domingo, 17 de abril de 2011

Decompondo um pesadelo, por Ícaro Navarro


Sombras e subjetivas projeções da realidade compõem essencialmente o que se chama de expressionismo no cinema. Animação do inorgânico e o terror completam o movimento, que nega a fútil representação da realidade, tal como ela é percebida, e em contrapartida projeta à como é sentida.

Uma estatua viva, poderosa e em volta em misticismo; uma dupla de personagens misteriosos, sombrios e bizarros; uma rancorosa e hostil criatura de aparência bestial, mas com trajes e personalidade humana. São respectivamente personagens e toques de terror em: Golem, O Gabinete do Dr. Caligari e no desenho A Bela e a Fera.

Ressaltando a estranheza destes seres, eles são únicos a interagir de forma coerente com o bizarro mundo que habitam: no castelo do desenho, portas e um pé direito colossais, somados a mesas infindáveis e corredores sombrios refletem o monstro anfitrião, que graças a seu tamanho e força monumentais, os transpõem com certa harmonia. E contrastam com pequeno porte de Bela, expondo sua solidão e desajuste; Golem dotado de enorme força passa por portas portões com relativa facilidade, em contraste com os habitantes do gueto que demoram e se esforçam para fazer-lo; da mesma forma Caligari e Cesare substituem a naturalidade dos movimentos por uma gesticulação que não flui, distorcida como as linhas do cenário.

As tais linhas do cenário são, neste caso e em Golem, uma assimétrica e desarmônica, submissão recíproca do horizontal ao vertical. Resultando em arcos e curvas, orientados diagonalmente, que se encontram em ângulos oblíquos. Este traçado é comum, por exemplo, a obra de Schiele, que retratava corpos angulosos e distorcidos. Em ambos os casos expressa-se emoções fisicamente, passando a sensação de desajuste e desalento.

No conto da Disney a reeducação da percepção, e a tomada pela visão interiorizante do mundo, é o tema central. Pois só leitura expressionista da fera, permite a resolução do conto. Esta visão da realidade aparece nas três obras, na exposição dos objetos, que ganham vida, como o Golem e os utensílios do castelo. E nas características subjetivas dos cenários, que negam enfaticamente a realidade dos sentidos.

Elemento que agrega expressividade nas duas obras de terror, ausente no conto de Bela, é o uso da sombra aliada aos elementos já citados, que completa a atmosfera de pesadelo própria do expressionismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário