sábado, 9 de maio de 2009
"O Atalante" por Alan Tonello
Lembrado como o último trabalho e obra-prima de Jean Vigo – que morreu cedo, aos 29 anos – e marcando o início do realismo poético francês, “O Atalante” nos mostra, a princípio, a história de Juliette e Jean, recém-casados, que entram em lua-de-mel a bordo de um barco (L’Atalante) que navega entre os rios de Paris.
Jean (Jean Dasté), um aventureiro apaixonado por navegação casa-se com Juliette (Dita Parlo), uma moça simples de uma cidadezinha provinciana da França, e juntos vivem todos os sentimentos que um casal pode sentir. Vigo conta a história dos dois usando o mais sincero lirismo, fazendo com que o filme transcenda a classificação de romance e seja considerado uma verdadeira obra de arte, que expressa de forma poética o amor entre duas pessoas e a luta para aceitar as suas diferenças.
Jean e Juliette casam-se e logo embarcam no Atalante, acompanhados de Tio Jules (Michel Simon) e do garoto ajudante (Louis Lefèvre), onde passariam a lua-de-mel, apreciando as paisagens a partir das margens dos rios que cortam Paris. Por vir de uma cidade pequena e ter vontade de conhecer a metrópole, Juliette não consegue aguentar a restrição que acaba se tornando aquele barco, e numa noite, sem que o marido percebesse, ela foge cautelosamente com destino à cidade grande. Tomemos o barco como a relação do casal. Jean era o comandante, marido; Juliette, apesar de amar Jean, possuía essa vontade de conhecer o mundo há tempos, o que faz com que o barco, relacionamento, detenha-a naquele mundo de casada. No filme surgem elementos, como um mágico/vendedor de bugigangas (Gilles Margaritis) que encanta Juliette, e promete mostrar a cidade a ela, sendo um dos motivos pelo qual ela foge do barco para conhecer Paris. Ao descobrir a fuga da mulher, Jean fica extremamente chateado e enciumado, decidindo continuar sua viagem sem Juliette.
Tio Jules, personagem extremamente plural e contraditório, por suas características ao mesmo tempo infantis e adultas, sutis e extravagantes, inocentes e travessas, aparece como o pseudo-coadjuvante, que na verdade seria o principal para o entendimento da história de Vigo. Marinheiro, Jules conheceu o mundo e passou por muitas experiências. Conheceu muitas pessoas, fez amigos e os guardam na lembrança – ou até mesmo em um pote de conserva (vide cena em que Jules fala carinhosamente da mão de um amigo já morto que ele guarda dentro de um pote, e tem como lembrança de sua amizade) – estando entre a relação do casal como um conselheiro. Em uma das mais famosas cenas do filme, Juliette entra na cabine de Tio Jules e observa, fascinada, todas as quinquilharias que ele conseguira em suas viagens ao redor do mundo. Outro motivo pelo aumento do desejo de Juliette de conhecer o mundo: a vivência e experiência de Jules e sua capacidade de aceitar o mundo com suas diferenças.
Ao ver que Jean começa a ficar deprimido, como resultado de sua decisão de abandonar Juliette, e que não conseguia viver normalmente sem ela, Tio Jules decide procurá-la em Paris. Juliette agora se encontrava sozinha em busca de um modo de sobreviver, de um emprego, assim como tantos outros que tentavam sobreviver numa Paris afetada pela Grande Depressão. Neste meio termo, temos duas das cenas mais bonitas do cinema. A primeira, quando Jean mergulha no rio, com objetivo de encontrar debaixo d’água a imagem da amada, que dissera anteriormente que só assim víamos a imagem do nosso amor. Vigo utilizou de efeitos de sobreposição de imagens, que mostravam Jean e Juliette em um momento lírico/sentimental de desejo de reencontro. A outra é uma das mais sensuais (principalmente para a época – década de 30) cenas de amor não-consumado, na qual imagens de Jean e Juliette são intercaladas, mostrando-os em movimentos idênticos de reconhecimento do amor pelo outro e paixão efervescente.
Ainda que seja inovador, o filme tem o final esperado. Tio Jules encontra Juliette, e os dois voltam para o barco. Aguardando ansiosamente pelo retorno da amada, vemos um Jean arrependido, que faz a barba e se arruma rapidamente, na intenção de mostrar que seu ato foi injusto e de que, apesar de ter agido erroneamente, ainda a amava e estava disposto a reconquistá-la.
“O Atalante” transcende o filme de amor tradicional, resgatando o sentido verdadeiro do amor, do prazer, das relações de intimidade e do contato com o outro.
"Cinderela em Paris" (Stanley Donen, 1957) por Tássia Sobreira de Melo
O filme, um exemplar do gênero musical, conta a estória de uma garota chamada Jo Stockton, interpretada por Audrey Hepburn, uma atendente de livraria, inteligente, tímida e bonita que tem sua vida modificada quando é chamada para ser modelo. Quem a descobre é o fotógrafo da famosa revista de moda americana Quality, Dick Avery, interpretado por Fred Astaire, que logo se apaixona por Jo.
O estilo de vida daqueles que se interessam pelo mundo fashion não condiz com o de Jo Stockton e ela somente aceita o trabalho como modelo para não perder a oportunidade de ir a Paris e lá conhecer o filósofo Flostre, teórico da doutrina seguida pela garota. Porém, uma vez envolvida com o trabalho, ela aprende a gostar do que faz e termina por se apaixonar por Dick Avery.
Um ponto curioso do filme é a apresentação, através da revista de moda Quality, dos bastidores da Indústria Cultural. A teoria desenvolvida pela Escola de Frankfurt aparece como ponto de crítica e ao mesmo tempo com um toque de humor. Pelas palavras da editora chefe da Quality, Maggie Prescott, interpretada pela atriz Kay Thompson, é exposto o fundamento básico para o funcionamento de uma indústria onde a cultura torna-se material de consumo: a autoridade, principalmente dos meios de comunicação, para induzir de modo imperativo o desejo na massa e assim fazer com que essa consuma um objeto tido como “novo” ou “novidade”, mas que tem como característica elementar a fugacidade - pois assim a Indústria Cultural permanece em constante renovação.
"Cinderela em Paris" é um musical romântico cuja trilha sonora foi composta por George Gershwin. As músicas são alegres e românticas, embalando e direcionando a atmosfera do filme. É interessante analisar o momento em que ocorre a união da música com a dança. É um acontecimento fantástico, fora do mundo real em que se passa a estória.
Os personagens que estão envolvidos nesse momento parecem trocar uma cumplicidade única, eles se unem para extravasar hiperbolicamente sua emoção em um instante no qual tempo parece não existir. Sim. É um instante atemporal que só existe emocionalmente para aqueles que o estão vivendo, não se tratando de uma performance –diferentemente do que se pode ver no final do filme quando Maggie e Dick fazem de fato uma apresentação, esta possui uma diferença emocional por ser intencionalmente um “show” – dança e música são expressão dos sentimentos e desejos dos personagens, formam uma unidade simbólica.
quinta-feira, 7 de maio de 2009
"O noir e seus assassinos" por Lucas Andrade
O expressionismo alemão e a montagem soviética são exemplos de gêneros teorizados pelos seus realizadores, uma estética fora proposta e os filmes eram feitos a partir desse ‘tratado’ que havia sido discutido e firmado. O estilo noir, por sua vez, não existiu propriamente, ou pelo menos, não intencionalmente. Apenas depois de algumas realizações, o crítico francês Nino Frank, em 1946, percebeu a semelhança das obras e destinou a eles o rótulo de noir. Nesse conjunto de títulos, o elemento central é o tema do crime, entendido por muitos estudiosos como uma metáfora que retratava o mal-estar americano do pós-guerra (proveniente da crise econômica e da inevitável reorganização que o país sofreria com o fim do esforço militar). Para retratar essa realidade, o expressionismo alemão (por conta da grande quantidade de sombras, da deformação das perspectivas e principalmente dos profissionais que saíram da Alemanha e foram morar nos Estados Unidos) e a literatura policial (pelo uso de flashback e da narração em over do protagonista masculino) foram grandes influências do novo gênero.
