domingo, 17 de abril de 2011

NOTAS A PARTIR DE CALIGARI Por Matheus Cartaxo Domingues


"É aliás disso que eu gosto em geral no cinema: uma saturação de signos magníficos que se banham na luz de sua ausência de explicação."

Manoel de Oliveira

A coerência se encontra. Estando no escopo do cinema, cabe contar um caso de Otto Preminger: dizia ele que contratava os compositores musicais de seus filmes antes de começar a rodá-los, isto para poder levá-los aos sets a fim de que eles sentissem a atmosfera das gravações, reparassem em certas coisas a propósito dos atores, vissem como eram dirigidas as cenas. O resultado não seria uma partitura da cena transposta em música, ou seja, não se teriam duas cenas cuja soma, diz Preminger, é falsa: uma atuada pelo ator e, a outra, uma sinfonia. O método do realizador de A Ladra faz-nos crer que um filme quando bem sucedido representa o ponto de culminância de caminhos diversos - às vezes contrários – que em união, geram sentido, uma síntese. Rogério Sganzerla dizia que mise en scène é uma simbiose, e é dela de que falamos.

Preminger, Sganzerla, a esses nomes poderíamos somar outros dos grandes cineastas contemplativos do cinema: Joseph Losey, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Jean-Claude Brisseau, Werner Herzog. Seus filmes lançam olhares sobre materiais de base heterogêneos e por vezes refratados, porém isso não os impedem de atingir uma unidade. Em seus filmes, a interioridade repercute no mundo (À Sombra da Forca, O Raio Verde etc) e, tal como acontece ao som que se propaga no ambiente, uma trajetória existe: em algumas de suas obras assistimos a espetáculos de buscas, descobertas ou inclusive de desilusão, queda ou danação.

1920, ano de O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene. Epítome da estética expressionista no cinema alemão, obra onde as famigeradas deformações do cenário representam o ponto de vista peculiar de um personagem. No entanto, não há contemplação de mundo, pois não há o que se repercutir no espaço; as formas são literais, entregam a interioridade dos personagens e o filme não visa a nada exceto a elas próprias para se alimentar. A ostentação ornamental sufoca a fusão dos elementos, que é a mise en scène, e por isso escapa ao barroco fulleriano ou baviano onde “as formas parecem mudar a cada momento pelo saltitar inquietante e seu fluxo e refluxo apaixonado”. A coerência de Caligari, portanto, não é encontrada, é absolutamente inventada.

Talvez haja outras duas fortes tendências no cinema, arte que já surgiu sob a dúvida de ser ficção ou documentário: uma é a tendência Caligari – a qual se filiam David Lynch, Terrence Davies, o Scorsese mais recente -; a outra, homônima de um contemporâneo seu: uma tendência Nosferatu. A obra-prima de F. W. Murnau, por sua vez, contempla o universo no que este tem de mais inefável. O terrível vampiro é imanente em tudo: no tempo para se perceber as nuances das folhagens, no ar que preenche o espaço entre as árvores, no horror das expressões dos atores, nos claros e nos escuros do cenário. A arte de Murnau permite a cada pormenor do filme respirar livremente e assegura que seus mistérios se enraízem e que a fascinação pelos signos magníficos e secretos tenha vez.

Cinema Soviético, por Iany Thaysa de Morais Oliveira,


Um dos mais importantes na história desse meio, o cinema soviético teve como pioneiros Serguei Eisenstein e Dziga Vertov, que fizeram da revolução uma das suas principais fontes de inspiração, revolucionando assim o cinema não só no que diz respeito ao conteúdo, mas também em seu aspecto formal. Sugerindo e definindo padrões que influenciaram outros realizadores pelo mundo.

Após a revolução de 1917 o governo bolchevique passou a incentivar e apoiar produções cinematográficas por considerá-las obras estratégicas para propagandas ideológicas. Dessa forma obras que exaltassem o heroísmo do povo russo eram amplamente estimuladas e divulgadas pelo Estado.

São dessa época as obras-primas de Eisenstein: "Encouraçado Potemkin", "Outubro", e "A Greve". Mais tarde, Eisenstein ainda realizaria "Alexandre Nevski" e faria parte da trilogia "Ivan, o Terrível" e de "Que Viva México!", ambos, inacabados.

A revolução social iniciou também uma grande transformação na cultura russa de modo geral, que fez com que as artes tomassem o papel de vanguarda. Tomando como base o cinema, tal transformação despertou um olhar crítico no expectador, o ofereceu uma visão de luta de classes, o fez sentir parte daquele contexto.

É claro que não só obras de caráter bolchevique foram produzidas, com a derrocada do regime soviético cineastas tidos reacionários como Nikita Mikhalkov ganharam espaço, com produções críticas ao regime, como "Olhos Negros", "Anna dos 6 aos 18" e "O Sol Enganador".

É fascinante a pluralidade do cinema, tanto serve para entretenimento quando para propagandear idéias, fazer pensar, tornar o expectador um ser crítico e consciente. Este era um dos principais fundamentos do Cinema Soviético e permanece até hoje, mesmo noventa e quatro anos após a revolução, e não se limitando apenas a URSS.
Embora algumas produções sofressem ‘censura’ da parte do governo bolchevique era perceptível a necessidade que os cineastas da época tinham de extravasar, de colocar pra fora suas idéias e expor seu ponto de vista social em seus filmes.

Uma das principais contribuições do Cinema Soviético para a cinematografia em geral foi a de uma nova forma de fazer cinema, deixando de lado o aspecto puramente ficcional e tomando um caráter ideológico. Um sentimento de liberdade jamais visto no cinema outrora.

Decompondo um pesadelo, por Ícaro Navarro


Sombras e subjetivas projeções da realidade compõem essencialmente o que se chama de expressionismo no cinema. Animação do inorgânico e o terror completam o movimento, que nega a fútil representação da realidade, tal como ela é percebida, e em contrapartida projeta à como é sentida.

Uma estatua viva, poderosa e em volta em misticismo; uma dupla de personagens misteriosos, sombrios e bizarros; uma rancorosa e hostil criatura de aparência bestial, mas com trajes e personalidade humana. São respectivamente personagens e toques de terror em: Golem, O Gabinete do Dr. Caligari e no desenho A Bela e a Fera.

Ressaltando a estranheza destes seres, eles são únicos a interagir de forma coerente com o bizarro mundo que habitam: no castelo do desenho, portas e um pé direito colossais, somados a mesas infindáveis e corredores sombrios refletem o monstro anfitrião, que graças a seu tamanho e força monumentais, os transpõem com certa harmonia. E contrastam com pequeno porte de Bela, expondo sua solidão e desajuste; Golem dotado de enorme força passa por portas portões com relativa facilidade, em contraste com os habitantes do gueto que demoram e se esforçam para fazer-lo; da mesma forma Caligari e Cesare substituem a naturalidade dos movimentos por uma gesticulação que não flui, distorcida como as linhas do cenário.

As tais linhas do cenário são, neste caso e em Golem, uma assimétrica e desarmônica, submissão recíproca do horizontal ao vertical. Resultando em arcos e curvas, orientados diagonalmente, que se encontram em ângulos oblíquos. Este traçado é comum, por exemplo, a obra de Schiele, que retratava corpos angulosos e distorcidos. Em ambos os casos expressa-se emoções fisicamente, passando a sensação de desajuste e desalento.

No conto da Disney a reeducação da percepção, e a tomada pela visão interiorizante do mundo, é o tema central. Pois só leitura expressionista da fera, permite a resolução do conto. Esta visão da realidade aparece nas três obras, na exposição dos objetos, que ganham vida, como o Golem e os utensílios do castelo. E nas características subjetivas dos cenários, que negam enfaticamente a realidade dos sentidos.

Elemento que agrega expressividade nas duas obras de terror, ausente no conto de Bela, é o uso da sombra aliada aos elementos já citados, que completa a atmosfera de pesadelo própria do expressionismo.

"O Gabinete de Dr. Caligari", por Maria Gabriela de Miranda Costa.


Na Alemanha derrotada do pós-guerra, as artes plásticas expressionistas, que evocam uma crise subjetiva e social, irão provocar um impacto visual no cinema. Isso acontece não só pela sensibilidade de seus realizadores, mas também pela necessidade de alcançar os mercados externos com novas experiências de maior nível artístico.

Nesse contexto, “O gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene, reúne características que atingem a proposta expressionista inovadora de representar visualmente crises emocionais. Tanto que criou-se o termo “caligarismo” para denominar a impressão de uma pintura expressionista estar se movimentando. Isso se deve à ênfase dada a composição, através dos contrastes de luz e sombra, dos ângulos irregulares e, principalmente, da cenografia feita de painéis pintados ao estilo do movimento artístico em questão e com quase nenhuma profundidade. Esse cenário, que foge do realismo, demonstra um universo de pesadelo e é o responsável pela atmosfera misteriosa que lhe deu destaque.

Além disso, a interpretação dos atores, exagerada e de movimentos grandiosos, acompanhada da deformidade de maquiagens carregadas, atendia ao objetivo do diretor de evitar o uso de letreiros narrativos ou de inseri-los na narrativa visual. O que, inclusive, foi experiência importante do cinema expressionista.

O principal responsável pela estética marcante de “O gabinete do Dr. Caligari” foi o próprio diretor, Robert Wiene, o qual fez alterações significativas no roteiro original de Hans Janowitz e Carl Mayer. Dentre elas, a opção por rodar todo o filme em estúdio, e não em locações, e o uso do desenho estilizado, a fim de chegar à aparência expressionista desejada. No entanto, as alterações feitas na dramaturgia inverteram por completo a ideia central do roteiro. Quando, ao final, o espectador percebe que a história de perversidade é, na verdade, um delírio do protagonista Francis (Friedrich Feher), que aparece internado num hospício, a crítica à violência de qualquer autoridade social, presente na arte expressionista de um modo geral, é atenuada.

De certo modo, essa modificação substancial do roteiro não interferiu no sucesso mundial do filme. Caligari foi um verdadeiro 'abre-alas' para a indústria cinematográfica alemã, que exerceu fascínio sobre público e críticos e influenciou muitas outras obras em sua época, como “Golem” de Paul Wegener, “Nosferatu” de Murnau e “Dr. Mabuse” de Fritz Lang. Nos anos 40, ainda era possível ver os contrastes expressionistas em “Cidadão Kane” de Orson Welles. E atualmente, o principal representante dessa temática do sombrio é o diretor estadunidense Tim Burton.

