domingo, 7 de junho de 2009

"Desencanto" (Brief Encounter) por Lucas Andrade


Melodrama é um termo bastante aberto, já que muitos tipos de filme são assim chamados. Nos primeiros anos do século XX, o que ficou conhecido dessa forma foram as obras de aventura e ação. Nas décadas de quarenta, cinqüenta e sessenta, foi a vez das realizações que abordavam temas mais ligados ao amor e direcionadas a um certo público feminino (melodrama sirkiano), de características totalmente distintas daqueles primeiros filmes. Mas, em linhas gerais, elementos básicos marcam esse gênero. O exagero, o excesso e a exacerbação dos sentimentos (sejam amorosos, patrióticos ou de outros tipos), que muitas vezes beira o ridículo. Em resumo simplório, para se fazer um filme melodramático é preciso que se coloque 1 litro de água em um copo de 500 ml.

"Desencant"o, de David Lean, é um melodrama, porém, atípico (talvez por ser britânico...). Lançado em 1946, ainda no começo da leva de filmes do mesmo gênero que estaria por vir nos anos seguintes, o filme conta a história de Laura Jesson. Ela é uma dona-de-casa, casada, com dois filhos que costuma ir à cidade, às 5as feiras, para fazer compras e assistir a uma sessão de cinema. Por acaso, o Dr. Alec Harvey entra em sua vida. Uma relação irá surgir entre os dois, porém, será interrompida por uma mudança brusca na vida de Alec e que refletirá na de Laura. Ele aceitará uma proposta de trabalho na África, pois diz que a situação já tomou um rumo que não deveria e que uma hora eles teriam mesmo que se separar. Isso é feito, mas é uma dor muito grande para ambos os personagens. A história é toda narrada por sua protagonista, como se estivesse conversando com seu marido, Fred, porém, sabemos que ela não está falando com ele, mas apenas sonhando em falar.

Apesar dos clichês melodramáticos, há certa contenção na filmagem e na narrativa, que parece sempre tentar não exagerar tanto, mesmo muitas vezes não conseguindo. Isso se torna quase um paradoxo, já que o excesso, como foi dito no começo desse texto, é uma marca fundamental no melodrama. A busca de uma frieza maior faz com que o cinema de Lean se afaste de um dos mestres do gênero, Douglas Sirk, mas isso nada tira o brilho do seu trabalho, pois, ele consegue fazer um filme com uma exacerbação controlada de forma bastante interessante e sem se tornar falso.

O fato de desde o começo já se saber o final daquela história de amor mal resolvida deixa o romance ainda mais contido. Nos momentos de alegria, quando estão a rir da musicista do restaurante ou curtindo o parque, o espectador sempre teme mergulhar nesses momentos ou se envolver como os personagens, já que aquele laço será cortado tão rapidamente quanto passam os 86 minutos do filme. Já nas partes tristes, percebe-se que um sacrifício está sendo feito, mas que aqueles seres ainda terão o amor de seus respectivos cônjuges quando voltarem para casa e que aquela experiência mal resolvida não os fará perder tudo, o que muito provavelmente aconteceria num melodrama de raízes mais exageradas.

A cena inicial do filme (talvez a que mais foge da ‘frieza’ do diretor), que mostra o último encontro do casal de amantes em um café do metrô, local onde se conheceram, será mostrada novamente quando Laura estiver relatando os acontecimentos. Porém, o tratamento dado a cada momento é bastante diferente. Na abertura do filme, se percebe uma situação tensa, que algo acontecia por ali e foi interrompido por Dolly (velha amiga da protagonista), mas ainda ficam várias lacunas. Qual a relação daqueles dois, porque tanta tensão, porque tudo termina tão brusco e cruelmente? Na segunda vez que a cena é mostrada, tem-se algo como O martírio de Laura Jesson. Como no filme de Dreyer, a personagem é mostrada por meio de alguns close-ups, passando os mesmos sentimentos de antes, porém, agora, de forma mais acentuada. A mão do Alec ao tocar o ombro de sua amada é sentida de forma muito mais intensa. Nesse momento o espectador já sabe o que levou a toda aquela situação e que rumo ela tomou, então, resta apenas sentir, junto com ela, sua tristeza.

Com o término do filme, tem-se a sensação de que a obra cumpre o seu papel. Assim como é capaz de fazer chorar, é também acolhedora, já que, ao fim do relato de Laura, Fred mostra que está ali para consolar sua esposa da maneira que for preciso. Talvez por todas essas características que esse melodrama fuja um pouco do padrão, mas não foge do gênero, o que torna a obra ainda mais interessante. Pode-se dizer que o copo de 500ml de Desencanto agüentou 700ml de água.

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