O filme de Robert Siodmak (um imigrante alemão em solo americano), Os assassinos (The Killers), lançado no ano da rotulação, segue muitas das características básicas do gênero, porém, encontram-se pontos de dissonância. Na história, dois assassinos profissionais vão à pequena Brentwood à procura de Swede, conhecido no local como Pete Lund. Um rapaz que trabalha com Pete, Nick Adams, ainda tem tempo de avisa-lo da emboscada mas ele diz que está cansado de viver fugindo e continua deitado em sua cama, parecendo se entregar a morte que estaria por vir. Quando é achado morto, é intrigante o fato de sua espera desprotegida em um pequeno quarto por dois assassinos profissionais que iam eliminá-lo. As razões desta situação são traçadas por Jim Reardon, um investigador da seguradora, pois Peter tinha um seguro no valor de US$ 2.500 cuja beneficiária era Mary Ellen Daugherty, a camareira de um hotel em Atlantic City, que o conhecia por outro nome e tinha presenciado seu benfeitor tendo um descontrole emocional que quase o levou ao suicídio. À medida que a trama avança, se descobrirá traições e crimes ligados à máfia. Outro ponto importante no enredo é a bela e dissimulada Kitty Collins, a típica femme fatale dos filmes noir.
A partir do já citado tema criminal, a história se desenvolve exagerando nas sombras, com uso de flashback e narração em over. Esses dois últimos artifícios, no entanto, não são usados do modo convencional. Ao invés de um homem (geralmente o protagonista) narrar sua história e o filme mostrar suas recordações, o que acontece em Os Assassinos é uma variante dessa ‘regra’. Ainda existe a narração o os flashbacks, porém, são feitos a partir de várias pessoas. Fragmentos da lembrança de uns somados às narrações de outros resultaram, no final, no desfecho do filme. Outra característica pouco típica dos filmes noir encontrada na realização de Siodmak seria o fato de se passar numa cidade do interior, às vezes indo para cidades maiores, mas não explorando muito o lado macabro e sombrio das grandes metrópoles, como acontece, por exemplo, em A marca da maldade, em que a cidade está sempre vazia e suja. Essa parte dark das locações noirs foi uma grande influenciadora para a época e a partir delas houve criação de cidades fictícias como Gotan City e a cidade do pecado (Sin City), essa última mostrando que o seu prestígio não se esgotou naquele período e perdura até hoje (mesmo que seja mostrada de modo tão exacerbado).
Outra característica do filme que ainda é bastante presente no cinema moderno é a dualidade dos personagens. Em Os Assassinos, e no cinema noir em geral, se rompe com o star system e tudo que fora feito até então (em termos de construção de personagem). Foge dos arquétipos pré-definidos, não existem os maus e os bons, existem os que fizeram coisas boas e os que fizeram coisas ruins. Peter Lund, por exemplo, participa de um assalto e rouba seus próprios companheiros, porém, esse é o mesmo homem que vai preso pela mulher amada e que vive no interior sem fazer mal a ninguém.
Quando se leva em conta o roteiro, Os Assassinos segue uma curva dramática muito conhecida do teatro clássico e que depois foi teorizada para o cinema por Syd Field. Tem-se a exposição, o conflito e a resolução de formas bastante definidas. Na cena inicial até a morte de Swede se expõe o que será abordado no filme. Com o assassinato (o ponto de virada), o filme vai em direção ao seu clímax, e é nesse percurso que os conflitos acontecem, tenta-se resolver os problemas (solucionar a morte do protagonista). Quando todos se encontram na casa de Kitty Collins e as revelações finais são feitas (clímax), tudo se resolve (mesmo que tudo não termine tão bem assim, com a morte de muitos), soluciona-se o caso e situação volta ao normal, fazendo Jim Reardon voltar a trabalhar em sua seguradora.
Talvez por seguir tão bem essa fórmula que, em alguns momentos, o filme soe falso. Quando Blinky Franklin, um dos ladrões que participa de um assalto com Pete, começa a contar sua história na maca de um hospital como se estivesse tendo lembranças do passado, ele está preste a morrer, meio desacordado, sua fala sai como se estivesse dormindo. Porém, o personagem fala tudo que o detetive buscava saber. A forma como se obtém essas informações, por meio de um semimorto delirando, parece ser a única maneira que o autor encontrou de botar o espectador a par dos fatos, e talvez por isso, não passe a segurança necessária.
Esses pequenos deslizes não tiram o brilho e a boa estrutura da obra, fazendo de Os Assassinos um clássico noir até hoje. A obra consegue por em prática boa parte das ornamentações do gênero sem ser clichê, pois, nos momentos que foge às características básicas do seu estilo, é apenas para tornar a obra mais completa e adequada ao espectador.
"Aconteceu naquela noite" por Diogo Didier
“Aconteceu Naquela Noite” (It Happened One Night, 1934) conta a história de Ellie Andrews (Claudette Colbert), filha mimada de um banqueiro, que foge do seu pai para se encontrar com o seu “verdadeiro amor”. Nessa fuga, ela termina conhecendo um jornalista, Peter Warne (Clark Gable). Esse encontro cheio de humor muda, completamente, a vida dos protagonistas.
O filme dirigido por Frank Capra, cineasta que fez história no cinema hollywoodiano, foi o primeiro a conseguir os cinco prêmios mais importantes do Oscar – melhor filme, diretor, roteiro adaptado, ator, atriz. É, também, o grande sucesso do gênero que serviu de influência para as atuais comédias românticas, o Screwball Comedy.
A narrativa começa com Ellie viajando no barco do seu pai. Ela está fazendo uma greve de fome, pois o pai não quer que ela se case com o homem que ela ama, um piloto famoso. O primeiro diálogo que ela trava com o pai é repleto de insultos de ambas as partes, algo bem aceitável atualmente, mas, para aquela época, é estranho, e engraçado, ver a filha chamando a família do pai de idiota. Os insultos, aliás, compõem boa parte dos diálogos no filme.
Ellie se joga do barco e vai em direção a rodoviária, enquanto seu pai destaca um grupo de pessoas para procurá-la. Na cena seguinte, ela compra o bilhete do ônibus para Nova York e o outro protagonista é apresentado. Peter Warne, o jornalista, está bêbado e falando ao telefone com o seu ex-chefe. Pela conversa, entende-se que ele acabou de ser demitido. Ele entre no ônibus para Nova York e, depois de uma série de situações inusitadas se senta ao lado de Ellie. Começa aí uma briga de gato e rato, pois ela está determinada a seguir sua viagem sem perturbação, e ele se satisfaz em vê-la irritada. Há um certo interesse da parte dele, mas nada muito intenso, ainda. A relação deles segue com Peter tentando ajudá-la, mas Ellie sempre recusando. Ela tenta acreditar que consegue fazer tudo sozinha, mas percebe que não é possível. Isso fica evidente em uma cena que o casal está no meio do mato e Peter a deixa só por alguns instantes.
Em certo momento, Peter descobre que tem um furo jornalístico que, certamente, vai empregá-lo de novo. Ele vê que Ellie é a filha que fugiu do pai milionário. Assim, ele diz que está ajudando-a por puro interesse profissional.
As melhores cenas do filme se passam a partir do momento que eles fingem que são um casal de verdade. Já é claro que eles se amam, mas não podem ficar juntos, pois são de mundos diferentes e ela está comprometida. Desse modo, além de um lençol, a “Muralha de Jericó” – comparação usada por Peter –, criando uma barreira entre as suas camas nos quartos em que dormem para dar privacidade a cada um, há todas essas questões morais.
Há, ainda, meia dúzia de complicações e, perto do final, a história parece não querer (ou não saber como) acabar, pois os personagens não param para conversar e esclarecer situações, aparentemente, simples. A narrativa, assim, termina perdendo a sua veia cômica que dá espaço às cenas melodramáticas. A impressão que fica é que a duração do filme extrapola o seu tempo real – 105 minutos.
Por isso, esse filme ainda carrega um pouco do grande problema das Scewball Comedies – bem menos do que outros filmes do gênero como “Levada da Breca” (Bringing Up Baby, 1938): as situações se prolongam demais e fórmulas são repetidas dentro de uma mesma cena. Há, ainda, cenas que são desnecessárias para a narrativa como um todo e atrapalham o seu desenvolvimento porque, simplesmente, fogem da história e não acrescentam nenhum ponto importante. Esse seria o caso do momento em que estão todos no ônibus cantando.
Apesar de o roteiro escorregar no final, a fórmula de humor bem elaborada do início
e a excelente atuação de todo o elenco principal fazem com que quem assista a esse filme, mesmo que não goste do gênero, tenha bons momentos de risada garantidos. Algumas cenas são realmente impagáveis como a que Peter está na estrada tentando mostrar a Ellie como conseguir uma carona. Além disso, o uso do som compõe, também, os pontos positivos do filme. A ambiência sonora é bem elaborada e esse som ambiente é bem mixado aos diálogos. Vale lembrar que o som sincronizado só estava no mercado cinematográfico há 7 anos. A falta de música extra-diegética pode causar estranhamento aos mais atentos, mas não faz falta nessa obra. Há, ao invés disso, canções que os personagens cantam em momentos de grande felicidade o que é interessante, pois as canções só vão aparecer com predominância no cinema duas décadas depois (houve exceções, principalmente, nos musicais).
"O Atalante" por Annyela Rocha
Quatro filmes, 29 anos de vida e o reconhecimento garantido para sempre na história do cinema. Esse foi Jean Vigo, parisiense admirado pelos grandes cineastas e que iniciou o movimento de cinema conhecido como realismo poético francês.
Um dos apaixonados pela obra de Vigo foi François Truffaut. Em um texto de 1970, Les Films de ma vie, Truffaut contou que Jean Vigo uma vez foi aconselhado por um amigo a dar uma pausa em seus trabalhos de cineasta. A resposta do jovem diretor foi a de que ele tinha a sensação de que precisava fazer tudo logo, imediatamente, ou não haveria tempo. Ainda bem que ele seguiu a intuição que sentia: o pressentimento tinha razão de existir, pois quando seu último filme estreou, L’Atalante, Jean Vigo já não estava mais vivo.
E é sobre filme de 1934 que falarei aqui. A crise econômica mundial instaurada em 1929, fez com que na França surgisse uma nova onda de cineastas independentes. A temática social foi abordada pelos filmes dessa época, mas a ideia era mesclar esses problemas numa espécie de sonho. Mostrar o real e fugir dele ao mesmo tempo. Essa característica do realismo poético se apresenta claramente em O Atalante (título brasileiro da obra francesa).
L’Atalante conta a estória de Juliette e Jean. Dita Parlo é a responsável pela personificação da femme-enfante em sua interpretação de Juliette. Camponesa, embarcando em uma viagem pelo mundo, ansiosa pelas novidades e com carinha de inocente. Ar de infantil numa adulta, e em um dos filmes mais erotizados da época. Erotizado porque é possível notar que entre os recém-casados Juliette e Jean a atração é mais física do que qualquer outra coisa. Eles mal se conhecem e, em várias cenas, descobrem um ao outro mais na cama do que em outros lugares. Jean, interpretado por Jean Dasté, é um temperamental apaixonado que, de início, se toma por desejo e ciúmes e, depois, entra em profunda depressão quando perde sua amada.
O jovem casal está em lua-de-mel na embarcação chamada O Atalante e não só tem de se acostumar com a convivência, mas aguentar esse cotidiano juntos dentro da barcaça e longe do contato com outras pessoas. Ainda por cima, há o restante da tripulação para dividir o mesmo espaço. E aí é que está um dos grandes personagens já feitos: Le Père Jules, ou Papa Jules, interpretado por Michael Simon, o velho ajudante do capitão.
Papa Jules navega há muito tempo e conhece, além das mulheres, as sutilezas de muitas cidades do mundo. Às vezes rabugento e outras bastante dócil, Jules vai se acostumando aos poucos com a presença da “patroa” e com o fato de que agora o seu chefe está casado. Uma das sequencias mais bonitas da narrativa é o momento em que Juliette entra no quarto do velho marinheiro. Há caixinhas de música, bonecos, pôsteres, porcelanas, lembrancinhas alegres dos locais que Jules já visitou. Juliette fica admirada e se envolve por aquilo tudo. Papa Jules tira a camisa e mostra também as tatuagens que tem em seu corpo. “Elas me aquecem”, ele diz. Para tirar a felicidade dos dois, Jean entra no quarto enciumado e reclamando com tudo, quebrando muitos dos objetos que Jules havia guardado.
Jean se enche de ciúme em outro momento do filme, quando visita a cidade com Juliette e um comerciante se encanta por ela. Cansada de estar no barco e curiosa, Juliette sai do Atalante e vai à Paris, onde além de conhecer a cidade luz, poderia talvez rever o comerciante. Com raiva, Jean parte para seu próximo destino e deixa a esposa sozinha na cidade.
Apesar do encantamento pelo local, Juliette também nota a pobreza existente ali e a brutalidade da “vida real”. Essa coisa “feia” da vida se mostra também em outros momentos no filme, nos próprios personagens. Afinal, a estória trata de pessoas comuns, pobres, que não veem a realidade o tempo todo com olhos amorosos. É isso, no entanto, que tornam as cenas delicadas mais bonitas, porque quando uma vida cansada encontra algum conforto, aquilo se torna muito especial. O velho Jules demonstra essa ideia muito bem. Ele conhece o mundo, mas conhece na verdade o lado marginal dos países, teve uma vida de muito trabalho e tem muito carinho pelos gatos ou pelos objetos do seu quarto: isso consegue tocar bastante o espectador.
Distantes um do outro, Juliette e Jean percebem a falta que o outro faz. Eles precisam estar juntos como nunca imaginaram. Agora os dois sentem a mesma coisa. As idas e voltas que os fizeram chegar a esse ponto é a poesia do filme. E essa poesia está numa realidade sentida por todo casal, ou toda pessoa, quando se resolve partir para uma grande mudança (para eles, o casamento).
A embarcação, o velho Jules, a inocência de Juliette, tudo metaforiza essa situação de mudança para um casal. Assim como o barco, o relacionamento pode ser bem conduzido ou não. Às vezes uma chuva traz um caminho inesperado, da mesma forma, a vida de casados. O velho vê os jovens e é capaz de saber o que é melhor para eles, a experiência permite prever situações.
Boris Kaufman foi o diretor de fotografia dos filmes de Jean Vigo (inclusive este). Para Kaufman, os trabalhos que realizou com Vigo foram um “paraíso cinematográfico”. A fotografia de Boris nesse filme é inovadora, é delicada, é bela. Traduz o amor em suas imagens.
As atuações são excelentes, em especial a de Michael Simon. A narrativa é simples e bonita. A leveza faz com que este seja considerado por muitos críticos um dos dez melhores filmes já feitos. A única coisa a lamentar quando se assiste ao L’Atalante é que ele tenha sido o último filme de um diretor tão brilhante.
"Laura" por Ruana Pedrosa
É considerado um filme Noir, graças a algumas características apresentadas no filme.
Na década de 1940 surgem os filmes Noir, que se inspiram nos fortes contrastes fotográficos do expressionismo alemão e nos contos policiais da época da Grande Depressão.
“Laura” é um romance da escritora Vera Caspary, que descreve a investigação do suposto assassinato de uma jovem publicitária encontrada morta em seu apartamento. O detetive Mark McPherson começa entrevistando Waldo Lyndecker, que utiliza outro fator presente nos filmes do gênero: uso de flashbacks, retomando suas memórias de como conheceu Laura. Waldo era um famoso jornalista e foi procurado pela personagem para participar de uma propaganda de canetas, não aceitando no primeiro encontro e sendo até grosseiro com a moça procurou-a depois se tornando uma espécie de degrau para o futuro profissional da publicitária.
É apresentada assim outra característica marcante do estilo, a dualidade das personagens, não existindo pessoas inteiramente boas ou más, ou seja, a ausência do maniqueísmo.
Mark continua a investigação entrevistando o noivo da vítima Shelby Carpenter, um bom aproveitador e a tia de Laura, Ann Treadwell, onde desconfia da existência de um caso entre os dois.
Durante todo o trabalho o detetive fica fascinado por sua vítima, chegando a dormir em seu apartamento, apreciando seu retrato. Laura entra em sua casa e se assusta com o estranho que revela o que estava acontecendo. Mark descobre que a verdadeira vítima tinha sido Diane Redfern, uma modelo que também tinha um caso com o noivo de Laura. Passam a ser suspeitos o noivo, a tia, Waldo e Laura.
A investigação continua até Mark descobrir que Waldo é o assassino, cometeu o crime na intenção de matar Laura e confundiu-a com Diane. Waldo então tenta completar seu crime e é impedido por Mark, que descobre onde a arma do crime foi escondida e consegue prender o assassino e ainda fica com Laura.
O filme é um típico Noir, pois apresenta tantas outras características que o relacionam. E é agradável de assistir pelo suspense e as surpresas apresentadas na tela. A fotografia é realmente contrastante e ambígua sobre a personalidade dos personagens, digna de ser indicada e vencer ao Oscar junto de outras categorias também indicadas, mas não premiadas: Melhor Direção de Arte, Melhor Diretor, Melhor Roteiro e Melhor Ator Coadjuvante Clifton Web, Waldo.
A atuação dos atores é muito bonita, mas é um pouco difícil entender o amor que quase todos têm por Laura. Talvez o fato dela ser a femme fatale da história deixe-a mais interessante. E o fato do cinismo do Waldo é muito especial, dando comicidade a um personagem que no final do filme é o “assassino” da protagonista.
A história é urbana e retrata elegantemente os lugares onde os personagens estão, nada é alegórico ou superficial a sociedade da época.
A trilha sonora forma um bom conjunto com as imagens, principalmente a primeira música do filme “Laura” de David Raksin, que é apresentada na primeira sequência onde aparece o apartamento de Laura, seu retrato e continua com a narração de Waldo sobre sua morte.
Um filme sutil, elegante, bonito.
"O Atalante" por Vitor Lima
Realizado na década de 30, o Atalante consegue ser bastante diferente dos filmes de sua época, principalmente por fugir da história convencional (muitas vezes feitas como “receita de bolo”), como eram os filmes clássicos ou até um pouco mais adiante nos filmes Noir. Isso não quer dizer que o enredo surpreenda e seja completamente envolvente, tem acontecimentos bastante comuns, até, mas é evidente uma nova forma de contar os fatos e entreter o espectador, tornando os filmes de Vigo bem singulares.
Talvez esse fato se realize por ser utilizado, e até “inaugurado”, o realismo poético em seus projetos, seja em outros como “Zero em conduta”, na sua linda e envolvente cena da guerra de travesseiros, ou em várias cenas do próprio “O Atalante”. Este merece bastante destaque porque chega a ser muito contraditório dizer que ele é realista, pois os personagens são bem caricatos, atuações exageradas, teatrais ou circenses, o que normalmente quebraria o sentido de real das cenas, mas, se sentirmos o filme ao invés de racionalizá-lo, o realismo se torna bastante presente no sentido das seqüências serem ligadas ao cotidiano, muito simples, como muitas vezes a vida se parece. Ao fato de ser poético ainda se torna mais complicado dizer, racionalmente, que “O Atalante” o é, porque muitas vezes não é evidente esse sentido nas cenas (em exceção de algumas, como a que Jean se joga no mar e encontra a pessoa amada, sendo uma cena completa tanto para a história, evidenciando o amor dele por Juliette, quanto para os olhos de quem assiste), mas é perceptível uma “aura” diferenciada, que o filme se envolve no real e no subjetivo ao mesmo tempo.
Dessa maneira, justamente para dar esse tom de real/poético, o filme prefere ser minimalista, não exagerando na maquiagem ou no figurino, sendo uma história de amor do cotidiano, contextualizada na lua-de-mel do casal em um navio com interferência de amigos e das brigas casuais, mas, claro, os dois acabam juntos e felizes. O recurso que mais contribui para o filme, podendo ser até considerado narrativo, transcendente da tela, é a fotografia, por ser justamente através dela que o diretor conseguiu tornar possível a união do viés poético e real, envolvente e emocionante, do filme.
Assim, por mais que muitas vezes pareça, ou até seja em algumas partes, comum para a atualidade esse filme de Vigo, se faz necessário pensá-lo mais subjetivamente, pois ele tem muito mais para contar do que parece, principalmente imageticamente. Talvez a partir dele fique ainda mais claro para muitas pessoas o que grandes teóricos defendem ao dizer que é preciso, também, sentir o filme ao invés de somente assisti-lo.
"Pacto de Sangue" por Evandro Mesquita
"Pacto de Sangue" é definitivamente um filme noir. Primeiro porque é em preto e branco, segundo porque há nele patologias: uma mulher, a femme fatale, apaixona-se por um homem para cometer crimes prometendo-lhe sexo e dinheiro. Porém, ao final não consegue nem o dinheiro nem a mulher como ele próprio diz em sua confissão. Vale lembrar que no romance naturalista há a idéia de subir na vida “passando por cima” ou mesmo matando o mais fraco, tudo isto inspirado na ideologia pos-darwiniana da evolução das espécies: “Só os fortes sobrevivem”. No naturalismo o homem age por instinto como se animal fosse e em sendo animal não possui raciocínio algum. Kubrick, mais tarde (1968) ilustraria tal evento em 2001, Uma Odisséia no Espaço, quando o macaco mostra-se melhor e mais forte, ao encontrar um osso e dele fazer uma arma para matar outras espécies, para sobreviver. Os protagonistas em Pacto de Sangue querem “sobreviver” em suas necessidades amoroso-sexuais, bem como financeiro-sociais.
Walter Neff, interpretado pelo ator Fred McMurray, matou um homem. Fez isso por dinheiro e por uma mulher. Entretanto, ficou sem o dinheiro e sem a mulher. Bem-sucedido corretor de seguros tem a vida destruída por causa de um capricho arquitetado pela sensual e diabólica Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck). Neff e Phyllis tiveram um caso de amor... E planejaram um crime: mataram o marido dela. Com Pacto de Sangue, o diretor Billy Wilder fez de um manifesto de culpa e consciência um dos pilares das fitas de mistério, uma espécie de paradigma do film noir. Walter Neff está arrependido. Após uma seqüência de acontecimentos macabros, ele sente a necessidade de confessar, contar tudo. Em vez de fugir imediatamente, resolve ir ao escritório onde trabalha, ligar o ditafone e falar. É sua voz que narra todas as cenas de flashback que vêm a seguir.
A estória do filme foi baseada em um crime da vida real que aconteceu em Nova York, em março de 1927 perpetrado pela dona de casa Ruth Snyder e seu amante, o vendedor de roupas íntimas de 32 anos de idade, Judd Gray. Ela persuadiu o seu “baby” a matar o marido Albert, editor da revista Motor Boating, após a contratação de um seguro cuja apólice era de 48 mil dólares com uma cláusula de dupla indenização. (Daí o título original do filme Double Indemnity). Porém o crime foi descoberto e ambos foram presos e executados na cadeira elétrica em 1928.
Desse evento real foi publicado em 1930 o romance Double Indemnity, do escritor James M. Cain. Por se tratar de uma estória que mexia com temas, para a época, chocantes como adultério, corrupção e crimes arquitetados, a maioria dos executivos de Hollywood relutou em produzir o filme cujo enredo lhes parecia perverso e amoral até 1943, quando o diretor Billy Wilder manifestou seu interesse.
Nem tudo é macabro em Pacto de Sangue. Encontram-se personagens mais, digamos, simpáticos. Um deles é Lola, a filha de Dietrichson (ela faz revelações surpreendentes sobre o passado da madrasta). O outro é Barton Keyes (interpretado por Edward G. Robinson), o investigador da companhia de seguros, colega de Neff. Ele é descrito como um sujeito turrão, superprofissional, celibatário, cínico e bondoso. Resolve praticamente todos os casos que caem em suas mãos e, para isso, tem a ajuda de uma voz interior, a quem ele costuma chamar de “homenzinho”. Essa voz lhe assopra conjecturas e palpites cada vez que algo não parece "cheirar bem". E o Caso Dietrichson não cheira bem. Teria ele a certeza de que Neff está mesmo envolvido? No começo, chega a suspeitar do colega, sim. Neff fica espantado ao escutar o próprio nome mencionado em observações que Keyes gravara no ditafone acerca da investigação. Existe, porém, uma afinidade quase de pai e filho entre os dois (exacerbada pelos diálogos finais). O velho detetive não parece aceitar que seu protegido seja o culpado daquele crime tão banal e sórdido, que ele tenha se deixado envolver por uma mulher tão fria e inescrupulosa.
