sábado, 13 de junho de 2009

"I’d like to be in a musical" por Paulo Faltay



Entendo perfeitamente quem não gosta de musicais. Por muito tempo também compartilhei do estranhamento e repulsão aos filmes do gênero, não conseguia disfarçar um sorriso de desconforto e vergonha alheia quando, sem motivo aparente, os personagens interrompiam uma atividade ou conversa e começavam a sapatear e cantarolar alguma melodia qualquer. Permaneci com esse incômodo constante até que alguém me provocou (ou li em algum lugar, não me recordo ao certo): “Mas imagina como as pessoas seriam muito mais descomplicadas e leves se simplesmente expressassem seus sentimentos e angústias dessa maneira”. A partir desse momento, passei não só a compreender a afetação dos musicais, como também a admirá-la. Afinal, quem nunca desejou sair dançando e cantando na chuva, tal qual Gene Kelly, após receber um tão desejado beijo?

É vital, portanto, ao assistir aos filmes do gênero que se pratique um exercício de suspensão da realidade para desfrutar a liberdade narrativa e o aspecto lúdico das seqüências musicais. Desta maneira, é fácil e encantador perceber porque Maria, personagem de Natalie Wood, em West Side Story (1961), começa a cantarolar para as amigas portorriquenhas, e para si mesma, como ela se sente bonita, charmosa e graciosa por estar apaixonado por um bonito e maravilhoso rapaz (o que não se revela difícil, pois exercício de suspensão maior é exigido, no filme, ao enxergar toda a afetação das coreografias dos integrantes das gangues de rua como algo essencialmente másculo, agressivo e violento).

O pretty wonderful boy em questão é Tony, interpretado por Richard Beymer, antigo líder da gangue dos Jets, formada por americanos brancos anglossaxônicos, que disputa território no subúrbio de Upper West Side, em Nova York, com os Sharks, grupo dos imigrantes portorriquenhos, cujo comandante é justamente o irmão de Maria. A trama de amor impossível, adaptação livre de Romeu e Julieta, de Sheakspeare, traz novos elementos: o ódio racial e a intolerância.

Ao invés de duas famílias feudais, a rivalidade apresentada está assentada na xenofobia e no racismo, no conflito entre os Jets (“jatos”, representantes de um futuro promissor) e os Sharks (“tubarões”, o sorrateiro animal predador). Vale lembrar que a legislação dos atuais direitos civis americanos, que coíbe a discriminação racial só entrou em vigor em 1964, ou seja, após o filme. Essa problemática social das precárias condições de vida, da redução dos postos de trabalho e da transformação dos imigrantes em exército de reserva em contraponto ao livre acolhimento dos Estados Unidos permeia a narrativa de West Side.

No entanto, apesar do claro contraste, os dois grupos partilham da exclusão e do desejo de pertencimento a algum corpo social. E além do sentimento dos personagens, as sequências musicais também apresentam um relevante teor político. Os imigrantes expressam uma relação ambígua com os Estados Unidos, na canção America, enquanto os nascidos no país se sentem incompreendidos e marginalizados. A crítica às instituições é retratada na figura do oficial Krumke, ridicularizado na música Gee, Officer Krumke.

Com músicas do maestro e compositor Leonard Bernstein, a luta entre as gangues é retratada nas coreografias. Sob responsabilidade do coreógrafo Jerome Robbins, que co-dirigiu o filme com Robert Wise, e encenou a versão teatral do musical na Broadway, a violência se transforma em uma dança na qual é perceptível a tensão, mas através de uma atmosfera lúdica, que retira o característica de conflito violento. Ainda que retrato tanto asséptico da rebeldia juvenil, em especial se comparada à efervescência dos movimentos políticos e de contracultura da época, cabe aqui uma superficial analogia. O hip-hop, outra expressão musical das gangues dos subúrbios nova-iorquinos, também não está, de forma mais brutal e coerente, apoiado na junção de letras de denúncia com uma coreografia inusitada?

O grande mérito de West Side, no entanto, é a comutação entre a comédia musical e a tragédia fugindo do formalismo da ópera. Na verdade, mais que uma mistura entre os gêneros, o filme se desloca sutilmente entre a fronteira do musical romântico e da tragédia. A mudança é perceptível na transformação sofrida pela doce Maria. Em sua primeira cena, a personagem de Natalie Wood é apresentada sob uma aura angelical. Com um vestido branco, que ela reclama ser adequado apenas para rezar, Maria revela um intenso desejo de viver e amar.

Após a morte do amado, entretanto, ela se sente capaz de matar. Ela compreende, finalmente, o ódio que permeia a relação entre os grupos rivais. O véu negro que a envolve é a imagem não só do luto, mas também de seu estado de espírito. O desfecho é ainda mais cruel do que a obra Sheakspeareana. Se os Montecchios e os Capuletos se reconciliam diante da morte dos filhos, os Jets e os Sharks apenas esboçam uma trégua momentânea, velando o corpo de Tony. E ao casal, ao contrário da obra de Sheakspeare, não é permitida uma união nem na tragédia.

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