"O Gabinete de Dr. Caligari", por Jonathan Wolpert


O filme, dirigido pelo Robert Weine, é um dos grandes marcos do expressionismo alemão no cinema. Possui uma atmosfera obscura, que remete ao pesadelo e aos distúrbios psicológicos da humanidade, mostrando uma Alemanha gótica e demoníaca, com seus cenários angulosos e personagens marcantes. Também trata de questões políticas em relação ao nazismo e as noções de autoridade.

Wiene nos mostra uma história que se passa na cidade de Holstenwall, de um misterioso doutor chamado de Caligari (interpretado por Werner Krauss) que monta um grande show na cidade em que seu assistente, o sonâmbulo Cesare (interpretado por Conrad Veidt) advinha o futuro das pessoas, e logo em sua primeira adivinhação prevê a morte de um jovem. Logo, uma série de crimes começam a ocorrer na cidade, trazendo as suspeitas pra o Cesare, que é flagrado seqüestrando a Jane (Lil Dagover), que namora com Francis (Friedrich Feher). Francis descobre que o Dr. Caligari é o mandante dos crimes, pois ele usa a hipnose para comandar o Cesare em seus atos de
violência.

O filme apresenta dois finais. Um do roteiro original, em que o Dr. Caligari é tido como louco, fazendo uma critica as autoridades alemãs. A versão alterada, mostra um Dr. Caligari lúcido e um Francis louco, que cria uma realidade imaginária sobre os acontecimentos narrados no filme. Com isso, podemos entender mais sobre o período entre-guerras extremamente conturbado em que as pessoas viviam na época, e as influencias disso nos filmes do expressionismo alemão, e na vida das pessoas.

Outra forte característica do filme em relação ao período expressionista alemão, é o uso de painéis pintados em pedaços de madeira e panos pelos pintores expressionistas Walter Reimann e Walter Rohrig e pelo cenógrafo Hermann Warm, que até hoje fazem parte do Museu de Cinema Henri Langlois, em Paris. Hoje em dia, podemos ver grande influência dessa obra do expressionismo alemão, em filmes do Tim Burton, e até em fotografias, como é o caso do Tim Walker, grande fotógrafo de moda que possui fortes inspirações de luz, ângulos e temas do expressionismo alemão.

Devemos perceber uma forte manipulação do Estado na comercialização do filme, que só foi possível depois que o final foi modificado para que o Dr. Caligari (que representa a figura do Partido Nazista) que era um grande manipulador do Cesare (que representa a figura da população civil), fosse uma pessoa normal, diretor de um hospício, e que o verdadeiro louco fosse o Francis (que tentava provar que o Caligari era o mandante de tais crimes) fazendo com que o filme não rompesse com os modelos autoritários do governo, tirando totalmente o objetivo principal do filme original, que era fazer uma crítica direta ao Nazismo.

Toda essa alteração, na minha opinião, não alterou a carga cinematográfica do filme, e sim a carga crítica que o filme queria mostrar. Essas alterações fazem o filme ficar ainda mais intrigante, fazendo com que tudo isso se una ao clima de mistério e horror do filme, não afetando a qualidade cinematográfica. Até hoje podemos perceber grande influência do filme em filmes atuais, como “Edward Scissorhands” dirigido pelo Tim Burton (que já foi citado acima como um grande amante do cinema expressionista alemão, por usar referências do mesmo em seus filmes), que possui grandes semelhanças estéticas com “O Gabinete do Dr. Caligari”, comprovando que o filme do Robert Weine possui grande influência no mundo cinematográfico até os dias atuais.

"O Encouraçado Potemkin", por Túlio Lima Rodrigues


Rússia, 1905. A revolta no Encouraçado Potemkin serviu de tema para um dos mais lendários filmes da história do cinema. O Encouraçado Potemkin (título em português), de 1925, foi sem dúvidas, um grande marco na técnica e na arte cinematográfica. Dirigido por Sergei Eisenstein, o filme retrata a tensão estabelecida na Rússia que já passava por crises econômicas nos primeiros anos do século XX.

Em sua obra, Eisenstein foca em uma revolta particular na Rússia: marinheiros de um navio se revoltam pelos excessos de maus tratos que sofrem por seus comandantes. Tal fato é o início do filme, em que se torna possível ver o mau tratamento com a tripulação, além da má condição de alimentação, reforçada pela cena em que a carne dada para os marinheiros consumirem está podre, repleta de vermes.
Influenciado por tal fato, uma enorme revolta se inicia dentro do próprio navio. Numa sequência de planos abertos e close-ups, a confusão em alto mar se torna uma composição brilhante. Todos os atores e figurantes em cena são perfeitamente coreografados, reproduzindo uma cena extremamente dinâmica, inovando com o cinema da época.

Mas as cenas com ritmo frenético de multidões não ficam só na primeira parte. Com o passar do filme, podemos ver as tomadas externas da população se encaminhado ao cais para a chegada do encouraçado e o aparecimento inesperado dos soldados dando início a cena da escadaria de Odessa, a mais famosa do filme talvez. É incrível neste momento poder identificar, a partir de uma maquiagem mais leve, as expressões de dor, tristeza e indignação da população. Ao fechar o plano nessas feições, Eisenstein conseguiu retratar os sentimentos dos cidadãos de Odessa, fazendo oposição à inexistência deles nos soldados, que nem os rostos conseguimos identificar durante a película. Todos esses detalhes contribuíram para a base ideológica do filme, associada à divulgação de uma nova política que era apresentada ao povo russo.

A parte final do filme em que a tripulação está preparada para atacar um possível inimigo e depois percebe que se trata de navios aliados que os apóiam assim como a população de Odessa agora dizimada, mostra mais dinamicidade associada inclusive aos letreiros. Tal característica pode também ser analisada em todo decorrer do filme. Assim, a tripulação do Potemkin se despede com um final de esperanças em futuras melhorias.

Por isso, ao fazer um filme que retratasse a história, inegavelmente, Eisenstein conseguiu fazer parte dela, ao trazer para a tela uma preocupação com a montagem e uma sensibilidade primordial nas cenas coletivas extremamente planejadas e bem executadas. Acima de tudo, produziu um cinema que até hoje é referência e objeto de estudo pelo cinema mundial.

"O Encouraçado Potemkin", por Heitor Assunção Dutra


Passados noventa e poucos anos da sua estréia em 1925, O Encouraçado Potemkin me deixou de boca aberta com seus cortes, e estou certo que continuará deixando os estudantes de cinema, cinéfilos e entusiastas ainda por muito tempo boquiabertos.Trata-se da comprovação do que tanto se repete: A montagem do filme é com os Soviéticos.No caso um dos maiores diretores soviéticos: Sergei Einseinstein, com certeza o mais conhecido cineasta russo junto com Tarkovsky. Kubrick concorda, que o que torna cinema, cinema é a montagem, não é fotografia, nem música, nem literatura, é tudo isso mais o elemento único da sétima arte: a montagem; é cinema.O ritmo nesse filme é de uma força e velocidade alucinantes, é um filme que realmente é da sua época, da efervecência dos primeiros anos da União Soviética, passados nem dez anos desde a revolução de 1917. Esse filme reafirma a idéia de união do povo, que num episódio anterior a revolução, numa Rússia quase feudal, enfrentou a opressão do Czar.

O povo é que manda, isso é o que deve ser. Mas nunca foi, sempre algum espertinho se apropriou do poder de maneira total. A revolução não trouxe a diferença, colocando no lugar do Czar Nicolau II, ditadores no mesmo patamar ou piores que o antigo rei que como se provará no final da década de oitenta não conseguem segurar o tranco de um país tão grande. No filme dá até vontade de se unir ao povo indignado, o espectador está ali dentro, também indignado, não há filme 3D que faça mergulhar mais que uma história bem contada.

Ao entrar de barco na baía de Odessa com corpo do marinheiro morto,os marinheiros presenciam os navios parados no porto que parecem indiferentes, a cidade parece não pertencer aos seus habitantes na prática.Ao chegar ao cais, a notícia de um irmão russo, trabalhador, massacrado, morto se espalha por Odessa trazendo todo o povo, os seus irmãos, que enfrentam situações similares, sentem a dor do marinheiro de nome impronunciável.Choram sua morte e vibram com a revolução, um ensaio revolucionário.Nas escadarias da cidade a tirania dos partidarios do Czarismo atinge seu ápice, uma avalanche de cadáveres se espalha pela escada, pisoteamentos, gritos, numa cena frenética e alucinante de sofrimento e agonia.A mãe que desesperada pede ao Kossacos piedade é tocante, e imagino que na época que o filme foi exibido contou com a emoção da platéia, que chorou cada momento de dor, das mães e filhos mortos pela imbecilidade de um regime estúpido. Com planos de em média três segundos de duração cada, a sequência das escadarias fica guardada na história do cinema.

Não há muito o que dizer, é pra se ver. É difícil pra mim imaginar um filme com tanta força, com seus closes, com os regentes da orquestra do povo, a forte imagem da velha igreja representada pelo padre, o filme é uma ópera muda.Aplausos.

"Aurora"(Sunrise: A Song of Two Humans), por Mirella Britto


‘Aurora’, de 1927, é o primeiro dos 4 filmes dirigidos por F.W. Murnau nos EUA. Em 1929 recebeu 3 oscars e é considerado, até os dias de hoje, uma das grandes obras primas do cinema. Mas, precisamos nos perguntar: por que após tantos anos, e tantos filmes, Aurora continua a nos encantar?

O filme conta a historia de um casal de camponeses que viviam felizes até a chegada de uma misteriosa mulher ‘da cidade’. Essa mulher é a própria encarnação das possibilidades da vida moderna, seu olhar é cheio de promessas de aventura, levando o jovem marido a um encantamento que é quase uma hipnose. Assim, logo no início, nos deparamos com a tristeza e angústia da mulher traída pelo marido, que além de desprezá-la começa a gastar todos os bens da família com a amante. Como representação desoladora do abandono, temos a imagem da jovem esposa sentada sozinha à mesa, enquanto o marido sai para passar a noite com a amante.

Dividido entre a vida familiar e a paixão, o marido transtornado termina aceitando o plano da amante de matar sua jovem mulher afogada para que pudessem, finalmente, viver juntos as alegrias da grande cidade. A tentativa de matar a jovem esposa e mãe dedicada é um grande ato de maldade em torno da qual o filme se desenvolve. A partir disso, o protagonista, tentado por uma mulher malévola e quase enlouquecido, oscila entre o desejo e o amor, a compaixão e o egoísmo. Contra a mesquinhez humana, tudo o que a pobre mulher pode apresentar são seus olhos marcados pela dor e pelo espanto. Como ela, ninguém consegue acreditar em tanta maldade e até a natureza se revolta em vários momentos.