"Realismo poético? Uma poesia" por Camila Nascimento Martins
“Um excesso de infância é um germe de poema”
Gaston Bachelard
Ao assistir Zero de Conduta (Jean Vigo, 1933) tive a mesma sensação de suspensão no tempo que sou acometida quando me chegam novos poemas. Os poemas que me agradam, naturalmente. O filme me emocionou deveras e gradativamente. Foi uma descoberta cinematográfica: a denúncia de uma dura realidade, pero sin perder la ternura jamas. Clichês à parte, eu nunca havia visto nada parecido. O tom de uma leveza infantil equilibra a narrativa de sofrimento tão pesado vivido pelas crianças no internato como o que o próprio cineasta passara sua infância.
Vigo remete-se a este período de sua vida e nos poetiza suas adultas impressões. Bachelard em seu “Devaneio Poético” defende a permanência, na alma humana, de um núcleo de infância, uma infância imóvel, mas sempre viva, fora da história, oculta para os outros, disfarçada em história quando a contamos, mas que só tem um ser real nos seus instantes de iluminação – ou seja, nos instantes de sua existência poética. O filme é o poema de um adulto que revisitou sua criança.
As elipses, as lacunas, os silêncios, a solidão conseguem revestir os sintéticos 40 minutos de filme de um ritmo poético onde há espaço para as devidas interpretações e sensações. A única liberdade possível àquelas crianças era o sonho, o devaneio. Como ser criança e viver em condições de cárcere sem recorrer à ilusão, à imaginação? Com mágica e com palhaço, resolve Vigo. Mas num levante onírico (cena das mais belas que eu já vi), elas se rebelam e concretizam suas ânsias de liberdade sonhadora de cima do telhado com livros velhos e botas sujas enquanto armas. Belo equilíbrio.
O filme fora censurado à época e talvez tenha entrado num estágio de latência, no sentido de que seu efeito histórico fora sufocado na ocasião de seu lançamento deixando seu germe de poema se desenvolver na posteridade, no eterno hoje das nossas infâncias em potencial.
Emoção e intriga: realismo poético? Sim. Vigo nos faz a leitura meiga de uma realidade árdua. Acidez e doçura nas devidas dosagens. Uma poesia.
"Jean Vigo" por Rafaella Costa
Jean Vigo nasceu em 26 de abril de 1905, em Paris. Teve uma infância difícil, sempre com saúde debilitada. Seu pai faleceu misteriosamente numa prisão quando Vigo tinha apenas 12 anos e sua mãe o abandonou, deixando-o passar por vários internatos.
Em “Zero de Conduta” (Zero de Conduite, 1932) onde trabalhou com o fotógrafo Boris Kaufman, é clara a influência de sua vida em sua arte. O filme trata das dificuldades enfrentadas pelos garotos de um internato. Na bela cena dos meninos e os travesseiros, vi de alguma forma refletida ali a minha sensação da eternidade da infância. Um momento representando na desaceleração do tempo o lirismo da infância atingindo seu ponto mais alto. Aquela sensação de liberdade inocente que só se tem quando, ainda crianças, não somos atingidos por qualquer dificuldade que não possa ser vencida pela inocência de um olhar ou virtude de um sorriso.
A história de “O Atalante” (L’Atalante ou La Chaland qui Passe, 1934), seu primeiro longa-metragem, me atraiu de primeira por uma particularidade curiosa: um jovem casal recém-casado partindo em um barco para viverem suas vidas juntos pelos canais de Paris. Uma história que se comparada a outras do gênero, se difere logo por seu início, onde normalmente seria o fim de tantas delas. As dificuldades de adaptação a uma nova vida, dribladas com a aceitação e admiração, é um assunto pouco explorado pelos filmes que se detém a mostrar a vida de duas pessoas, as dificuldades pelas quais passa seu relacionamento e por fim o casamento como “o fim” dos problemas. No entanto, Vigo ultrapassa esse pensamento e com realismo somado a sua profunda sensibilidade, é capaz de mostrar em “O Atalante” os sentimentos acima da história e dos próprios personagens, sem desmerecer obviamente nenhuma dessas duas peças importantes do filme. “Acho que O Atalante é subestimado por verem nele um tema menor, um tema “particular” que se opõe ao grande tema “geral” de Zero de Conduta. (...) Qual era o segredo de Jean Vigo? É provável que vivesse mais intensamente que a média das pessoas.” escreveu Truffaut a respeito do filme. Segundo o próprio Truffaut, Jean Vigo consegue unir duas grandes tendências do cinema: o realismo e o esteticismo.
Em seu quarto e último filme, Vigo contou com a participação do memorável Michel Simon como Père Jules, o velho lobo-do-mar, que também atuou brilhantemente como o juiz de “A Paixão de Joana D’Arc” (Dreyer, 1928) e como o criado em “Tire-au-Flanc” (Renoir, 1928), e com a bela Dita Parlo no papel de Juliette.
O cineasta por diversas vezes tinha seus filmes censurados. Ao falecer precocemente aos 29 anos, próximo à estréia de “O Atalante”, não teve tempo de impedir que seu filme fosse cortado pelos produtores.
Apesar de sua curta filmografia, Vigo sempre irá ser admirado por seu trabalho belíssimo e por sua simplicidade carregada de sentimento. Seu realismo poético e seu lirismo são marcas que o fazem ter o merecido reconhecimento como o “Rimbaud do cinema”.
terça-feira, 5 de maio de 2009
"Aconteceu naquela noite" por Rayssa Costa
“Aconteceu naquela noite inauguraria um subgênero da comédia americana chamado de “Screwball Comedy”, com ritmo rápido e diálogos inteligentes.” (2002 NostalgiaBR – Geraldo Azevedo)
"Algo vivo, ativo, palpitante; um produto excitante como o champanhe, o café ou o chá enfim, um dos raros presentes que nossa civilização ainda é capaz de nos dar". (Jean George Auriol)
Lançado em 1934 e dirigido por Frank Capra, Aconteceu naquela Noite é tido como o primeiro grande filme da screwball comedy, ou na tentativa de tradução para o nosso bom português, a comédia amalucada. Isto é uma questão que a meu ver deve ser confirmada. Capra, sem dúvida alguma, soube fazer muito bem esse tipo de narrativa. Juntou o ator Clark Gable, canastrão de primeira, e a atriz Claudette Colbert, em um roteiro rápido e divertido. Por esse filme, que não era esperado como uma grande produção, o diretor conseguiu o feito de ganhar os cinco principais prêmios do Oscar (são eles: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor ator e melhor atriz).
Aconteceu naquela Noite conta a história de uma mulher, Ellie Andrews, que foge para ir ao encontro do seu marido. Ela tinha casado secretamente com um desafeto de seu pai e agora este queria promover a anulação da união, alegando que o genro era um canalha interessado apenas no dinheiro de sua família. Em sua fuga, Ellie embarca em um ônibus para Nova York. Em seu trajeto, a protagonista do filme conhece o jornalista, recentemente desempregado Peter Warne. Daí por diante, os dois se aproximam e juntos entram em uma série de encrencas. O final da história eu não preciso dizer, preciso?! Tudo termina em... AMOR.
E em que parte entra a comédia amalucada nisso tudo? No roteiro do filme, claro. Caracteriza-se por scewball comedy filmes que são comédias cujos temas beiram o absurdo, de diálogos rápidos que mantém uma cadência ágil, com piadas ligeiras e desfechos criativos. O gênero tem a sua base na estética verbal da Broadway e que os encenadores levaram para Hollywood quando muitos se tornaram realizadores de cinema.
Com a entrada em vigor do Código de Produção, em 1934, a screwball comedy recebeu uma nova potência já que o Código proibia que os filmes abordassem assuntos controversos a época, o que criou o cenário perfeito para as piadas e trocadilhos típico deste gênero.
Visualmente, a comédia amalucada se dá em cenários cheios de glamour, típicos da arte deco, onde o humor físico e verbal providência a intimidade necessária para o amor.
