sexta-feira, 3 de abril de 2009

"O gabinete do Dr. Caligari" por Lucas Andrade


O gabinete do Doutor Caligari, um filme que teve sua estréia em 1919, foi e até hoje ainda é um dos filmes mais importantes da história do cinema. Um dos lançadores da estética expressionista, o filme marcou não só por isso, mas também por suas inovações na questão do cenário, muito influenciado pela arte modernista do começo do século, e pela forma com que o diretor Robert Wiene resolve terminar seu filme, forma essa bastante aberta e que até hoje é interpretada de várias formas.


No filme, doutor Caligari leva consigo um sonâmbulo que estaria, segundo ele, há 23 anos dormindo. Ele pretende apresentar a aberração no ‘parque’ da cidade, e, logo na primeira apresentação,o sonâmbulo, Cesare, faz uma previsão para um dos expectadores presentes e diz que ele irá morrer. A profecia se cumpre e Caligari e Cesare passam a ser suspeitos do crime. No fim, descobrimos que o doutor era diretor de um sanatório e que se utilizava dos pacientes com o objetivo de provar que a mente de um sonâmbulo poderia ser controlada por outros. O doutor é colocado numa camisa de força e levado para uma cela. Tudo parece acabar nesse ponto da história, porém, o filme volta para o seu início, quando um jovem contava para um senhor mais experiente todo o acontecido. Percebe-se que estão sentados em frente a um manicômio e é nesse momento que vemos o diretor do sanatório passando e o jovem começa a gritar freneticamente que aquele é o Doutor Caligari. Porém, por sua fúria, é dominado pelos outros médicos e enfermeiros e levado para uma sala de exame. Doutor Caligari, o diretor estabelecimento, o examina e termina dizendo: “finalmente eu reconheço a sua obsessão. Ele acredita que sou o mítico Caligari. Surpreendente. Mas acho que sei como curá-lo agora”.


Além do enredo bastante inovador para época, o filme influenciou as futuras gerações pela forma como foi feito. Essa fotografia contrastada (claro e escuro), personagens fora do comum, às vezes até ‘bizarros’, e temas como a loucura foram muito usados no expressionismo e, atualmente, estão presentes em quase todos os filmes de cineastas como Tim Burton. No caso particular do Gabinete, um dos artifícios usado pelo diretor que mais chama a atenção o é cenário angulado, meio distorcido. Um filme atual e que tentou usar das mesmas técnicas foi a adaptação dos livros ‘desventuras em série’. O filme conta a história de três irmãos que acabam de perder os pais e passam a morar com um ganancioso tio, que deseja tomar a fortuna que eles receberam como herança. O cenário angulado, o figurino de época ‘exagerado’, a maquiagem carregada, tudo remete ao filme de Wiene. O personagem do tio, conde Olaf, parece ter sido inspirado senão em Cesare, em Nosferatu ou qualquer outro personagem dessa estética.


Na pintura expressionista, o medo, o desconhecido e as dúvidas eram demonstradas a partir de manchas com cores fortes e contrastantes e muitas vezes sem se importar muito com a projeção do real e até distorcendo intencionalmente algumas partes da imagem para ser o mais expressivo possível. Isso também pode ser observado no filme de Robert Wiene, que apesar de não ser colorido usa muito bem o contraste com os tons de cinza. E também como na pintura desse período, no gabinete o interesse maior é reflexão individual e subjetiva. O autor nos propõe varias discussões, entre elas a loucura e o poder de manipulação de uma pessoa sobre outras.

Influenciados pelas dúvidas e incertezas do começo do século e do pós-guerra, os expressionistas quase sempre buscaram temas obscuros, com certo mistério em volta deles. O futuro desconhecido, em Metropolis, o vampiresco, no já citado Nosferatu. No Gabinete, o desconhecimento parte do sonambulismo de um dos personagens. Cesare, personagem muito misterioso, chega em alguns momentos a ser cômico para o público de hoje em dia já que as tensões que se vivem no presente não são as mesmas das do começo do século. Quando se analisa mais a fundo vê-se que as realidades não têm grandes diferenças. As incertezas continuam, o medo do futuro também e ainda se desconhece muitas coisas que nos cercam.

Por todos esses fatores, o filme é não só visto como também admirado e estudado por cinéfilos e acadêmicos de hoje em dia. Talvez pelas inovações, talvez pelas várias interpretações que se pode tirar, talvez pelos personagens... Não tem como se dizer ao certo, mas parece que esse filme entrou para historia por algum desses motivos, ou por todos eles. A única certeza que tive após vê-lo foi que era um filme bom, inovador para época e que ainda me trará muitas surpresas quando eu o assistir novamente.

Um comentário:

  1. acho que o doutor Caligari iria se assustar muito com o mundo doido em que vivemos hoje em dia!!Marcos Punch.

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