‘Aurora’ conta a história de um jovem casal, mas, como é avisado no início do filme, ela poderia acontecer em qualquer parte do mundo, com quaisquer dois ‘humanos’. Murnau propõe um conto ‘universal’, sobre dois humanos e que fale a qualquer ser humano. A diversidade de emoções experimentadas ao longo do filme comprovam que o diretor conseguiu realizar seu intento. Somos levados a seguir o protagonista do pecado à redenção e, se sua maldade pode nos deixar para sempre sob suspeita, a confirmação do amor verdadeiro também precisa ocorrer. Essa história revela uma temática tantas vezes desenvolvida pelo cinema depois: a pureza e os valores da comunidade em oposição à cidade e seus personagens hedonistas e perigosos.

Se não fosse por tudo isso, o filme já mereceria ser visto apenas pelo seu valor histórico. Mas, para responder a nossa pergunta acima, podemos dizer que “Aurora” é uma espécie de protótipo ou modelo que o cinema sempre tentou seguir: a experiência de todas as emoções humanas e de muitas intensidades num curto espaço de tempo. Ainda, essa é uma história capaz de falar a todos porque revela que personagens e público se encontram no mesmo desejo: um happy end.

"O Gabinete de Dr. Caligari", por Thierry da Silva Fernandes


O gabinete do Dr. Caligari narra a historia de uma pequena cidade que recebe a visita de uma feira, dentre as apresentações contidas na feira existe a do Dr. Caligari, que apresenta um número em que um sonâmbulo comandado por ele realiza premunições. Mas logo após a chegada da feira com a apresentação do Dr. Caligari uma série de assassinatos começam a ocorrer na cidade e um dos moradores começa a suspeitar do envolvimento do Dr. Caligari e seu sonâmbulo nos homicídios. O gabinete do Dr. Caligari é um dos filmes com maior representatividade desta época. Sua narrativa é bastante interessante e faz com que os espectadores anseiem por cada parte seguinte, cheio de mistérios e suspeitas, o filme nos faz refletir na historia e tentar desvendar os enigmas.

Mas o que chama atenção no filme é sua cenografia, o ambiente lúdico e misterioso captura nossos olhos. Cheios de traços e figuras deformadas caracteriza bem o expressionismo que aposta na fuga do real, do lugar comum, e cria um imaginário em nossas mentes. Com base no movimento expressionista os cenários refletem bem os conflitos humanos e perturbações vividas pelos personagens, e apesar da película preta e branca, as misturas de cores de tons variados transpassam a inconstância dos conflitos. Há também momentos em que os cenários são bem maiores que as personagens, dando-me a idéia de que o meio em que as personagens vivem é mais influente nos seus dramas que os próprios conflitos da personagem. Uma das características que chama a atenção são as linhas diagonais que estão muito presentes no filme, ao invés de paredes e tetos, verticais e horizontais, vemos prédios inclinados que em certos momentos parecem estar caindo.

A maquiagem do filme também aposta na força trazida pelo expressionismo, com traços bem marcados e de tons escuros. Que nos presenteia com uma das cenas mais belas do filme, o despertar do sonâmbulo, com olhos bem marcados o abrir de pálpebras dele cria uma expectativa enorme sobre algo que poderia passar despercebido ao espectador.
As interpretações são o complemento da magia visual do filme, viscerais e extravagantes elas completam a imagem de maneira harmoniosa e contribuem para o suspense gerado pela narrativa. Os olhos abertos, as mãos nervosas, o corpo retraído dizem a que o filme se destina. Sem falar no subjetivismo da sua história, que consegue completar algo que já parecia tão bom em excelente.

Assistir a O gabinete do Dr. Caligari é fundamental para entender a história do cinema. Ele nos mostra a variedade de possibilidades que esta ferramenta pode proporcionar e o mundo que existe dentro dela. E o expressionismo foi um movimento que demonstrou bastante esse poder de criação ao mundo.

"O Gabinete de Dr. Caligari", por Jéssica Fantini



Se há uma palavra para designar o Gabinete do Dr. Caligari está palavra é inovação. O filme escrito na Alemanha pós- guerra, por Hans Janowitz e Carl Mayer, retrata de forma singular a arte expressionista, sendo considerado o marco do movimento no cinema mundial. Sob direção de Robert Wiene e fotografia de Willy Hameistere, os painéis de pinturas expressionistas, as ruas distorcidas e os personagens macabros, característicos do filme, revolucionaram a estética do cinema alemão e possibilitaram a inserção do país no mercado cinematográfico internacional.

Ernst Fischer, em a Necessidade da Arte (1976) afirma que “toda arte é condicionada pelo seu tempo e representa a humanidade em consonância com as idéias e aspirações, as necessidades e as esperanças de uma situação histórica particular”. Tal conceito de arte, vinculada ao contexto histórico, embasa o expressionismo alemão. Diante da tensão gerada pela primeira guerra, a arte do período exprimia o caos interior vivido pela sociedade e, especificamente no âmbito cinematográfico, essa arte se deu de forma memorável. O cinema alemão foi capaz de aglutinar como poucos o “espírito” do expressionismo, revelando clássicos como o gabinete do Dr. Caligari, abordado nesta resenha, e os filmes posteriores que consagraram o movimento como: A morte cansada (1921); Nosferatu - uma sinfonia de horror (1922); O Gabinete das figuras de cera (1924); etc.

O gabinete do Dr. Caligari tem como palco a cidade fictícia de Holstenwall. Logo no inicio é perceptível os traços “avant-garde” tendo em vista que a história do filme é contada por Francis (Friedrich Feher), transcorrendo-se totalmente no plano surrealista. O homem narra a chegada do Dr. Caligari (Werner Krauss) na cidade e o interesse do doutor em fazer apresentações com o sonâmbulo Cesare (Conrad Veidt) na feira circense de Holstenwall. Até o ponto citado, o bizarro é evidenciado apenas na passagem que mostra a cidade (o panorama de casas tortas no começo da narrativa) e nos trejeitos e maquiagens fortes dos personagens. No entanto, tais elementos mórbidos ganham sentido na trama através das apresentações do Dr. Caligari com Cesare, momento em que o sonâmbulo faz previsões de mortes e, simultaneamente, inicia-se uma série de assassinatos na cidade.



Apesar da polêmica sobre o responsável pela consagração do gabinete do Dr. Caligari, é evidente a parcela de todos na genialidade da obra. O roteiro original, criado em apenas seis semanas, foi estruturado nos moldes românticos da narrativa e intrinsecamente tinha uma abordagem critica aos regimes de dominação social. Mesmo após a modificação na ideologia política contida no roteiro, com o intuito de torná-lo mais comercial (exigência dos produtores Rudolf Meinert e Erich Pommer), a obra continuou com sua essência: o choque entre convenção e modernidade. Intencionalmente ou não, a ambigüidade é verificada durante os 71 minutos de filme, visto que os cortes e ângulos de câmera são tradicionais e, no entanto, o panorama visual que foi filmado representa uma revolução na dimensão artística. Dessa forma, a produção de uma atmosfera sombria e atemporal com traços nitidamente vanguardistas, mantém na obra a função revolucionária presente no roteiro original, não mais direcionada às questões sócio-políticas como no inicio, mas referente à inovação da estética no gênero de horror.

Sabe-se que a consagração do Gabinete do Dr. Caligari como obra prima resulta da junção de enredo e técnicas visuais. Em contrapartida, é inegável que a grande influência do filme para a posteridade é o conjunto de conceitos estéticos (razão do termo “caligarismo” aos filmes com características semelhantes). Tanto os contrastes de luz e sombra nos suspenses de Hitchcock, quanto os cenários excêntricos e personagens mórbidos utilizados nos filmes de Tim Burton, enfatizam os elementos utilizados por Wiene em 1920, fazendo assim referência, e reverência, ao primeiro clássico do cinema expressionista alemão.

"Nosferatu", por Bruno de Azevedo Cardim


De aparência grotesca e disseminando a peste negra por onde passa, o Conde Orlok, personagem principal do filme de 1922 dirigido por FriedrichWilhelm Murnau: “Nosferatu, Eine Synphone des Grauens” (Nosferatu, uma Sinfonia de Horrores), é considerado um dos personagens mais assustadores da historia do cinema, porem essa criatura fantasmagórica e assustadora traz consigo características internas bastante humanas.

A sua obsessão por Helen Hutter que o faz, escondido em um navio sair da segurança em seu castelo na Transilvânia para a cidade de Wisborg na Alemanha, a qual é um terreno hostil pra ele, sempre mantendo em sua face uma expressão tímida e amedrontada, mostra toda a humanidade inerente ao personagem, que apesar da imortalidade e poderes sobrenaturais, tem um porte físico doente e fraco que transmite um aspecto de fragilidade, mesmo com toda a atmosfera sombria que ele carrega.

O conde Orlok demonstra possuir medos, desejos, angustias e obsessões, fraquezas inerentes ao ser humano, o que o tornaram uma criatura perigosa a todos que tinham a envolvida com a dele, também por fraquezas humanas o vampiro se deixou levar pela sedução de Helen resultando em sua morte. Mais do que os temores e pesadelos o personagem principal do filme representa a insanidade e a fragilidade humana.

"O Gabinete de Dr. Caligari", por Cássia Maria Lira Rodrigues


Um dos primeiros filmes do Expressionismo alemão e considerados um dos melhores na categoria terror, O Gabinete do Dr. Caligari conta a história de um velho louco que vai morar numa cidade em que apresenta um espetáculo de hipnose num parque de diversões, hipnotizando um jovem chamado Ceasare, que vem a se tornar um assassino, ao ser hipnotizado faz revelações sobre o futuro, revelando então o tempo curto de vida de um jovem presente na apresentação, devido a essas revelações e a acontecimentos estranhos quem veem ocorrendo na cidade um jovem decide investigar as ações do Dr. Caligari e de seu sonâmbulo, ao fim de tal investigação o jovem descobri que o Dr. Caligari é diretor de um hospício que usa técnicas de hipnose em seus pacientes. O filme, porém possuiu duas versões para o final a do roteiro original no qual o velho é tido como um louco por executar tais ações, acabando numa camisa de força e uma do roteiro modificado por uma moldura cinematográfica colocada pelos produtores, onde toda a história não passa de um delírio do investigador que acaba num hospício dirigido pelo Dr. Caligari que na realidade é totalmente lúcido.