É tido como um gênero de sucesso que integra as convenções da afetação francesa aos ritmos trepidantes dos Estados Unidos. No caso de Aconteceu naquela noite, é um filme que vale a pena ver.
"O Falcão Maltês e Noir - os Olhos do Cinema Expressionista nos Estados Unidos" por Tiago Bacelar
O movimento expressionista morreu no final dos anos 20, mas continuou a influenciar o cinema do mundo nas décadas seguintes. Sua influência estética mais marcante foi nos filmes de horror de Hollywood e no movimento noir, além é claro de ter sido fincado nos trabalhos de renomados diretores como John Huston, de O Falcão Maltês, produzido em 1941, inspirado no romance de Dashiell Hammett, com Humphrey Bogart (Sam Spade) e Mary Astor (Brigid O`Shaughnessy).
O cinema noir é derivado primeiramente dos crimes violentos cometidos durante a Era da Depressão Americana. É importante ressaltar que muitas das novelas, romances e histórias de crime da época viraram inspiração por parte dos produtores do cinema noir.
Esse movimento foi marcado por produções em preto e branco, sombrias, e claramente inspiradas no cinema expressionista alemão, devido a fato de grande parte da produção (atores, diretores como Fritz Lang, Billy Wilder e Robert Siodmak, figurinistas, dentre outros) desses filmes ter se mudado para os Estados Unidos, por causa do Nazismo de Adolf Hitler. Eles trouxeram técnicas desenvolvidas por eles na Alemanha, principalmente a dramaticidade e a subjetividade do ponto de vista psicológico. Tanto os heróis como os vilões dos filmes noir, eram cínicos, desiludidos e, freqüentemente, solitários e inseguros, fortemente ligados ao passado e indiferentes quanto ao futuro.
Os personagens dos filmes noir têm uma característica caricatural, aonde encontramos nas histórias, detetives durões, mulheres fatais, policiais corruptos, maridos ciumentos e agentes de seguro. A ação se passa normalmente em Los Angeles, Nova Iorque ou São Francisco e a moral dos filmes noir tende sempre a serem decisões pretas no branco, ambíguas e relativas, melhor que simples. Os personagens possuem um valor moral absoluto, aderindo ao provérbio de que os fins justificam os meios.
A grande maioria desses filmes prima pela presença de múltiplos flashbacks com narração em off, e fotografia dramática em preto e branco com tons escuros e sombrios. Em termos de estilo e técnica, o filme noir caracteristicamente abusa de cenas noturnas, internas e externas, com cenários que sugerem realismo e com uma iluminação que enfatiza as sombras e acentua o clima de fatalidade. O termo francês cinema noir (filme sombrio) foi aplicado pela primeira vez para os filmes de Hollywood pelo crítico Nino Frank em 1946.
Pode parecer incrível, mas muitos atores e diretores americanos na época não sabiam que estavam criando algo diferente. Isso só seria notado décadas depois por historiadores de cinema e críticos americanos. O cinema noir é o resultado de combinações de gêneros e estilos, com origens na pintura e na literatura. De acordo com James Monaco do site American Film Now, “o cinema noir não é um gênero, e sim um estilo visual. Não aceito quando outros críticos colocam o cinema noir como um modo de produção ou um círculo”.
Nos Estados Unidos, os filmes noir pincelaram diversos elementos narrativos das histórias de detetive e de crimes, criadas pelos escritores Dashiell Hammett, Raymond Chandler e James M. Cain, e popularizadas em revistas como a Black Mask. O Grande Sono e Assassine meu Amado de Chandler e O Falcão Maltês de Hammett são notáveis filmes noir. Apesar de não ser considerado um filme noir, Cidadão Kane, produzido em 1941 por Orson Welles, carrega em sua essência, no desenvolvimento, muitos elementos desse estilo, particularmente no visual de algumas seqüências e na complexa estrutura narrativa dirigida pela voz de um narrador.
O cinema noir teve como ícones os atores Robert Mitchum e Humphrey Bogart. Muitos historiadores colocam as décadas de 40 e 50 como o período clássico do cinema noir, sendo o filme Estranho no Terceiro Andar, de 1940, o pioneiro, e A Marca da Maldade, produzido por Orson Welles em 1958, como o último. Muitos diretores se destacaram no cinema noir como: Nicholas Ray, Robert Siodmak, Jules Dassin, Edward Dmytryk, John Farrow, Samuel Fuller, Henry Hathaway, Alfred Hitchcock, Ingmar Bergman, Phil Karlson, Fritz Lang, Joseph H. Lewis, Billy Wilder, e Robert Wise.
Para Andrew Dickos, autor do livro The Street with no Name: a History of the Classic American Film Noir:
"O cinema noir ainda não recebeu um reconhecimento por parte da comunidade crítica e por isso tem dificuldades de ser classificado de forma definitiva. É complicado referir o cinema noir como um ciclo de filmes que acabou se destruindo por si mesmos. Eu colocaria o noir como um período, onde foram produzidos filmes com histórias situadas no período pós-depressão com cenários essencialmente urbanos."
Os filmes noir tendem a usar sombras dramáticas, contrastes sombrios, iluminação baixa, e película em preto e branco, tipicamente tendo por resultado uma relação de 10:1 da escuridão à luz, melhor que à relação mais típica de 3:1. As sombras dramáticas dão molde à fisionomia do ator ou da atriz, como se eles estivem olhando para fora de uma janela, um visual típico dos filmes noir e que hoje é um clichê usado por diversas produções.
O cinema noir prima também pelo uso de lentes com ângulos largos para aumentar o efeito da cena filmada. Outros dispositivos usados pelo cinema noir para confundir o espectador são o uso de espelhos múltiplos e de tiros que saem através do vidro. O crime, geralmente assassinato, é um elemento da maioria dos filmes noir, cometido freqüentemente pelo ciúme, pela corrupção e pela fraqueza moral. A influência do Cinema Expressionista Alemão ajudou o noir a entrar para história do cinema como um estilo marcante, sombrio e assustador.
“Você deve se tornar Caligari!” por Paulo Faltay
O primeiro filme de terror os espectadores não esquecem. Nem o cinema. Com cenários sombrios e estranhos, trilha sonora bem executada e maquiagem e interpretações carregadas para o exagero e o obscuro, O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinett des Doktor Caligari, Alemanha, 1919/1920, 71 min.), de Robert Wiene, apresenta os elementos que vão influenciar e constar em quase todas as posteriores produções do gênero.
A história é simples, contada por um prólogo e amarrada no final por um desfecho surpreendente. Inicialmente, somos remetidos, por meio de uma conversa, a uma pequena vila na Alemanha. O médico do título é um senhor que viaja por feiras de atrações bizarras com a sua criatura: o sonâmbulo Cesare. Em suas apresentações, Caligari afirma que Cesare está há 23 anos sem acordar. Porém, em uma exibição, na cidade de Holstenwall, Cesare é desperto e faz uma previsão agourenta a uma pessoa da platéia: o homem não viverá mais do que um dia. A previsão se concretiza e o assassinato do homem acaba sendo relacionado a uma série de nebulosos crimes. O médico e o monstro logo são vistos como suspeitos e passam a ser investigados por Francis, amigo da vítima em busca da verdade sobre a misteriosa morte.
O oculto, o sombrio e uma ambiente em que a aberração e o estranhamento prosperam são as grandes características do filme. O cenário, construído em papel para baratear os custos da produção, é definido por traços, desenhos e proporções irreais, sendo semelhante a quadros e obras de arte da estética expressionista. O que se configura não só em uma preocupação plástica, mas algo que enriquece a narrativa e expõe o estado psicológico em que os personagens estão envoltos. É um cenário do mundo interno, e não de fora.
A trilha sonora que permeia todo o filme é outro instrumento importante para a construção de significados. O desespero mental e o comportamento atormentado de Caligari são retratados com uma realidade incrível. A sensação é ainda mais forte nas cenas dos flashbacks, quando o diretor do hospício mergulha na sua loucura. O arranjo sonoro da cena do ataque à noiva é excelente, compondo uma dos momentos mais tensos do filme.
