécie de “remake moderninho” do nosso “A felicidade não se compra”, onde um suposto anjo traz um controle remoto e o personagem principal pode escolher os momentos que acha importantes e acelerar os chatos. O controle remoto dá o tom da diferença entre as épocas e faz o trabalho da imaginação. No final, parece que estamos diante da mesma percepção: o que realmente importa na vida são os pequenos momentos, as pequenas conquistas, amigos e principalmente a família. Mas, pensando em “Click”, o fascínio de “ A felicidade...” desponta. O primeiro é tão entediante quanto o tédio que seu personagem quer evitar, o tom de comédia tenta esconder sua superficialidade. Em “Click” não há grandes sentimentos, só aquele que nos leva a zapear. Assistir “Click” me deu a sensação de um déjàvu entediado, mas também revoltado, aquela revolta que sentimos quando nosso filme querido é pobremente imitado. A experiência do filme de Capra é completamente diferente porque nos coloca diante de um sentido profundo de humanidade e de bondade, um sentimento que parece deslocado de nossa época mas que ainda queremos e precisamos.
“A felicidade não se compra” não é um filme para o natal, é um filme para se assistir sempre, especialmente quando começamos a nos sentir contemporâneos dos ‘Clicks’ da vida.
"Gilda", por Maria Gabriela de Miranda Costa
Ao escolher o noir “Gilda”, já por seu nome ser também o da protagonista do filme, imaginei uma obra centrada em uma típica femme fatale. Esse estereótipo de mulher 'redentora' é o elemento mais forte e subversivo desse movimento e tem como características o fato de nunca falar de si, pois são misteriosas, e de não se prender a sentimentos e valores para atingir seus objetivos, os quais geralmente se convertem em uma busca insaciável, e sem limites, por prazer, dinheiro e liberdade. Nesse contexto, Gilda (Rita Hayworth) surpreende, pois surge como uma femme fatale mais humanizada; atraente, mas não perversa.
O filme me deixou a sensação de estar vendo uma história de amor num universo claramente noir, tanto no enredo como na técnica. Gilda usa de traição e sexualidade para conseguir o que quer, que, na verdade, é causar ciúmes e chamar a atenção de Johnny Farrell (Glenn Ford), amigo de seu marido Ballin Mudson (George Macready), que é dono de um cassino. Gilda e Johnny haviam sido amantes e separaram-se por razões nunca explicadas, bem como não se explica o ódio que sentem um pelo outro, o qual se converte, muitas vezes, em uma forte atração.
Gilda, ao mesmo tempo que declara: “se eu fosse uma fazenda, não teria cercas”, demonstrando a sua sede de liberdade; ela chega ao ponto de se declarar para Johnny, dizendo que o ama. Ela não é o tipo de femme fatale que anda com armas ou é capaz de cometer assassinato, como Diane, personagem de Jean Simmons no também noir “Angel Face”; no máximo um strip-tease cantando “Put the blame on mame”. Talvez então, não só por sua beleza e seus belos vestidos, mas também por seu lado livre e humano, é que todas as mulheres da época queriam se parecer com Gilda.
No entanto, sua força, sensualidade e segurança plena, eram ousados demais para a censura dos anos 40; a sociedade patriarcal da época pregava que a mulher só seria completamente feliz se estivesse sob a tutela de um marido e com filhos, e qualquer conduta ameaçadora a essas regras deveria ser punida. Gilda fuma, bebe, trai, se veste como quer, é debochada, irônica, atrevida, manipuladora e sensual demais; esses são seus 'crimes', e por eles é, de certa forma, punida. Ao se casar com Johnny Farrell, o homem que ama, ele a abandona como uma forma de vingança por algo que nós, espectadores, não sabemos o que é. Ela, então, desiludida, resolve sair do país, buscar uma vida nova, conhecer outras pessoas; mas é sempre perseguida por Johnny, o qual não quer que ela saia de suas amarras. Isso é castigo demais para Gilda, pois ela sempre foi uma mulher livre e passa a ser controlada e perseguida em qualquer lugar que vai, como uma criminosa. Fiquei me perguntando porque aquelas coisas estavam acontecendo (ela chega ao cúmulo de chorar e implorar para que ele a deixe em paz), e tive a resposta ao ver que o filme é de 1946.
Constatei, então, que a figura da femme fatale em alguns filmes noir, ao invés de ser subversivo, de questionamento das opressões do universo masculino, é, na verdade, uma 'fórmula' de como as mulheres da época não deveriam se comportar.