O filme além de ter uma historia interessante e que na versão original pode ser vista como uma crítica à figura das autoridades alemãs, representadas no personagem do “Caligari louco”, cuja imposição sobre a sociedade, representada pelo jovem sonâmbulo, tem como objetivo conduzir a atitudes impensadas e de consequências trágicas. A versão alterada exclui essa crítica ao reverter à situação, mostrando um “Caligari lúcido” que exerce suas funções de maneira coerente, e um “jovem alucinado” que criou uma situação irreal sobre o diretor do hospício e seu paciente.
A noção de autoridade ora criticada, ora exaltada é característica do conturbado período entre guerras.

Além disso, o filme ainda conta com recursos de luz e abusa do contraste entre o preto e branco das maquiagens que acentua a expressão facial dos personagens e possui um cenário maravilhoso e visivelmente teatral que nos transporta pra um universo louco e desfigurado de casas retorcidas e ruas tortuosas que remete ao sobrenatural.

"O homem com a câmera na mão", por Débora Bittencourt




Com poucas exceções que deram ênfase à problemática pessoal, como Evegine Bauer, o cinema soviético foi fortemente marcado pelo seu contexto histórico, voltando-se ao discurso social, contando e defendendo a Revolução Russa. Baseando-se na dialética hegeliana, foi também revolucionário ao utilizar o princípio da montagem, criado por Kulechov e consagrado por Einsenstein, teoria que viria a influenciar todo o cinema posterior.

Dziga Vertov, com o Kino-Pravda (cine-verdade) e Kino-glaz (cine-olho), aliou o discurso comunista e a teoria da montagem à “rejeição total da representação burguesa”, criticando a ficção e dando à câmera o papel de olho perfeito em seus filmes documentais.

Embora lide com a realidade cotidiana, ‘O homem com a câmera na mão’ difere das primeiras experiências cinematográficas dos irmãos Lumière, não só pelas técnicas desenvolvidas, mas pelo conceito criado por essa técnica. Quando assistimos à ‘Chegada do trem à estação’, vemos a realidade sem interferência do criador. Em o ‘O homem...’ há também uma cena de chegada de um trem, porém a câmera o filma de frente (dentre outros ângulos) enquanto um homem nos trilhos o filma, a montagem propõe o seu atropelamento, mostrando rapidamente seus pés agonizando fora dos trilhos. Ou seja, as imagens são reais, mas adaptadas através da montagem para um sentido pré-determinado pelo diretor.

A câmera é mostrada constantemente durante o filme (assim como o cameraman e suas peripécias para obter tais imagens), inclusive detalhes como o foco da lente e da imagem, enquanto uma mulher ao acordar enxuga os olhos, numa associação ao despertar e claro, da câmera ao olho humano. Há essa linguagem metalingüística forte, vemos pessoas diante da tela, o método do trabalho, suas condições de produção, referências à sua história: o cinema falando de cinema.

A música encaixa no ritmo do movimento das coisas, acentuando a idéia do cotidiano, do desenvolvimento, do ritmo da vida e das pessoas. De uma maneira geral, Vertov propõe o enaltecimento do mundo comunista, há uma forte referência ao trabalho, aos meios de transporte, à cultura presente na sociedade. Além disso, ao filmar a produção, a origem das coisas, mostra às pessoas que já que são elas que produzem, são a elas que pertencem. Acusado por alguns de mera propaganda soviética, o realismo socialista de ‘O homem...’, “um filme sem intertítulos, sem cenário, sem sets, atores, etc”, propõe uma filosofia sobre fazer cinema que não deve ser descartada.

Vertov defendia que a câmera só deveria filmar o que existisse independentemente dela. Em ‘O homem...’ vemos as pessoas que assistem e vivem o cinema, sendo não personagens, mas co-autoras da obra, como podemos ler no início do filme: “Este trabalho experimental tem por finalidade criar uma linguagem absoluta e verdadeiramente internacional do cinema, baseada na sua total separação da linguagem teatral e literária.”

"Dia de Ira", por Carlos Roberto da Silva Júnior


A tradição, tanto religiosa como historiográfica, atribui a Tomás de Celano, frade franciscano que viveu no século XIII, a autoria daquele que viria a ser considerado não só um dos mais belos e austeros hinos da liturgia romana, mas também um dos monumentos poéticos da literatura universal — o Dies irae. Compostos em latim medieval e por troqueus de timbre sombrio e imprecatório, os versos desse poema extraordinário evocam visões grandiosas, as cenas aterradoras do último dia, dia de ira, ponto de inflexão do mundo, limite do tempo e soleira da eternidade — o dia do Juízo Final.

Difícil, pois, imaginar para um filme título tão sugestivo quanto Vredens dag (1943) — equivalente dinamarquês do nome do hino latino —, especialmente quando se trata de um filme de Carl Theodor Dreyer, diretor que, de uma forma ou de outra, costuma exprimir em seus filmes preocupações distintamente cristãs. O roteiro, contudo, é uma adaptação da peça Anne Pedersdotter (1908), do escritor norueguês Hans Wiers-Jenssen; o qual, por sua vez, baseou-se, para a concepção do drama, em um caso real de processo de bruxaria ocorrido no século XVI. A peça obteve grande sucesso na Noruega e também foi aclamada internacionalmente, sendo encenada em vários países da Europa e nos Estados Unidos, além de ter tido várias adaptações para o rádio. Desse modo, é necessário, ao se considerar o filme, ter sempre em mente as dificuldades de realização e transposição cinematográficas que tal superposição de referências supõe, à parte os problemas próprios a toda atualização histórica. Como, por razões óbvias, não tivemos acesso direto às suas fontes inspiradoras, trataremos exclusivamente do filme, cientes, está claro, de todas as conseqüências críticas decorrentes de tal negligência.

A despeito da imponência do seu título, o filme nos apresenta um enredo e um conjunto de imagens seguramente mais modestos. Estamos numa Escandinávia luterana, em 1623. Note-se, porém, que os acontecimentos reais, como foi dito acima, situam-se no século anterior. O país exato onde se passa a história não nos é informado. Embora os personagens falem dinamarquês, a atmosfera cultural poderia ser com semelhante adequação a dos territórios que compunham tanto a Dinamarca quanto a Suécia e a Noruega de então (essas imprecisões históricas não parecem ter para Dreyer outra função senão a de licença poética). A historiografia nos informa que, no século XVII, a diligência protestante estava em seu ápice nos países escandinavos, e a Igreja Luterana agia com o rigor próprio de uma estrutura de poder que busca se consolidar definitivamente. Foi também nesta época que a caça às bruxas na Europa atingiu seu estágio de paroxismo. Anne (Lisbeth Movin) é a jovem esposa do pastor da aldeia, Absalon Pederssøn (Thorkild Roose), que já era de idade avançada quando veio a esposá-la ainda menina, após a morte de sua primeira mulher. A mãe de Anne havia sido acusada de bruxaria, mas escapou à fogueira graças à intervenção interessada de Absalon. Este é o segredo que Herlofs Marte (Anna Svierkier), uma velha bruxa que é denunciada, ameaça revelar à comunidade se a sua sentença de execução não for revogada. Mas há segredos ainda mais graves que podem ser revelados. Martin (Preben Lerdorff Rye), filho de Absalon com sua primeira mulher, é tão jovem quanto Anne. Sua volta ao lar paternal inicia uma crise na família, pois desperta a atenção da jovem infeliz com seu esposo e seu casamento estéreis, que não têm muito a lhe oferecer além do afeto pastoral. Merete (Sigrid Neiiendam), velha matrona da casa, é a mãe de Absalon, e não demora a perceber a liaison dangereuse que se estabelece entre seu neto e sua nora. Estes são os elementos — que referem os temas do incesto, do conflito de gerações, do pecado, da culpa e da intolerância religiosa — a partir dos quais Dreyer constrói uma narrativa cinematográfica de grandíssimo valor estético.

O aspecto formal mais evidente do filme é a composição dos quadros. Quadros, mesmo, pois o diretor danês, fazendo uso magistral da luz, da postura, do posicionamento e da expressão dos atores, consegue a façanha de traduzir eficientemente para o preto-e-branco o conceito e a beleza da pintura dos mestres da Gouden Eeuw dos Países Baixos, especialmente certos retratos pintados por Rembrandt, Vermeer, Frans Hals, Bartholomeus van der Helst e Jan de Bray. Porém, enquanto nesses quadros neerlandeses tende a prevalecer uma jovialidade burguesa própria duma época de prosperidade econômica e florescimento das artes, está excluído dos quadros de Dreyer qualquer movimento mais exaltado, ainda que parta de um ambiente de perseguição, dor e angústia — em princípio, ambiente que também leva a excessos. Mesmo nos momentos de maior carga emocional — como quando Herlofs Marte é torturada e posta à fogueira, ou quando Absalon toma conhecimento da traição de sua esposa, ou quando Anne grita ao ver o corpo de seu marido tombar, fulminado pelo desgosto — mesmo então os gestos e os rostos são contidos como que por uma espécie de mecanismo (talvez a própria câmera do diretor) capaz de amortecer sua motivação e expressividade passionais e assim impedir que se propaguem indevidamente até que atinjam o domínio próprio da cor.

Além das vozes humanas, que se manifestam em forma de fala ou canto, apenas outro três sons se apresentam inequivocamente ao longo do filme: o sino da igreja, que anuncia o cumprimento da ordem de prisão dos acusados de bruxaria; o bater contínuo e desconfortável do relógio da casa de Absalon; e o rugido de uma tempestade que se abate sobre a aldeia no clímax dos acontecimentos. Todos eles parecem simbolizar a idéia da proximidade indefinida, porém certa, do fim dos tempos, que no filme é representado pela punição que sofrem, cada qual a seu modo, as personagens principais do filme.

Os cenários contribuem para a criação de uma atmosfera espessa, que exige das personagens uma movimentação vagarosa, uma respiração compassada. Chegamos a pensar no cheiro do claustro e dos tribunais. Mas esse efeito é alcançado com uma utilização perfeitamente econômica do espaço, que em sua maior parte é ocupado pela sombra, pelo escuro, pelo negro. As janelas são um elemento importante e uma clara referência a Vermeer; no filme, contudo, elas (que estão geralmente fechadas) parecem simbolizar uma espécie de meio metafísico, translúcido, irredutível, interposto entre as próprias personagens, e entre estas e o mundo, ou a verdade, ou Deus. Aqui, é lícito lembrar a seguinte passagem bíblica: “Hoje vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido.” (I Coríntios 13:12). Assim, embora permitindo a passagem da luz, as janelas em [i]Vedrens Dag[/i] estão sempre embaçadas, e nos ocultam a natureza daquilo que está, ou poderá estar do outro lado. Há também cenas externas, mas elas são escassas e, no fundo, contentam-se em ilustrar a alegria franzina de Anne e Martin quando das suas escapadelas para bosques insulsos.