O exagero dos atores e na maquiagem também são pontos destacáveis. Conrad Veidt, como o sonâmbulo, marca o filme com sua forte interpretação. Sua expressão é passada através dos movimentos mecânicos e de um olhar distante e maligno, elaborado, principalmente, pelo contraste da maquiagem. O impacto do encontro de cores fortes, característica do expressionismo nas artes plásticas, é traduzido aqui no contraste claro/escuro, na época, o máximo que a técnica permitia.
Defenestrado como alienante e escapista, assim como toda a estética expressionista, Caligari possui uma leitura política que pode passar despercebida. Sem ser panfletário, o filme capta muito bem o espírito do tempo da Alemanha, no pós Primeira Guerra. Caligari é um manipulador de um corpo com uma alma opaca, adormecida. A obra parece um misto de libelo e advertência contra a possível manipulação do corpo social por um tirano. O inimigo não é externo, pelo contrário, é psicológico, alimentando-se da fragilidade emocional. É um assustador prenúncio dos anos que vieram a seguir.
O final coroa a obra. Um dos primeiros finais-surpresa do cinema, se não o que inaugura esse expediente, é aterrorizante e ambíguo. Sem som, o letreiro “Du musst Caligari werden! (Você deve se tornar Caligari!)” contribui para deixar o espectador inquieto. Seria tudo fruto de uma mente atormentada ou o poder da manipulação iria além do ponderável?
"Relíquia macabra/O Falcão Maltês" por Henrique Vieira
Anos 40. É fim de tarde. Uma sala mal iluminada num pequeno prédio em San Francisco abriga dois escritórios. Ambos ligeiramente bagunçados, cada um com um telefone escuro e diversos papéis jogados. Atrás de um deles, a figura mítica de Humphrey Bogart, cabelo engomado e terno ajustado, prepara um cigarro. Uma secretária entra.
Sem dar-se a pena de olhá-la, o galã indaga “sim, querida?”
“Uma senhora está aqui para você. O senhor vai querer vê-la: ela é linda!”
Com um pequeno sorriso sarcástico ele diz: “Claro, então… Deixe-a entrar, deixe-a entrar…”
***
É de detetive “canastrão” que Humphrey Bogart estrela o filme “Relíquia Macabra”. Não seria nada demais, visto que este tipo foi tão recorrentemente usado no cinema-noir americano, não fosse o fato de apontarem “Relíquia Macabra” como o primeiríssimo filme noir da história. Contemporâneo de filmes clássicos como “…E o vento levou” e “Casablanca”, “Relíquia Macabra” é o primeiro filme que vai reunir os elementos comuns ao que ficou conhecido posteriormente como filme ‘noir’.
A história se passa nos anos 40 em San Francisco. Um detetive particular, Sam Spade (Humphrey Bogart), recebe uma mulher que o contrata para encontrar sua irmã desaparecida. Rapidamente, Sam perceberá que a mulher mentiu para ele, que não há nenhuma irmã e que o caso envolve muito mais coisas e pessoas. É que diversas pessoas estão atrás de um misterioso ‘falcão negro’, relíquia dos cruzados que estaria repleta de jóias, e estão dispostas a tudo para conseguí-lo. Sam vai se ver envolvido nessa trama e terá que se safar das acusações de assassinato que lhe foram feitas.
Todos os ingredientes do noir estão presentes no filme: O herói é um detetive particular cínico, ‘canastrão’, bom apreciador da companhia feminina mas que no final das contas não luta pela mocinha, colocando o dinheiro à frente de seus interesses. A protagonista não pode ser considerada ‘mocinha’: ela é dissimulada, mente para conseguir o que quer, está longe de ser ‘inocente’ - o que ela mesmo confessa no filme. A trama vai se desenrolando numa verdadeira ‘corrida aos mistérios’, cada mistério levando ao outro, numa narrativa que, apesar de misteriosa, se mostra finalmente bastante linear. Podemos perceber o quanto a narrativa privilegia o herói, deixando-o em situações bastante confortáveis como por exemplo quando o falcão negro aparece praticamente ‘de graça’ em suas mãos o que lhe dá um grande poder de barganha com o resto dos personagens. Ou ainda em coisas menores como a certa falta de competência do capanga do inimigo que permite a Sam de sempre controlar a situação no final das contas. Mas estas coisas ficam por conta da licença poética.
O que pode ser interessante observar neste filme-ícone do cinema noir, de mais de 60 anos – e que praticamente introduziu os conceitos conhecidos no cinema noir – são as diferenças conceituais de época. Quanto à femme fatale, por exemplo, além da óbvia diferença entre os padrões de beleza e de sensualidade entre a época do filme e a de hoje, o seu ‘desvio de caráter’ é muito mais ameno do que já se fez comum retratar em filmes hoje em dia. O que quero dizer é que já se representaram, no cinema, mulheres muito mais sem caráter, ambiciosas, e dissimuladas do nesse filme. Ou seja: para o conceito de femme fatale que ele mesmo introduziu, o filme se vê ultrapassado pelo seu tempo. Isto pode ser verificado também quanto à ingenüidade dos vilões. Por mais que seja o filme noir que tenha introduzido a idéia do personagem ‘mafiosos’, inescrupuloso, que comete crimes e corrupção, a forma de se desenvolver personagens parecidos nos dias de hoje é muito mais carregada de realidade do que nos primórdios do filme noir. Tomando como exemplo a ‘Relíquia Macabra’, os vilões são por demais ‘ingênuos’ se comparados com a realidade. E, no entanto, foram eles que, primeiros, introduziram esses tipos no cinema americano.
segunda-feira, 4 de maio de 2009
"O(s) martírio (s) de Joana D'Arc" por Luiz Marcos de Carvalho
1) Um pouco de História.
Joana D’arc nasceu em Domremy-la-Pucelle, em 6 de janeiro de 1412 e morreu em Rouen(Ruão) em 30 de maio de 1431, portanto aos 19 anos. É conhecida como a donzela de Orleans é a santa padroeira da França e foi uma heroína da guerra dos cem anos entre França e Inglaterra.
Comandando um exército de cerca de 4.000 homens ela consegue a vitória sobre os invasores, que culminou com a libertação de Orleans, que, há muito tempo, estava em poder dos ingleses. Após a libertação de Orleans, os ingleses acharam que os franceses iriam tentar a reconquista de Paris ou da Normandia. Em vez disso, Joana propôs que os franceses deveriam iniciar uma campanha ao longo do rio Loire. Os franceses assim fizeram e em junho Joana e seus comandados venceram uma série de batalhas: Jargeau, Meung-sur-Loire e Beaugency.
Em 1430, aprisionada pelos borguinhões, Joana foi entregue aos ingleses em Compiègne. Foi julgada herética por um tribunal eclesiástico e queimada na fogueira, em Rouen, no ano de 1431.
O impulso, entretanto, estava dado. Os franceses, incentivados pelo martírio de Joana D’arc, bateram os ingleses em Formigny (1450), tendo conquistado a Normandia e grande parte da Gasconha. O fim da guerra é marcado pela batalha de Castillon, em 1453, quando foi capturada a cidade de Bordeaux, último reduto inglês.
2) O filme O Martírio de Joana D’Arc
Título original: La Passion de Joana D’Arc
Ano de produção: 1928
Diretor: Carl Theodor Dreyer
Fotografia: Rudolf Maté ( o mesmo de o Gabinete do Dr. Caligari).
Elenco: Renée Marie Falconneti, Eugène Silvain
O filme, considerado a obra-prima do diretor Carl Theodor Dreyer, mostra os inúmeros sofrimentos pelos quais passou a mártir Joana D’Arc, desde sua prisão até sua terrível execução.
Existem algumas lendas e histórias relacionadas com a produção do filme. Um delas dá conta que todos os negativos do filme foram perdidos e que apenas um rolo em bom estado foi encontrado muito tempo depois.
O filme é ainda silencioso e pode ser dividido em três episódios: prisão, julgamento e a execução.
Duas características são bem marcantes no filme: o uso freqüente dos close-ups e a performance da atriz M. Falconetti. A utilização dos closes é muito apropriada, uma vez que o autor almeja descortinar o íntimo dos personagens, juízes e vítima, revelando suas emoções mais profundas. Como se quisesse chegar o mais próximo possível das consciências ( e até do inconsciente) dos envolvidos. Quanto ao desempenho da atriz principal, jamais havia visto no cinema tanta expressividade como vi em seu rosto, principalmente no olhar. O seu olhar é belo, profundo e eloqüente e me manteve cativo e fascinado durante toda a projeção.