No mais, o filme cria uma atmosfera quase claustrofóbica, pois a maioria das cenas são em estúdio, e as poucas externas são à noite, em ruas escuras e desertas; além da fotografia extremamente contrastada, da iluminação low-key, com grande quantidade de sombras (como na cena em que Mudson ao perceber o envolvimento de sua mulher, Gilda, com Johnny, por vê-los chegando juntos, é totalmente encoberto por uma sombra) e de motivos iconográficos tipicamente noir, como a escada da casa de Ballin Mudson, a simbólica janela do cassino e os relógios, por exemplo. Isso sem falar do clima de sensualidade que permeia todos os segundos em que Rita Hayworth está em quadro; seja através de suas frases de duplo sentido, de suas luvas, do colo quase sempre nu, do jeito único de jogar os cabelos, além do inesquecível vestido preto de cetim.
Por fim, Gilda é uma personagem realmente inspiradora justamente por não ser uma típica femme fatale e por roubar a cena; esquecemos dos crimes, da ilegalidade do dinheiro dos cassinos, da narração em over de Johnny, que deveria ser o herói da história e é, na verdade, um solitário. Esquecemos do pessimismo característico dos noir e da representação da mulher nesse movimento. Só temos olhos para Gilda. Ah, e ela termina com Johnny Farrell, mas não sei bem se isso pode-se considerar um final feliz.
"Impressionismo francês", por Rodrigo Vasconcellos
O movimento surgiu em meio a uma crise cinematográfica ocorrida na Europa pós-guerra. Devido à Primeira Guerra Mundial as companhias de cinema viram-se obrigadas a diminuir suas produções e passaram a importar filmes dos Estados Unidos para suprir as demandas do mercado.
Por conta do sucesso do cinema americano, as produtoras francesas começaram a investir em alguns cineastas e suas ideias experimentais. Faziam-se donas dos direitos de exibição e distribuição e em troca, davam acesso à aparelhos e estúdios. Sendo assim, segundo Fernanda A.C Martins em História do Cinema Mundial, o cinema Impressionista era caracterizado por uma produção “semi-independente”.
Na época, cinema não era considerado como arte e seu público consistia, basicamente, nas classes mais desfavorecidas da sociedade. A camada burguesa dava valor ao teatro óperas, muito populares naquela altura. Foram, os impressionistas, de enorme importância para a consolidação cultural do cinema. Tomaram à frente em projetos que consistiam numa tentativa de “expansão de alcance”. Várias revistas foram criadas, críticas de cinema tornaram-se comuns, isso em busca de atingir a parte da sociedade letrada, ou seja, os burgueses. Nesses textos falava-se das peculiaridades cinematográficas, como o movimento, e incentivava-se o financiamento de filmes franceses. Salas especializadas se multiplicavam por Paris na década de 20. O cinema estava se popularizando.
A estética Impressionista quebrava com o convencional. A chamada “boa-fotografia” foi deixada de lado e, junto com uma montagem rápida e planos curtíssimos, surgia um tipo de cinema muito diferente. O diretor assumia também o papel de roteirista, o que dava uma maior liberdade de criação e de utilização de diversos fatores para construção da trama. Tido como um cinema onde a imagem era supervalorizada, utilizavam-se de vários artifícios técnicos que, naquele momento, não eram nada convencionais: deixavam imagens fora de foco, sobreposição, imagens deformadas. Um pouco mais na frente a montagem acelerada entra nesse leque de peculiaridades, junto com a justaposição de planos curtos. A mise-en-scène também foi inovadora, se tratando de iluminação e cenários modernos. Tudo isso era aplicado na formação subjetiva dos personagens e da trama, essa muitas vezes descontínua, isso no sentido de não seguir uma linha cronológica. Fernanda A.C Martins usa como exemplo uma cena do filme Eldorado (1921), de L’Herbier, em que a protagonista está com as amigas e só ela aparece fora de foco. Querendo demonstrar sua desatenção ao que se passava, pois estava preocupada com o filho.
Sendo assim, vê-se que o Impressionismo Francês foi deveras importante para o cinema moderno, onde foi responsável pela criação de diversos textos teóricos, inclusive, dar-se crédito a impressionistas franceses a criação da teoria cinematográfica (Ricciotto Canudo) e a crítica cinematográfica (Louis Delluc). Foi fundamental para a disseminação do cinema como arte, antes visto como “o irmão pobre do teatro”, restringia-se ao puro entretenimento. Com o impressionismo e seus escritos essa conscientização da sociedade letrada se deu de uma forma mais concisa e o cinema passou a ser visto com outros olhos – desfocados e deformados -.
Um pouco de Tourneur, por Matheus Cartaxo Domingues
Imaginemos como foi duro para o prisioneiro livre encarar seus companheiros de caverna e lhes dizer que as sombras vistas não passavam de ilusões. A dificuldade de convencer o outro, levantemos a hipótese, foi angustiante para o personagem do mito de Platão. Jacques Tourneur parece extrair disso a matéria sobre a qual ele trabalha na série dos seus três filmes produzidos por Val Lewton (Leopard Man, Cat People e I Walked With a Zombie). A realidade foi vislumbrada como que atrelada a um movimento muito maior do que o pensado e, portanto, há uma necessidade de encontrar formas possíveis de lidar com a incredulidade de seus interlocutores - até certo ponto, o equivalente a nós mesmos, os espectadores.