A interpretação dos atores também é notável, particularmente a de Thorkild Roose. Sua compleição física em si é índice do caráter de sua personagem, mas a isso ele acrescenta a execução quase perfeita de uma harmonia entre a modulação da sua voz, seu modo de caminhar, os movimentos da sua cabeça, sua face, das outras partes muito menos exigidas do seu corpo: e do seu figurino. Absalon, mais que Anne, em tese a protagonista do filme, é o que melhor, julgamos, representa o espírito da época em que se desenvolve a trama. Não que os anseios de Anne — que vive a buscar um idílio para além da moral familiar, e que, ao se tornar transgressora nesse nível, pode passar facilmente por única amante da liberdade e mártir da felicidade individual — sejam ilegítimos ou indignos de empatia. É que Absalon representa o desespero do homem que teme e treme, não diante da vida ou da morte, mas diante de Deus; representa aquela angústia do pecado, de que nos fala Kierkegaard, que somente experimenta aquele que tem consciência da queda. Nenhum tribunal ou fogueira do mundo é mais aterrorizante, para o crente pleno, que a punição derradeira reservada aos que forem condenados pelo supremo juiz no dia do último juízo. Ressoam na alma de Absalon os versos de Tomás de Celano:

“Iudex ergo cum sedébit,
Quidquid latet, apparébit:
Nil inúltum remanébit.” (MISSALE ROMANUM, 1962, p. 117).


Naturalmente, Anne também se angustia. Mas o objeto de sua angústia não é mais que o risco de uma relação amorosa interdita pelos costumes. Ela se revolta, mas trata-se de uma insurreição puramente sentimental, jamais luciferina; e ainda que também seja acusada de bruxaria, não podemos acreditar que suas intenções pudessem alguma vez atrair os poderes infernais. Anne transgride, mas para ela o incesto, sua vingança e o orgulho do seu auto-sacrifício serão consumidos com seu corpo nas fogueiras do século. Não repercutirão na eternidade. Anne é quase moderna. Para os modernos não existe o pecado, apenas o crime, que, em última análise, é para a modernidade, mesmo que ainda nos ofendamos com a idéia, uma mera questão de jurisprudência.

Do início ao fim o filme alude à mão austera e providencial do diretor, mas sem demonstrações gratuitas de autoridade. É a mesma mão que, por métodos rigorosos, havia domado a expressão dos sentimentos lancinantes de Falconetti em La Passion de Jeanne d'Arc (1928), e que por pouco não levou a atriz francesa ao colapso, numa espécie de implosão emocional. Mas, em Vredens Dag, Dreyer tenta dominar ainda um novo elemento: a voz; embora já tivesse realizado Vampyr (1932), tecnicamente seu primeiro filme falado, somente agora se inicia a conquista, que viria a se consolidar nos seus últimos trabalhos. Enfim, considerado em sua totalidade, pode-se dizer que Vredens Dag é um modelo não só de drama histórico cinematográfico, mas também — nos limites do gênero e para além deste — de esmero estético alcançado com economia de meios e a exclusão metódica do ornamento, sem prejuízo para o prazer dos olhos e a saúde do intelecto.

"O Encouraçado Potemkin", por Olga Ferraz


INTRODUÇÃO:
Momento histórico & Breve biografia de Sergei Eisenstein


Desde a Revolução de 1917 o governo bolchevique incentivou a realização de filmes que espelhavam: a força, o heroísmo e o moral do povo russo.

No dia 23 de Janeiro de 1898 nascia um futuro grande diretor, que marcaria para sempre o cinema soviético. Sergei Eisenstein estudou arquitetura e engenharia e juntou-se ao exército vermelho, mas teve sua iniciação nas artes por meio do Teatro Proletkult (movimento literário anti-burguês que surge em 1917 feito para o povo e que não mantinha relações com o governo. Duramente criticado pelo Partido Comunista em 1920, teve seu fim em 1923).

Seu primeiro filme foi junto a Dziga Vertov, que o contratou como instrutor. Vertov também foi importante no cinema soviético dos anos 20 e 30, lançando um movimento purista chamado Kino-Glaz, ou, Cinema Olho.

Aos 26 anos Eisenstein realizou A Greve e aos 27 seu famoso O Encouraçado Potemkin. O sucesso deste filme foi tão grande que o estúdio americano MGM chamou Sergei para gravar nos Estados Unidos. Com sucessivas experiências negativas e atritos, as coisas não deram certo e ele então decide regressar à Rússia. Ele imaginava que sua volta seria um "recomeço" da carreira, mas na verdade foi acusado de ter estado no capitalismo, recebendo muitas críticas e pouca receptividade.

Com todos os indícios de que sua carreira havia acabado, ele recebe então o convite para filmar Alexandre Nevski (uma produção anti-germânica). Logo depois, em 1944, foi escalado para ser o diretor de Ivan - O Terrível, que originalmente teria 3 partes, mas ao longo da produção muitos atritos ocorreram entre ele e Stálin, pois Eisenstein defendia a teoria de que a arte independe de política, governos ou partidos. Foram então gravadas duas partes do filme, e antes que a terceira fosse realizada Sergei veio a falecer, aos 50 anos de ataque cardíaco (Fev. de 1948) deixando inacabada sua trilogia.



O ENCOURAÇADO POTEMKIN
Resenha Crítica do filme


Numa Rússia Czarista onde as cidades se desenvolviam e o interior podia-se chamar ainda "feudal", era mais do que esperado que a população se revoltasse e exigisse mudanças. O filme de Eisenstein pontua um fato: A revolta dos marinheiros do maior navio de guerra russo, contra suas péssimas condições de alimentação. Esse é o mote usado pelo diretor para simbolizar como na verdade estava toda a estrutura do país em 1905.

O filme está divido em cinco partes, a primeira chama-se: Homens e Vermes e logo de início são mostradas imagens de ondas fortes quebrando em arrecifes, ou barreiras de corais, esta é uma cena muito significativa pois expressa o sentimento de revolta daquela nação. Ao longo da primeira parte veremos um médico atestando que a carne a ser feita de sopa está em perfeitas condições e que tudo não passa de reclamações vazias dos marinheiros. Eles então se negam a comer a sopa, e roubam os enlatados, reservados aos oficiais. Esse é o estopim da confusão. Os ângulos de câmera usados por Sergei para nos mostrar as sensações dos personagens são inovadores e ousados, nada mais de planos chapados como se fosse uma vista de uma peça de teatral, temos closes-ups, câmeras filmando de baixo para cima e uma montagem incrivelmente rápida e dinâmica. A exemplo disso entre os 13 e 14 minutos do filme podemos ver bem de perto o rosto de um marinheiro revoltado contra uma frase gravada num prato, e ao vê-lo quebrando-o, o diretor nos mostra a cena rapidamente de vários ângulos diferentes.

A segunda parte do filme é: O Drama no Porto do Tendra, onde toda a tripulação é reunida no convés do navio para ouvir Golicov, o Comandante. Ele então pergunta aos seus subordinados quem ali não está de acordo com a comida servida, e manda que a guarda mate todos os revoltosos. Neste momento há um entendimento entre classes e os guardas decidem ficar do lado dos marinheiros e combater os oficiais. Ao fim desta parte o líder dos marinheiros, Vakulintchuk é morto e levado em um pequeno bote ao porto de Odessa. A peculiaridade desse trecho se dá com o pastor, que se "esconde" atrás da cruz, e do nome de Deus por assim dizer, quando percebe que não seria poupado do combate, e finge-se de morto, simbolizando a falta de verdade e ética da religião.

A terceira parte do filme chama-se O Morto Conclama, e nela vemos cenas extraordinárias. Uma enorme procissão segue para velar o corpo do herói Vakulintchuk, e Eisenstein mais uma vez nos embevece com suas estratégias de câmera, como as cenas das escadarias e o mar de gente que por elas passava (exemplo: aos 42:55'), os closes nas pessoas que choravam e se comoviam diante do marinheiro morto (exemplo: aos 40:13'), os discursos feitos por homens e mulheres e a clássica frase: "Um por todos e todos por um!". O fim desta parte se dá mediante uma provocação feita por um burguês que sarcasticamente, percebendo o sofrimento geral, diz "Morte aos Judeus!". Ele é cercado e atacado pelo povo, desaparecendo no meio da multidão. A população decide fazer de fato uma revolução pela melhoria das condições de vida e esse é o gancho para a quarta parte do filme.

No início da quarta parte, A Escadaria de Odessa, vemos a ajuda da população para com os marinheiros: eles doam comida, sorriem para os recém chegados, a música exalta um clima de relativa felicidade, pessoas acenam, crianças participam da recepção e etc... Quando de repente os Cossacos chegam e iniciam um massacre, de homens, mulheres, crianças e idosos. Esta cena marcou a história do cinema mundial, pois além de grandiosa mostra a opressão e requintes da crueldade humana, como por exemplo, atirar numa criança, que depois é pisoteada e matar uma mãe que solta seu carrinho de bebê (este desce desabalado pela escadaria). Como resposta a barbárie sofrida o Couraçado destrói o Teatro de Odessa, e mais uma vez Sergei prova sua sagacidade nos mostrando o sentimento de choque do povo que minutos antes estava tranqüilo e feliz, através de uma metáfora de 3 estátuas de leões, cortando de um para o outro: um que dormia tranqüilo, outro ainda deitado mas já assustado e o terceiro já de pé (56:10').

A quinta e última parte chama-se: Encontro com a Esquadra e nesta cria-se um clímax reforçado pela correria dos marujos, closes nos pistões do navio que estão a todo vapor, músicas nervosas e aceleradas... Os marinheiros do Potemkin então mandam um sinal à Esquadra Czarista para que eles se juntem e tornem-se parte da revolução. A frase agora dita é "Todos contra um e um contra todos!", os canhões são erguidos e quando a batalha está na iminência de começar, as bandeiras de liberdade são içadas e o Couraçado pôde passar pela Esquadra pacificamente, representando a adesão dos outros marujos à causa da revolução.

O que se apreende e se aprende deste filme, é que além de ser um registro histórico de um momento da vida russa, Eisenstein inova com sua montagem veloz, seus planos inesperados e suas muitas mensagens subliminares que defendem a liberdade e a fraternidade, seja na política, na vida, ou mesmo nas artes. Ele definitivamente estava à frente de seu tempo, não se contentava com apenas um plano, simples e chapado, ele ia além, ousando e simbolizando com o que produzia.