Um crítico afirmou que André Bazin acreditava que o som teria melhorado o filme. Ouso discordar do grande teórico francês do Cahiers du Cinema, pois penso exatamente o contrário: que as palavras diminuiriam a força expressiva de Falconetti. O som poderia deixar o filme mais leve, mas sem dúvida, o tornaria menos impressionante.
3) Observações finais
Para os jovens acostumados apenas ao cinema moderno, com seu ritmo frenético, seu som estéreo, seus efeitos especiais, é compreensível que um filme como o Martírio de Joana D’Arc possa ser enfadonho e desagradável.
Foi o que ocorreu com pelo menos um dos jovens alunos da sala o qual externou seu desagrado em relação ao filme, principalmente à atriz, de modo contundente em sua resenha, por sinal, muito bem redigida, que se constituiu, a meu ver num novo martírio, motivo que me levou a colocar o título no plural.
Peço permissão, todavia, para discordar do colega, pois penso que ele se preocupou apenas com a forma em sua resenha e descuidou muito da veracidade do conteúdo. Caso a intenção fosse apenas elaborar uma peça literária, irreverente, bem apurada na forma e sem compromisso com a verdade histórica, então seu trabalho estaria perfeito.
Mas, como suponho que não é esse o caso, gostaria de tecer alguns comentários a respeito, pois, a meu ver a heroína da França foi mais uma vez condenada injustamente.
Começando pelos fatos históricos, porque a França seria um país perdedor? A guerra dos cem anos terminou com a expulsão dos ingleses do território francês, portanto, nesse caso foram os ingleses os derrotados. Também como vimos, Joana D’Arc comandou diversas batalhas em que derrotou os ingleses. Por que seria ela uma perdedora? Seria, porque ao final morreu executada nas mãos dos seus inimigos? Penso que quem perdeu mais com sua morte foram os próprios executores, e, de certa forma toda a humanidade, pois mostrou muita baixeza e crueldade. Como o ser humano é capaz de tamanha vileza e perversidade como as que cometeu com Joana D’Arc, com Giordano Bruno e com muitos outros que foram queimados vivos nos tempos da inquisição? E ainda por cima, em nome de Deus?
Além de afirmações contrárias à verdade histórica, a resenha do colega contém colocações bizarras, como a de que a mulher francesa é feia e que Catherine Deneuve seria apenas uma exceção. Ora, a beleza, é um atributo muito relativo, muito subjetivo, de modo que não se pode demonstrar, geralmente, qualquer verdade definitiva em relação a ela. Além disso, a beleza e o charme da mulher francesa ( para não falar no seu perfume) são proclamados há muito tempo e por muitos.
Há também, na resenha em tela, uma afirmação que, ainda hoje seria considerada uma blasfêmia, e, que, no tempo em que viveu Joana D’Arc o levaria , certamente, para a fogueira, caso não abjurasse. Sorte sua Gustavo, que vivemos em outros tempos.
domingo, 3 de maio de 2009
"A paixão de Joana D'Arc" por Tássia Sobreira de Melo
"A paixão de Joana d’Arc" é um filme mudo de 1928, porém, retirando-lhe alguns aspectos, não parece ser um filme concebido nesta época. Isto porque diferentemente dos seus contemporâneos, este é quase que composto unicamente por closes-up, o que o torna inovador.
O filme conta a historia da garota francesa chamada Joana d’Arc que fora condenada à morte pela Igreja por blasfêmia. Joana acreditava ter sido enviada por Deus para ajudar a França na guerra contra a Inglaterra. Todo o julgamento promovido pela Igreja até a morte de Joana é representado no filme de uma maneira impressionantemente comovente. Visto que a história é carregada de drama, o recurso técnico do close-up parece ter sido propositalmente escolhido para traduzir o estado emocional vivido por Joana.
Além da técnica peculiar de filmagem, outro elemento merece ser comentado, uma vez que constitui a alma do filme: a interpretação da protagonista. A atriz Renée Falconetti consegue encarnar o espírito de Joana de um modo inacreditável. Ela interpreta o personagem com uma propriedade e profundidade que faz o espectador não conseguir retirar-lhe os olhos e o coração: a falta de trilha sonora é superada pelo pranto que trasborda-lhe a face do início ao final do filme, assim como todo o despero sentido por Joana nos é igualmente transmitido através das expressões de um transe quase extra-humano, quase angelical, muito bem emoldurado por longos e estáticos closes.
O final do filme –a morte de Joana d’Arc na fogueira- adquire um aspecto diverso de todo o anterior uma vez que os close-ups dão lugar a planos abertos. A diferenciação técnica corresponde a uma reviravolta de sentimentos: do tormento vivido no julgamento para o alívio de se entregar a sua certeza. Nestes é possivel ver a multidão que assiste a morte de Joana e a fúria que lhes consome por conta do acontecimento que lhes parece o verdadeiro martírio de uma pessoa santa.
A cena dos pássaros voando no céu no momento em que as chamas tomam conta do corpo e da alma da garota fica carregada de um simbolismo triste visto que anteriormente Joana abriu mão da vida pela fé que possuía em Deus e na crença de que era Sua enviada, entende-se que os pássaros voando representam a liberdade de Joana para morrer sustentando a sua crença. A paixão de Joana d’Arc é um filme triste e belo.
sábado, 2 de maio de 2009
"Pacto de Sangue" por Germana Glasner
O cinema noir, uma espécie de desdobramento do Expressionismo Alemão nos Estados Unidos (com a migração de alguns dos seus principais diretores para a América), vem como a necessidade de amadurecimento do estilo cinematográfico. Nascido entre a depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial surgiu apenas como estilo visual e foi nomeado escola posteriormente. Trata-se da representação visual das angustias vivenciadas naquele tempo, marcado por uma idéia de narrativa, baseado nos romances policiais, literatura barata.
“Pacto de Sangue” -Billy Wilder, 1944- contém todos os elementos trazidos pelo cinema noir. Quem o assiste fica completamente envolvido numa atmosfera misteriosa, com uma estética que acentua o grande contraste entre claro e escuro, em meio à ambientes noturnos e nebulosos, a atenção do espectador com a trama está garantida.
A Femme Fatale, diva feminina, é apresentada no filme noir de forma mais humana com presença da sensualidade. Mas, apesar de menos idealizada, em “Pacto de Sangue”, a mulher ainda é colocada no comando da situação. Percebe-se isso, logo de cara, pela cena do primeiro encontro entre o agente de seguros Walter Neff e a atraente (e casada) Phyllis Dietrichson que é vista numa posição superior e enaltecedora, em cima da escada. Vale salientar que a peruca, extremamente vulgar, usada pela personagem é um traço explícito de sua personalidade.
Outra característica marcante do noir é o personagem livre de estereótipo, ambíguo, a fronteira entre o bem e o mal é difusa e mal definida, o que aproxima do real. Apesar do crime e do adultério que comete no decorrer da trama, nós não conseguimos ter raiva do protagonista, trazido como um anti-herói, outra inovação desse estilo.
E, apesar de já sabermos desde o início do filme quem foi assassinado, quem era o assassino e qual era o motivo do crime, com a narração em off, feita pelo anti-herói, recorrendo aos flashbacks nós somos “condenados” a seguir o ritmo imposto pelo personagem, que nos revela pouco a pouco detalhes de sua história. Trazendo a tona reviravoltas espetaculares a partir de momentos inesperados, muitos delas atribuídas a Barton Keyes: o amigo de Walter na seguradora que tem um instinto fenomenal para descobrir fraudes, aguçam a curiosidade do espectador sedento pelo desfecho da narrativa.
“Pacto de sangue” é a obra subversiva que define a estética noir legitimando-a fazendo com que seja reconhecida e adorada. Já podemos observar, logo no início do filme, com a frase narrada por Walter: “Eu fiz tudo por dinheiro e por uma mulher. Eu perdi o dinheiro... eu perdi a mulher”. Sintetizando o espírito do filme noir, é um filme que merece ser assistido e degustado.
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