Como inserir o fantástico no real? Como fazê-los acreditar numa mulher que se metamorfoseia em pantera, ou na existência de um assassino que assume um corpo de leopardo? Como admitir a veracidade de rituais de vodu? Essas questões se puseram a Tourneur muito concretamente nas realizações dos filmes, pois, além da pobreza roterística do material que chegava até ele, sucederam-se poucos recursos, indumentárias e cenários limitados. Onde se poderia apenas flertar com os temas sem adensá-los, a criatividade espetacular de um artista driblou as dificuldades estruturais, extraiu o máximo de tudo.
Tourneur nos faz retornar à caverna de Platão: sua ousadia é materializar um mundo invisível para olhares viciados. A estratégia não é diferente da de Godard em Histoire(s) du Cinéma, série feita para a televisão: vencer no campo adversário - no caso, no das convicções. Louis Skorecki diz a respeito do cineasta: “Os limites e a ambição de Tourneur (...): ver (e dar a ver) o que não é, o que não somos, invertendo com este propósito o indispensável e o dispensável, modificando o curso das coisas, desejando mudar a vida. A imagem que ele nos propõe é, portanto, invertida, os elementos reunidos em proporções diferentes, o equilíbrio natural perturbado.”(1) O seu trabalho artesanal nos guia ao conhecimento do mundo, sem nos negar a surpresa diante de como ele se revela. Seu cinema, como o de outros grandes cineastas, foi buscado direto da fonte de onde jorra.
(1) Trois Tourneur, Cahiers du Cinéma nº 155, maio de 1964.
“A Paixão de Joana D’Arc” de Carl T. Dreyer, por Pedro Queiroz
Devido ao seu aspecto extremamente polêmico e crítico, tanto em relação à negligencia e ambigüidade da igreja, quanto à visão equivocada do próprio Estado Francês, o talvez mais conhecido filme de Carl Theodor Dreyer, A Paixão de Joana D’Arc (1928), foi não só proibido de ser distribuído e exibido, como teve seu negativo e as cópias de que se tinham notícia, queimadas. Dessa forma, durante mais de cinqüenta anos, não houve acesso à obra original, ou pelo menos a uma cópia parecida com isso. Até que milagrosamente, em 1981, uma cópia Dinamarquesa, muito fiel à primeira edição do filme, foi encontrada num hospício na Noruega. O filme conhecido pela grande maioria das pessoas – inclusive lançada pela coleção Criterion – é uma adapatção da Cinematèque Française dessa cópia. A trilha sonora oficial do filme não existe, tendo sido tocadas várias peças musicais durante sua apresentação ao longo das décadas. É sugerido pela própria Cinematèque, que seja executado em conjunto a peça Voices of Light, de Richard Einhorn, que se inspirou tanto na vida da heroína, quanto na visão de Dreyer acerca dela, para compô-la.
Confesso que não tive o interesse de procurar a música e ouvir enquanto assistia ao filme, mas felizmente não me arrependi: o filme não mostrou a mínima necessidade de uma trilha de fundo. Pelo contrário, a falta de música me deu a impressão de uma mensagem muito mais bem passada. Dizem que o silêncio foi um recurso apenas alcançado com o advento do cinema sonoro, uma vez que a ausência de som seria uma opção dos realizadores para configurar uma atmosfera mais densa, melancólica, bergmaniana avant la lettre, diria eu. Pois então, a falta de trilha sonora caiu com uma luva nesse filme, cuja tensão é levada ao máximo a todo momento.
O famoso tédio causado pela ausência de trilha em filmes mudos é mais facilmente sobrepujado aqui, graças a um aspecto levado muito a sério no filme: a montagem. De forma muito interessante, ela consegue – apesar do empecilho triste dos letreiros, que cortam a continuidade das atuações; e da falta de fala, que pode acabar retirando parte da possível dramaticidade de um filme – manter um diálogo rápido e relativamente complexo entre os personagens, contando com a ajuda constante do plano e contra-plano.
No entanto, essa agilidade nos diálogos não retira a densidade a qual me referi anteriormente. Os movimentos de câmera são utilizados no filme com maestria para justamente reforçar esse aspecto. É notável a facilidade do cineasta em lidar com a câmera, utilizando-a para causar emoções e sensações.