REFERÊNCIAS:
Sites e Livros de consulta

http://www.terra.com.br/cinema/favoritos/potemkin.htm - Acessado em: 09 de Abril de 2011

http://www.adorocinema.com/filmes/encouracado-potemkin/ - Acessado em: 09 de Abril de 2011

http://pt.wikipedia/wiki/Serguei_Eisenstein

BERNARDET, Jean-Claude (1980). O que é Cinema. São Paulo: Brasiliense (Coleção Primeiros Passos ; 9)

MASCARELLO, Fernando (2006). História do Cinema Mundial. Campinas: Papirus

JÚNIOR FERRARO, Denerval (2008). 10 + do cinema. São Paulo: Globo

O Gabinete do Dr. Caligari Retrato abstrato da Alemanha pós-guerra, por Rodrigo Vasconcellos



O Gabinete do dr. Caligari é tido como um clássico do Expressionismo Alemão. Devido a toda uma extravagância e quebra de parâmetros desenvolvidos na época. Esse movimento teve início nas primeiras décadas do séc. XX, ainda no Império. No entanto, fez-se forte até então nas artes plásticas e teatro, chegando ao cinema apenas após a guerra. Esse primeiro momento foi marcado pela troca entre vanguardas europeias, culminando na formação de uma estética expressionista.

Em 1917 foi criada a UFA (Universum Film Aktiengesellschaft), grande truste da Europa que centralizou a produção, distribuição e exibição de filmes na Alemanha. Isso porque englobou as três maiores empresas cinematográficas alemãs. Com a Revolução de 1918 a empresa tornou-se de capital privado, não mudando sua essência conservadora e nacionalista, porém, agora dando mais ênfase a interesses comerciais. Mas, dentro desse cenário pós-guerra, a população alemã, em crise, não tinha condições de gerar o retorno pretendido. Sendo assim, a produção volta-se para o mercado externo. Todavia, como qualquer outro produto germânico, os filmes alemães não conseguiam circular internacionalmente devido ao bloqueio à Alemanha. Restringindo-se a poucas exibições em países neutros (referindo-se ao mercado externo). Só em 1921, quando a importação de filmes estrangeiros foi liberada (apenas 15%), os filmes alemães voltam a circular com mais força, reabrindo as portas do cinema alemão para o mundo. O Gabinete do Dr. Caligari é lançado internacionalmente nesse mesmo ano, já com impacto significativo.
Resumidamente, seu enredo consiste na chegada do Dr. Caligari (Werner Krauss) a uma pequena cidade, onde monta um circo e passa a apresentar um espetáculo em que Césare (Conrad Veidt), seu assistente sonâmbulo, adivinha o futuro das pessoas. Após a chegada do espetáculo à cidade assassinatos passam a acontecer. Tudo se complica quando Césare se recusa a matar uma moça, Jane (Lil Dagover). Ele é flagrado com ela e, em seguida, perseguido. Francis (Friedrich Feher), namorado de Jane, vai afundo na investigação do acontecido e descobre que o Dr. Caligari dirige um manicômio e aplica técnicas sonambúlicas experimentais do século XVIII em seus pacientes. Finalmente, chega à conclusão que é o próprio médico o mandante dos crimes, através do domínio de seu assistente sonâmbulo. Por fim, foi criada uma moldura cinematográfica pelo produtor (Erich Pommer) e pelo diretor (Robert Wiene), aonde essas conclusões a que Francis chega não passam de delírios e ele é internado como louco no hospício administrado pelo Dr. Caligari.

Criou-se uma polêmica em cima dessa moldura. Para os roteiristas (Hans Janowitz e Carl Mayer) a colocação de Francis como louco desestruturava a ideia central do roteiro que era exatamente a imposição autoritária e a obediência cega – No contexto alemão: Sendo a manifestação de uma autoridade exacerbada, onde são impostos vários conceitos, e o cego apoio e aceitação da sociedade -.

Esse filme foi importantíssimo na formação da estética expressionista. Isso porque inovou muito em relação à iluminação (jogo de luz e sombra), cenários e fotografias. Característica importante é a de que personagens e objetos, algumas vezes, transformavam-se em símbolos e causavam a impressão de que uma pintura expressionista estava a mover-se, efeito esse chamado de caligarismo.

Os cenários lembram telas expressionistas planas transpostas tridimensionalmente. Caminhos tortuosos e imprevisíveis. A maquiagem, sempre forte e chocante, é fator decisivo para interpretação dos personagens e suas emoções. Vêm acompanhadas de gestos longos e expressivos. Uma iluminação parcial, preponderantemente na frente das cenas, causando a impressão de pouca profundidade. Todos esses fatores, junto com a fotografia, criam um ambiente fantástico, ilusório. Lembram o gótico medieval, que também pode ser associado ao nacionalismo, sendo visto como raiz da arte alemã.
Essa produção definiu uma estrutura narrativa baseada na ambigüidade, com o intuito de dar margem a diferentes interpretações, minando tentativas de explicações definitivas.

Dito isso, ficam aqui explicitadas as peculiaridades sobre esta obra, O Gabinete do Dr. Caligari, e sua importância para o cinema alemão.

"Fausto", por Marco Aurélio Leal







Baseado na famosa peça de Goethe, Fausto, do diretor alemão F. W. Murnau, se inicia com a épica batalha entre o bem e o mal. O arcanjo impede o demônio de seguir para assolar o mal na terra. O diabo propõe ao arcanjo uma aposta: Caso ele consiga destruir o que há de divino em Fausto a terra seria sua, o arcanjo aceita.

Do momento em que o demônio abre suas negras asas sobre a cidade e lança a peste sobre a cidade, Fausto tenta incansavelmente encontrar uma cura para a mesma. A incapacidade do homem de vencer a doença faz com que o personagem-título rogue a Deus que o ajude.( Ideia que já havia sido utilizada em um filme anterior do mesmo diretor, Assim como em “Nosferatu” a peste é mostrada como uma praga trazida pela figura maligna para ajudar no seu intento)

Sem obter a ajuda divina pela qual clamava, fausto se revolta, o que da brecha para o Demônio (Intitulado Mefisto) iniciar a tentação. Uma vez que Fausto o Convoca ele oferece o poder de curar a população, entretanto seria um acordo temporário, de apenas um dia. Acordo feito, fausto começa a curar os doentes, mas ao ser incapaz de se aproximar de uma moça com um crucifixo, passa a ser acusado de pacto com o diabo, ele é apedrejado pela população. Fugindo para sua casa tenta se matar, sendo impedido pelo demônio, ao olhar o veneno começa a ser tentado pela juventude.

Uma vez que ele pede a Mefisto para ser jovem ele o faz em seguida, logo após isso, outra tentação, dessa vez uma mulher. Fausto pede para ser levado ao seu encontro e chegando lá ele a sequestra e foge, mas seu tempo de trato com o demônio está para se acabar. Mefisto o ameaça a trazer sua velhice de volta e corrompido pelo poder e pela juventude aceita um trato no qual o demônio servirá a ele em troca de sua alma.

Depois de ter provado os prazeres da vida que Mefisto podia lhe oferecer, Fausto se sente incompleto, por mais coisas que o demônio lhe ofereça ele permanece sem ação. Ele entretanto se sente tentado quando Mefisto lhe mostra a sua cidade. Indo para lá ele conhece uma moça chamada Gretchen, fica obcecado por ela desde o principio, o demônio tenta alerta-lo de que ela não é uma moça para ele, ele entretanto insiste e pede que Mefisto o leve até ela e a corrompa.


Conseguindo o seu intuito, o diabo começa a trair Fausto com armadilhas, Como contar para o irmão da moça que Fausto está no quarto dela, fato que culmina com a morte do irmão de Gretchen, assassinado pelo demônio, mas a culpa cai para Fausto. Gretchen é amaldiçoada pela população como prostituta.

Fausto realmente se apaixonou pela garota que passa por sofrimentos com um filho que teve dele. Numa noite fria ela pede para que alguém ajude seu filho que está doente e nenhuma pessoa da cidade a ajuda. A criança acaba morrendo e Gretchen é acusada de assassinar o próprio filho, nesse momento ela clama por Fausto que escuta e pede para ser levado ao seu encontro.

Ao ver sua amada indo para a fogueira, se desespera e amaldiçoa ter desejado a juventude, escutando isso Mefisto se aproveita desse fato para transformar Fausto mais uma vez em velho. Ele corre para a fogueira onde Gretchen está, os dois morrem queimados, fazendo com que o diabo aparentemente consiga seu intento. Indo cobrar a aposta ao arcanjo ele lhe diz que por Fausto ter morrido por amor, ele conseguiu quebrar o pacto.

Assim como “O Gabinete do Dr. Caligari” e “Nosferatu”, “Fausto” é um grande marco no cinema expressionista alemão que influenciou o cinema que se seguiu em diversos aspectos com seu jogo de claro e escuro e não apenas isso, mas também aos recursos tecnológicos como uma iluminação superior, efeitos de fumaça, entre outros. Último filme de Murnau na Alemanha antes que ele partisse para Hollywood a convite da Fox.

O Princípio do Cinema, por Angélica de Vasconcelos Ribeiro de Santana



O mundo vivia um período agitado, a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o nascimento do polêmico movimento Dadaísta em Zurique, o surgimento da Teoria da Relatividade de Newton. Em meio a tudo isso uma nova forma de expressão artística, que iria além do imaginário da época, começava a dar os seus primeiros e pequenos passos rumo a uma história permeada de descobertas e encantos.

Como seria possível imaginar uma arte que provém de uma máquina? Até então toda a forma de arte era quase orgânica, proveniente de experiências humanas impossíveis de serem datadas como a música a pintura e a dança, ou uma evolução de algo que já era conhecido há no mínimo milhares de anos, como o teatro e a literatura.

Num contexto de Revolução Industrial, as novas invenções eram recebidas pelo público com certo deslumbramento. Entre 1825 e 1895 diversas invenções “profetizaram” a chegada do filme, as exibições dessas eram dadas em feiras num ambiente quase circense. Em certos aspectos é bastante válido comparar o Cinema e o Circo. Assim como o Circo o Cinema foi uma forma de entretenimento abraçada pelo proletariado e subjugada pela classe rica.

Ainda nesse paralelo, vemos o aspecto itinerante das gravações e exibições fílmicas do primeiro Cinema, que viajava com os seus técnicos e equipamentos prontos a registrar a vida cotidiana a reapresentá-la de volta a seus personagens de forma relapsa.

