sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Eu não amo Joana D’Arc, mas ela continua apaixonada" por Gustavo Ferreira


Quando Paulina Martins substituiu Paola Bracho, Carlos Daniel e todos os outros (tirando a Estephanie, a megera ciumenta) perceberam uma forte melhora. A maquiagem ficou mais discreta, ela parou de ameaçar a pobre Lizete com o colégio interno e aprendeu a sorrir. Dessa forma prova-se que usurpadores nem sempre são maus. O problema começa quando você tenta usurpar o lugar de alguém não tão mau quanto Paola, e, arriscaria, quase tão bom quanto Paulina – a saber, Jesus Cristo.


Esse foi o erro de Joana D’Arc – esse e aquele corte de cabela terrível, e aquelas roupas masculinas, e aqueles olhos deliberadamente esbugalhados para dar a sensação de que ela saiu agora de uma sessão de Carrie, a Estranha, e está com medo de pregar os olhos, exatamente como eu fiquei quando vi o filme.


Enfim, A Paixão de Joana D’Arc – filme tão antigo que teve como intérprete do papel-título a filha legítima da francesa mais famosa do mundo – falhou sob todos os aspectos na tentativa de criar a imagem de uma profetisa ou de emocionar, e ela ficou apenas com aparência de louca – como o Bruno Gagliasso no papel de Tarso na novela das oito.

Mas a maior falha da vida de Joana D’Arc foi, sem dúvida, participar de um filme mudo. Tantas vezes ela tentou falar, mas a ausência de um microfone engoliu o movimento de sua boca em legendas curtas, coitada, transformando sua defesa em vácuo, que talvez os jurados mais bem-intencionados tenham perdido a boa intenção junto com a paciência desperdiçada na leitura labial. Espectadores mais atentos conseguem, inclusive, ver que a pobre Maria Falconetti balbucia a famosa canção, tão cristã, da Amelinha, “Foi Deus Quem Fez Você”, que indubitavelmente a eximiria de todos os pecados e evitaria que fosse queimada. Mas – oh, destino – ela não foi ouvida!

Para provar que a mudez do filme prejudicou a coitada da mártir, comparemos com 12 Angry Men e toda a eloqüência triste de Henry Fonda, que salva o pobre do acusado da forca simplesmente alegando que não se pode ter certeza, que there’s a reasonable doubt (favor evitar comparação com To Kill a Mockingbird, porque um juiz que não acate qualquer argumento – QUALQUER ARGUMENTO - de Atticus Finch, mesmo com aquela voz tão profunda, não é digno de qualquer respaldo).

A Paixão de Joana D’Arc prova, devo acrescentar em digressão automática, duas coisas, sendo 1) filmes falados são mais legais, e 2) franceses são feios como o diabo, e as francesas se parecem com os franceses – Catherine Deneuve é uma marroquina disfarçada, suponho.
Mas, se Joana D’Arc era inocente das acusações que a levaram à fogueira, ela carrega em sua alma, no inferno, um peso maior que a tentativa de ser profeta: ela destruiu a carreira de Mark Twain, que gastou 14 anos de sua vida maravilhosa, cheia de Huck Finns, de Rãs Saltadoras e de Sawyers, com essa vadiazinha francesa que tem como mérito único ter liderado um exército (perdedor) de um país (perdedor) quando ainda vivia seu 17º perdido ano de vida – e o fato de ter sido a primeira pessoa a fazer isso em toda a história só seria realmente um mérito se ela tivesse vencido a Inglaterra. Se Joana D’Arc não tivesse existido, sabe Deus com quantos Huck Finns seríamos presenteados por um Twain ainda são, sem achar que sua pior obra – Personal Recolections of Joan of Arc – era, na verdade, sua obra-prima.

Quanto ao filme, ele tem absolutamente nada de novidade, a não ser os closes infindáveis que um dia gerariam as novelas da Globo – mérito? O enredo corta toda a história do julgamento, e não imaginamos em momento algum o que a fez sentar no banco dos réus – insinuam que ela está ali porque é meio lésbica e endemoninhada e blasfemadora, mas ignoram os crimes de guerra – talvez porque, na época, ainda não tivessem sido declarados os Direitos Universais do Homem, but who the hell gives a damn?
Agora, numa tentativa desesperada de explicar o filme e entregar tudo o que acontece, permitam-me:

Juiz pede que Joana abjure -> Não abjura -> Juiz insiste -> Abjura -> Juiz fica feliz -> “lol, tô brincano, abjuro naum”, diz Joana -> Juiz fica triste -> Juiz a sentencia à fogueira -> Joana morre -> Fim.

O que mais me incomoda na história de Joana D’Arc é, imagino, a incrível ausência de qualquer heroísmo real. Todo o heroísmo é do tipo after life, do tipo “amo a Deus sobre todas as coisas, e darei minha vida pra provar” – mas ela não dá a vida numa Cruzada ou numa luta contra os mouros. Ela dá a vida num tribunal, contra a própria representante de Deus na Terra, e quer ser católica. Faz-me rir, Joana. Faz-me rir muito sobre as cinzas do seu corpo.

P.s.: Se pensarmos numa alegoria mais interessante, em vez de Paulina e Paola, talvez caiba melhor o paralelo Rutinha e Raquel, sendo o espectador o Tonho da Lua (um retardado, que podia empregar seu tempo assistindo a Charlotte’s Web, que é muito mais bonito, e que tem uma morte muito mais tocante e heróica de uma aranha muito mais feminina que a Joana D’Arc do filme, porque, céus! – aquilo é quase a Maria Moura!

3 comentários:

  1. Acho muito legal o fato de eu discordar com quase tudo que Gustavo escreveu e, ainda assim, conseguir rir com seus comentários maldosos! (comentários maldosos possuem a incrível capacidade serem sempre mais engraçados: odiei a concorrência haha) Parabéns. (PS: eu sou a que fez a resenha versão boazinha de A paixão de joana darc, acho que em breve estará aqui.) hahaha =)

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  2. Aw, Yanna, que simpática. ;D

    Obrigado.

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