domingo, 17 de abril de 2011
NOTAS A PARTIR DE CALIGARI Por Matheus Cartaxo Domingues
"É aliás disso que eu gosto em geral no cinema: uma saturação de signos magníficos que se banham na luz de sua ausência de explicação."
Manoel de Oliveira
A coerência se encontra. Estando no escopo do cinema, cabe contar um caso de Otto Preminger: dizia ele que contratava os compositores musicais de seus filmes antes de começar a rodá-los, isto para poder levá-los aos sets a fim de que eles sentissem a atmosfera das gravações, reparassem em certas coisas a propósito dos atores, vissem como eram dirigidas as cenas. O resultado não seria uma partitura da cena transposta em música, ou seja, não se teriam duas cenas cuja soma, diz Preminger, é falsa: uma atuada pelo ator e, a outra, uma sinfonia. O método do realizador de A Ladra faz-nos crer que um filme quando bem sucedido representa o ponto de culminância de caminhos diversos - às vezes contrários – que em união, geram sentido, uma síntese. Rogério Sganzerla dizia que mise en scène é uma simbiose, e é dela de que falamos.
Preminger, Sganzerla, a esses nomes poderíamos somar outros dos grandes cineastas contemplativos do cinema: Joseph Losey, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Jean-Claude Brisseau, Werner Herzog. Seus filmes lançam olhares sobre materiais de base heterogêneos e por vezes refratados, porém isso não os impedem de atingir uma unidade. Em seus filmes, a interioridade repercute no mundo (À Sombra da Forca, O Raio Verde etc) e, tal como acontece ao som que se propaga no ambiente, uma trajetória existe: em algumas de suas obras assistimos a espetáculos de buscas, descobertas ou inclusive de desilusão, queda ou danação.
1920, ano de O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene. Epítome da estética expressionista no cinema alemão, obra onde as famigeradas deformações do cenário representam o ponto de vista peculiar de um personagem. No entanto, não há contemplação de mundo, pois não há o que se repercutir no espaço; as formas são literais, entregam a interioridade dos personagens e o filme não visa a nada exceto a elas próprias para se alimentar. A ostentação ornamental sufoca a fusão dos elementos, que é a mise en scène, e por isso escapa ao barroco fulleriano ou baviano onde “as formas parecem mudar a cada momento pelo saltitar inquietante e seu fluxo e refluxo apaixonado”. A coerência de Caligari, portanto, não é encontrada, é absolutamente inventada.
Talvez haja outras duas fortes tendências no cinema, arte que já surgiu sob a dúvida de ser ficção ou documentário: uma é a tendência Caligari – a qual se filiam David Lynch, Terrence Davies, o Scorsese mais recente -; a outra, homônima de um contemporâneo seu: uma tendência Nosferatu. A obra-prima de F. W. Murnau, por sua vez, contempla o universo no que este tem de mais inefável. O terrível vampiro é imanente em tudo: no tempo para se perceber as nuances das folhagens, no ar que preenche o espaço entre as árvores, no horror das expressões dos atores, nos claros e nos escuros do cenário. A arte de Murnau permite a cada pormenor do filme respirar livremente e assegura que seus mistérios se enraízem e que a fascinação pelos signos magníficos e secretos tenha vez.
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Magnífico texto.
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