A exibição nos Vaudevilles reforça essa ideia de show, de espetáculo. Esse ambiente era acolhedor ao público e propenso para apresentações variadas, logo os Lumiére viram nisso uma oportunidade de conquista de audiência. A primeira exibição foi no Gran Café em Paris, em 1895. Mas o local escolhido para a exibição não foi o único motivo para o sucesso dos Lumiére, o seu equipamento era mais leve e prático já que filmava e reproduzia, diferente das invenções de outros, como Edison com o Vitascópio e Kinetoscópio.

Esse novo mecanismo artístico apesar de estar baseado no que seria mais uma nova tecnologia da época, mostrou que também tinha algo de orgânico, de involuntário que se desenvolveu progressivamente na história. Falando estritamente da cinematografia Lumiére, se vistos os seus filmes em ordem cronológica, é possível notar um impulso inconsciente que levava o operador a pensar com cada vez mais cuidado onde posicionaria a câmera e qual seria o quadro a ser filmado. Esse impulso foi o gérmen natural da linguagem cinematográfica.

"O Gabinete do Doutor Caligari", por Pedro Queiroz



Após a primeira guerra mundial, a Europa estava devastada, em especial a Alemanha, que, através do Tratado de Versalhes, foi considerada a única culpada pelo conflito, tendo de pagar uma infinidade de indenizações, e reduzindo sua economia praticamente à estaca zero. Esse período foi um dos mais difíceis enfrentados pela população alemã, que viu sua moeda ser desvalorizada, e suas esperanças num futuro promissor pós-guerra, tinham se esvaído. O cinema alemão da época estava repercutindo bastante, porém, encontrava dificuldade de competir com o cinema luxuoso e extravagante de Hollywood. Para suprir essa carência econômica, os cineastas desenvolveram um novo estilo, utilizando de simbolismo e da encenação para dar um significado mais profundo e subjetivo aos filmes, abordando temas como a psique humana. Essa nova visão ficou conhecida como Expressionismo Alemão.

Oriundo da escola vanguardista expressionista, que teve início nas artes plásticas - onde pintores como Munch e Schiele traziam uma perspectiva totalmente subjetiva da realidade, distorcendo-a, tanto nas cores quanto nas formas, para evocar sentimentos e idéias – o movimento foi talvez o maior dos vários que sugiram no universo do cinema mudo.

O filme mais emblemático, e o primeiro do gênero a ser lançado, é O Gabinete do Doutor Caligari (Das Kabinet des Doktor Caligari, 1920). De forma resumida, conta a estória de Dr. Caligari, um psiquiatra louco, que utiliza da hipnose para tornar um de seus pacientes, Cesare, um sonâmbulo que obedece incondicionalmente a suas ordens. Assim, obriga-o a cometer uma série de assassinatos que chocam o vilarejo.

O filme revolucionou de várias formas o jeito de se contar uma estória. Foi o primeiro a trazer um prólogo e epílogo que inserem a narrativa em uma perspectiva subjetiva, onde o narrador, no caso, é um dos personagens. Dessa forma, o espectador ganha uma liberdade e facilidade maior para embarcar no universo do filme.

Essa ferramenta, na verdade, foi uma intervenção que não constava no roteiro, para adequar o enredo às exigências do público da época. Originalmente, a estória oferecia uma análise crítica da sociedade alemã, e principalmente à questão da autoridade. Sendo Caligari, o doutor, uma representação da figura do governo, e das autoridades em geral, e Cesare seria uma referência à população, frágil e sem possibilidade de contestar o poder do ‘doutor’.

Para solucionar esse impasse ideológico, foi inserido no fim do filme um final que mudava totalmente o sentido da história: fica explicado que o doutor era um homem sóbrio e respeitável, e o narrador da estória tinha inventado toda essa estória, sendo o verdadeiro louco da estória e termina internado no manicômio.

Além de inovações na estrutura narrativa, Doutor Caligari inovou também por questões estilísticas. Por se passar em um ambiente hostil, misterioso, e com certeza bem diferente do que estamos acostumados, os cenários do filme são todos pintados, e visam sempre contrastar o preto e o branco, em figuras com linhas inclinadas e ângulos oblíquos, pra dar sempre uma sensação de náusea, ou estranhamento. A fotografia acompanhou essa idéia de valorizar bastante o contraste, sendo o cinza muito reduzido, para dar espaço a preto e branco. Já na maquiagem, o cabelo preto e branco representa o aspecto ambíguo do doutor Caligari, e as olheiras absurdamente acentuadas no rosto de Cesare demonstram sua aparência de quase morto.

Esse foi talvez o primeiro filme a utilizar dessas ferramentas para revelar informações importantes do enredo e dos personagens nele inseridos. O Gabinete foi responsável por dar vida ao cinema alemão da época, sendo um impulso à produção de inúmeros filmes posteriores. Durante os anos, a estética do filme foi revisitada por inúmeros filmes, como os de Tim Burton e os do gênero noir.

"Nosferatu", por Ghita Galvão


Nosferatu (1922), um dos maiores filmes de F.W. Murnau, direção de arte de Albin Grau e fotografia de Fritz Arno Wagner, baseado no romance Drácula, de Bram Stocker inscrito em 1897, (foi a primeira adaptação da história para o cinema e é fonte de inspiração para adaptações posteriores como a de Coppola em seu Drácula de Bram Stocker) por conta da mulher do autor, que não liberou os direitos autorais, os personagens mudaram de nome e esta, além do tempo em que foi situada foi a única modificação em relação ao romance base. O filme está inserido na filmografia do Expressionismo Alemão (estilo da década de 1920), sendo inclusive, um dos filmes mais importantes do período, além de comentado e reproduzido até a atualidade.

O filme se inicia mostrando a vida de um jovem casal, Hutter e Ellen, em Wisborg (cidade alemã na época de 1938, onde não tinha sofrido as mudanças da revolução industrial), Hutter é um vendedor imobiliário jovem, ambicioso e cético que trabalha em um escritório, seu patrão (Knock), que por sua imagem estranha gerava desconfiança em toda a cidade, mas, como é dito no filme pagava bem os seus funcionários e para Hutter era o que importava. Sua esposa Ellen é uma moça simples, desprendida do material e que adora a vida, é um casal recém casado e apaixonado.

Ainda no início, Knock pede que Hutter ofereça a um conde romeno uma casa em Wisborg, pois este deseja se mudar para a cidade e sugere que seja a casa em frente a sua, assim sendo Hutter precisa viajar para a Transilvânia para se efetuar as transações, o que ele faz, mas somente com a promessa de muito dinheiro feita pelo seu patrão, pois Hutter pensa em dar o “melhor” para sua mulher, independente do que ela queira. Antes de partir para a terra de “ladrões e fantasmas” sua mulher pressente algo errado, mas cético e capitalista como Hutter é, não lhe da razão.

Em sua viagem à Transilvânia Hutter passa a noite em uma estalagem onde todos acreditam no fantástico e não saem à noite por medo das criaturas mágicas, ficam chocados ao saber do destino de Hutter, que em sua interpretação o levará à morte, aí Murnau se utiliza do recurso da parada da música, onde todos olham para o jovem rapaz, deixando um tom de surpresa e suspense na cena (a música é uma constante no filme, bem escolhida de acordo as ocasiões), é na estalagem também, mais precisamente no quarto em que passa a noite que Hutter encontra um livro chamado “Os Vampiros - Terríveis Fantasmas – Magia e os 7 Sinais da Morte”, o qual o acompanha até o fim da trama e acaba por ajudá-lo.

Continuando sua viagem, Hutter chega a um ponto em que os condutores de carruagens não avançam mais, por medo das criaturas fantásticas, sozinho, ele chega em fim ao castelo do conde Orlock, sem medo se instala e só percebe que o conde é um vampiro, depois que já foi sugado, e com a ajuda do livro, neste momento o conde já está atraído por sua mulher, Ellen, de quem vira uma foto, e decide ir para Wisborg deixando Hutter, que mesmo debilitado também toma o caminho de volta, na intenção de proteger sua mulher.

O conde Orlock pega uma embarcação para chegar à Wisborg onde mata todos os tripulantes durante o percurso, leva sempre seus caixões com terra do lugar onde foi concebido como vampiro para preservar seus poderes, poderes estes que controlavam a natureza e as pessoas. Hutter chega à casa pouco antes do navio do conde atracar na cidade, e quando este chega não é percebido (a não ser pelo servo do conde, e patrão de Hutter que acaba por ficar louco pela apreensão da chegada do seu mestre, Knock e por Ellen que já vinha tendo alucinações e prenúncios da chegada do vampiro), pois acontece de madrugada e a cidade está dormindo, o conde carrega seu caixão até a casa em frente a do jovem casal e lá se instala.

No outro dia, quando se da conta do navio e entram para ver o que aconteceu, percebem que nele não há vida, a não ser pelos ratos trazidos em caixões, colocam então a culpa na peste e assim se alastra uma epidemia na cidade, só Ellen percebe que a causa é, na verdade, o conde Orlock, quando ela lê o livro “Os Vampiros - Terríveis Fantasmas – Magia e os 7 Sinais da Morte”, percebe que é a única que pode salvar-se e salvar a cidade, assim sendo atrai o conde e então o destrói, pois já estava perto de amanhecer o dia, então o galo canta e o sol sai, não dando tempo para o vampiro se esconder.

A figura do conde é assustadora, em nada tem a ver com os vampiros que estamos acostumados a ver no cinema, é uma figura alta, magra, com braços e mãos desproporcionais, orelhas grandes e pontudas e olhos arregalados, é realmente uma criatura fantástica do Expressionismo Alemão.

A cenografia é obscura, tendo sido quase todo o filme gravado não em estúdio mas ao ar livre, o jogo de luzes é interessante o filme é feito em cores amarelas, azuis e vermelhas. Em ambientes internos à noite, o amarelo é a cor principal, na noite externa o azul e no dia externo o vermelho.

As formas dos elementos, principalmente arquitetônicos eram meio tortas, janelas e portas sempre em ângulos estranhos, além de existir sempre uma morbidez perpassando o filme todo. A sombra também é um elemento importante, pois ela torna-se um personagem à parte, como na cena em que o conde Orlock vai até o quarto de Ellen e a sombra deste a domina. E para finalizar o filme não é o mocinho que salva a mocinha e sim a mocinha que salva a si e a cidade da peste, ou seja, do vampiro Nosferatu.

O filme foi posteriormente, muito estudado, pois foi de extrema importância para o movimento em que está inserido e influenciou muitos outros filmes inclusive adaptações do livro de Bram Stocker, como a de Copola, além de adaptações do próprio filme (como o de Herzog, nos anos 70).

Os aspectos explorados a partir do filme são vários, como o progresso/retrocesso, contidos na luz/escuridão e na própria história, principalmente no romance base que foi descaracterizado, intencionalmente, no cinema, o romance se passa em fins do século XIX numa Londres da Revolução Industrial, já o filme se passa em 1838, numa cidade quase medieval da Alemanha, com Hutter representando a burguesia e o conde a aristocracia. A questão da mulher também é levantada e entra na briga entre burguesia e aristocracia, pois é ela que vence a aristocracia, a mulher representa a sensibilidade a vida, a morte a é mais sensível ao sobrenatural. Existe também no filme todo o desejo pelo mórbido e o amor incondicional, representado pelo casal, além do desejo de mantimento e exaltação da tradição alemã, iniciando um forte sentimento de nacionalidade, posteriormente exposto ao mundo.

O cinema expressionista alemão e seu legado para a cultura, por Diogo Condé Montenegro





No fim dos anos 10, a grande guerra teve o papel de encerrar a “Belle époque” e com isso fez o mundo cair numa era de imensa desilusão quanto ao homem e suas realizações, tornando os anos seguintes tempos de extrema melancolia e tristeza, era o período do pós-guerra.

Devido ao fato de ter se saído como a principal perdedora da grande guerra, a Alemanha vivia um momento difícil da sua história, com inúmeras crises em diversas áreas, dívidas enormes e alto grau de humilhação perante o cenário mundial, isso fez a população mergulhar num momento de puro desespero. Inspirado por essa descrença e tristeza, surgiu a versão cinematográfica do movimento expressionista alemão, que já estava presente em outros campos como pintura, dança, teatro e música.

Os diretores oriundos desse movimento buscavam usar temas que misturassem o sobrenatural com questões humanas, como traição, romance, loucura, agonia e angústia, tendo como grandes inspirações os contos de Edgar Allan Poe, Herbert George Wells, Julio Verne e os filmes de George Méliès.

Com orçamentos pequenos, precisaram ousar muito com recursos primitivos, e foi isso que os destacou. Os filmes expressionistas abusavam de técnicas de filmagem alternativas para a época, usavam maquiagem excessiva, pouca iluminação e cenários feitos para parecer sujos, tortos, fora da realidade.

Os personagens se vestem e se portam com extrema excentricidade, com figurinos extravagantes. As narrativas estão geralmente ligadas a perturbações psicológicas, com seus protagonistas quase sempre fora da realidade em que vivem, e quase que inevitavelmente mais exagerado e extravagante que os antagonistas.

Filmes como O gabinete do Dr. Caligari, O Golem, Nosferatu, A morte cansada, A última gargalhada consagraram o expressionismo alemão como um dos mais importantes movimentos cinematográficos do mundo por trazer de vez o sobrenatural para as telas de cinema, deixando um legado enorme para todas as artes. Esse movimento praticamente definiu o que chamamos hoje de cinema de horror, sendo também uma referência estética fundamental para o cinema noir. Notamos também a criação de uma identidade de vilões e de personagens soturnos para qualquer tipo de roteiro,seja teatral,cinematográfico,ou nos quadrinhos.


No campo da música, além de exemplos óbvios de uso da imagem, como bandas de heavy metal ou hard rock, temos artistas que utilizam nas harmonias e melodias com um tom expressionista tendo cada um o seu próprio estilo como Tom Waits, Nick Cave, Marilyn Manson, Nine Inch Nails.

Nas artes plásticas, além do próprio movimento expressionista propriamente dito, podemos ver alguns traços do expressionismo também na pintura surrealista, que procura explorar o uso da arte como forma de desafiar a realidade, não simplesmente imitá-la.

Os expressionistas mostraram como se fazer filmes estilizados e cheios de simbolismo sem a necessidade de grandes investimentos,oposto do cinema tradicional da época,e criou uma legião de fãs do obscuro,do soturno,criando uma nova geração de artistas e consumidores que passaram a ver as artes com outros olhos.

Infelizmente, a onda expressionista acabou cedo, com a perseguição feita pelos nazistas, que queria fazer os alemães se sentirem exaltados ao máximo, não queriam demonstrações de tristeza, foi aí que Hollywood ganhou qualidade expressionista na forma de filmes policiais na maioria das vezes, com a migração dos diretores alemães para os Estados Unidos, depois disso, os diretores foram explorar outras áreas do cinema, e o expressionismo se mantêm vivo em seu legado e contribuição às artes.

"O Golem", por Tales Maniçoba



Ao acabar de assistir ‘O Golem’, de Paul Wegener, só tenho uma coisa a dizer: estou passado! Lavado, enxuto, passado e engomado. Aí você me pergunta: Por que, Tales? E eu te digo que é impressionante que este filme tenha sido realizado em 1920 e possua estrutura narrativa, direção e montagem tão semelhantes ao que vemos em filmes contemporâneos. Além disso, os primeiros 30 minutos do filme são absolutamente incríveis e neles pude visualizar com nitidez tudo o que tinha lido sobre o cinema expressionista alemão, sem todo aquele exagero do “Gabinete do Dr. Caligari”.

‘O Golem’ é a segunda adaptação para o cinema, a primeira é de 1915, da narrativa clássica do pastor Loew, dirigida e estrelado por Paul Wegener e conta a história de um gueto de judeus em Praga, que ameaçados de serem expulsos do reino sob acusação de prática de magia negra, dão vida a uma criatura que os salvará desse temido destino. Na trama há ainda um lance romântico entre uma judia e um membro da corte que termina em tragédia por obra do Golem. Mas, sinceramente, a trama em si não me interessa tanto quanto as imagens desta obra e eu quero voltar aos seus primeiros 30 minutos.

O primeiro plano do filme, um céu estrelado com estruturas rochosas verticais tortuosas já nos transporta de cara a algum lugar irreal e, ao mesmo tempo, imaginável. Da ponta de uma dessas rochas que apontam para o céu, o rabino Loew observa as estrelas e prevê uma tragédia. Desse lugar mais alto eles desce por uma escada espiral e estreita esculpida em pedra, que forma um desenho orgânico e remete a entranhas. A partir daí o filme revela portas falsas, alçapões escondidos e lugares subterrâneos. Sendo assim, a casa do rabino Loew acontece em três planos, o mais alto onde ele pratica uranografia, o plano intermediário, onde a vida normal acontece e o subterrâneo onde o rabino faz magia demoníaca.

Há varias cenas no filme que me impressionaram e que dão realmente a ideia de um quadro expressionista em movimento. Há também a utilização de planos estáticos, mas com variação de luminosidade o que dá ao enquadramento um movimento bonito, delicado e sombrio. Uma das cenas que mais gostei foi a de um gato negro que atravessa um telhado e que se encaixa perfeitamente no contexto e no tempo no qual é inserida, trazendo o simbolismo, nesse caso de mau presságio, uma das temáticas do expressionismo que está presente em muitas sequências do filme, com a utilização, na maioria das vezes, de elementos simbólicos da cultura judaica em tamanho aumentado.

Outro ponto a ser destacado neste filme é a direção de arte como um todo: cenário, figurinos, maquiagem, objetos e efeitos especiais. Os cenários trazem elementos góticos e oníricos que transmitem uma unidade estética ao longo de quase todo o filme. Os figurinos também são estilizados e dão ares fantasiosos, remetendo de certa forma aos contos de fadas. A maquiagem é a típica do cinema expressionista, com destaque para os olhos, mas menos exagerada que em “O Gabinete do Dr. Caligari.” Os objetos são absolutamente perfeitos e dão total credibilidade ao enredo que se desenrola na tela. E, por fim, os efeitos especiais (Sim! Isso mesmo! Efeitos especiais!) me chocaram! Não imaginava me deparar com tantos efeitos especiais realizados de forma tão brilhante num filme de 1920, e por isso abro para eles um novo parágrafo.

Os efeitos especiais acontecem em dois momentos do filme: o primeiro onde o rabino Loew invoca uma criatura demoníaca, representada por um boneco, no intuito de dar vida ao Golem e o segundo quando o mesmo rabino vai à corte contar a história dos patriarcas judeus. No primeiro momento, os efeitos especiais consistem basicamente em luz e fumaça, além de chamas voadoras e no boneco-demônio que solta fumaça pela boca formando uma palavra no ar. No segundo momento o rabino Loew faz aparecer, num palco, uma tela de cinema com bordos recortados e irregulares, efeito que eu imagino ter sido conseguido através de colagem fotograma por fotograma. Esses efeitos são absolutamente críveis e não são, a meu ver, toscos como muitos outros de filmes mais antigos.

Outro destaque do filme é a interpretação dos atores que atende aos anseios da estética expressionista, mas de uma forma mais suave, não tão exagerada, havendo aí uma entrega do ator ao sentimento do personagem. A misancene e a iluminação são aqui colocadas a favor da criação de imagens que, como disse antes, me lembraram quadros expressionistas em movimento lento, num ritmo próprio, que transmite o sombrio e o fantástico. A fotografia de “O Golem” obedece aos ditames expressionistas, com a iluminação vindo de baixo e com a utilização perfeccionista da técnica chiaroscuro, que é um dos pontos fortes do filme, se traduzindo em imagens de força enigmática.
Sobre a temática do filme, percebo que ele segue a tendência do movimento do qual faz parte que é, de acordo com Kracauer, a da divisão da alma entre a rebelião e a submissão, em resposta ao medo da tirania e do caos.

É impossível não comparar, por fim, “O Golem” ao “Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene, expoente do mesmo movimento cinematográfico do qual aquele faz parte. Na minha opinião, “O Golem” atinge a perfeição estética no uso da técnica fílmica expressionista no sentido de que a combinação de seus elementos resulta num produto mais equilibrado que o “Gabinete do Dr. Caligari”, que é cheio de exageros, principalmente no que diz respeito aos cenários, maquiagem e atuação. Digo isso como bom libriano: equilíbrio é importante para mim e o exagero do “Gabinete do Dr. Caligari” me incomodou um tantinho assim. No entanto, o grande trunfo do filme de Wiene sobre “O Golem” é a construção do enredo e o seu desfecho, que no caso deste último, deixa desejar.

Encerro o texto reputando “O Golem” como um filme que deve ser visto, por proporcionar ao espectador belas imagens e um encontro próximo e suave com o intento do movimento expressionista alemão, além de ser, apesar de mudo, uma experiência cinematográfica muito próxima ao que temos com o cinema mais contemporâneo.