Uma cena interessantíssima é a em que um dos padres toma uma decisão com importância grande no destino de Joana, e conta ao padre ao seu lado. O segredo é passado de padre para padre, e a câmera acompanha em travelling esse ‘telefone-sem-fio’, como se fosse ela própria o segredo sendo disseminado pela sala.
A tirania e soberba dos padres são ressaltadas pelo contra-plongé; o drama sofrido pela protagonista é acentuado pelos close-ups em seus olhos esbugalhados, desesperados e súplices. O close, aliás, é uma grande marca registrada do filme, que não contém sequer um stablishing shot. Isto, é claro, causa uma confusão do espectador, que acostumado a ser sempre bem situado acerca do ambiente em que se desenrola a ação, pode sentir-se desnorteado e apresentar certa dificuldade em compreender o todo. Quando temos uma noção mais ampla da cena, um plano médio, o espaço ocupado pela atriz é sempre insignificante, perto da altura e posição privilegiada dos seus condenadores.
O cenário do filme – que, por sinal, ainda existe em Copenhagen, e vale muito a pena ser visitado, inclusive para ter-se uma idéia desse todo – nunca aparece inteiro, e nunca deixa clara a real distância entre os objetos: uma janela é muito alta, ou não há uma clareza precisa acerca da disposição das cadeiras, e da quantidade de pessoas no recinto.
O contexto do filme é desnorteante por si só. Em nenhum momento, temos uma noção maior do que está acontecendo, do que a própria Joana d’Arc. A situação história, e os precedentes da guerreira não são mostrados ou explicados. No máximo, são citadas referências pelos padres. Não há aqui, portanto, preocupação com uma abordagem de Joana como uma heroína, ou guerreira. Aqui é explorado o aspecto humano da mesma, é buscada uma aproximação do real. Mostra-se, então, uma Joana comum, de aparência masculinizada, e nenhum glamour. Não uma guerreira destemida, mas uma garota de 17 anos que acredita estar fazendo um bem para seu país, uma missão para seu Deus, e vê-se encurralada, ao ser questionada acerca do seu modo de vestir, agir, e pensar. A interpretação de Maria Falconetti é emblemática, sendo não raramente eleita uma das melhores do cinema mudo.
O roteiro original do filme, por sinal, trazia uma abordagem mais, digamos, piegas, apelativa da história da guerreira. Dreyer achou mais interessante, porém, fazer outro a partir dos documentos históricos acerca do julgamento e condenação da mesma. Ironicamente, esses registros foram feitos pelos mesmos padres que a condenaram, justamente como uma tentativa de execrá-la da estória. A tentativa foi mal sucedida, posto que Joana D’Arc seja uma santa, mártir, e exemplo histórico de mulher e cidadã nos dias de hoje.
"A vida é uma dança", por Vitória Victor
Por muito tempo a mulher ocupou um papel de pouca importancia na história do cinema mundial, requisitada na maioria das vezes para ser atriz ou fazer trabalhos secundarios, porém Dorothy Arzner foi mais além do que as demais e se tornou a primeira diretora respeitada, reverenciada e reconhecida, a colocar um feminismo explícito e engajado na tela grande,e principalmente a dirigir filmes na época da Hollywood de Ouro. Dorothy iniciou sua carreira em 1922, com Sangue e Areia (Blood and sand), que obteve grande destaque, no qual trabalhou como editora para a Paramout Pictures. Seu nome aparece nos filmes mais rentáveis da Paramout durande duas décadas, aproximadamente de 1920 até 1940.
Entre seus vários longas, talvez o mais marcante tenha sido A vida é uma dança (Dance, girl, dance) de 1940, onde a diretora narra a história, já muitas vezes retratada, de duas dançarinas burlescas com seus passos de dança e suas brigas cotidianas. No entanto, o que diferencia essa película das demais, é o forte estimulo a reflexão sobre a condição feminina enquanto objeto de cobiça, a situação da mulher na sociedade, ainda mais machista e conservadora, daqueles anos, os muitos obstáculos por elas enfrentados, sendo tratado em uma comédia sobre o repugnante universo dos espetáculos burlescos.
Contando com a presença de atrizes de grande destaque na época como Maureen O'Hara e Lucille Ball. Além de uma equipe bem preparada, como Robert Wise trabalhando na edição. Dorothy nos mostra que a fragilidade, comumente observada em melodramas da segunda metade do século XX, não faz parte da essência dessas mulhres.
Com personagens individualistas, audáciosas e de personalidades fortes, Arzner duela explicitamente a favor da igualdade entre mulheres e homens, lutando contra a submissão feminina, quebrando violentamente os estereótipos impostos pela sociedade e rompendo o típico ‘melodrama feminino’, demostrando que não é impossível transpor as barreiras tradicionais da época e que a mulher pode sim ter um amor, uma carreira, e até mesmo filhos sem precisar sacrificar-se.
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