segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Gigi" (Vincent Minelli, 1958) por Douglas Deó


Gigi foi fruto tardio da produção de musicais – data de 1958, enquanto que já em 1927 o primeiro filme sonoro, The jazz singer, era um musical. Conserva diversas das características desse gênero hollywoodiano clássico: o happy end, o mocinho-galã, a heroína incorrupta, o enredo onírico – não por uma nebulosidade alinear, mas pela evolução feliz que todos desejam e, inevitavelmente, será alcançada – e a leveza da inserção do canto no universo diegético, que leva os mais severos opositores a perguntar: por que eles não falam simplesmente ao invés de cantar?

Apesar de apresentarem um conjunto de características próprias que os tornam um gênero cinematográfico, os musicais podem ser vistos como uma fatia do cinema que se utiliza mais fortemente de recursos derivados do teatro – o próprio Minnelli veio dos palcos para as telas. Assim, talvez mais importantes que as incursões da câmera são as atuações – como as ações e expressão corporal são fundamentais nesses filmes, a câmera assume uma postura mais distante na maior parte dos momentos e, mesmo quando está enquadrando um diálogo, a lente em Gigi mantém, nos casos mais próximos, um plano médio, onde é possível perceber a emoção através da expressão facial, mas sem perder de vista boa parte do restante dos atores e do meio ambiente. Mesmo no caso de Gigi, onde praticamente não há dança, os momentos cantados mantém uma distância suficiente para oferecer para o espectador uma visão da ação do personagem inserido no meio ambiente.

Mesmo que se assuma inicialmente essa posição de crer na atuação como superior à função da câmera nos musicais, há importantes recursos inerentes à linguagem cinematográfica que podem ser destacados. Se se quer explorar o meio onde ocorre a ação, tal meio pode ser utilizado como maneira de comunicar os sentidos da obra: assim, além da pompa dos ambientes que procuravam essencialmente transmitir a situação da sociedade parisiense à época, não é à toa que a casa da protagonista, alvo e correspondente do amor que o herói amadurece no desenrolar da história, é repleta de vermelho – a cor passional -, das paredes aos objetos; também não é o acaso que leva Gaston, no momento em que descobre sua paixão por Gigi, a percorrer um trajeto onde no momento em que está em maior conflito interior tem como pano de fundo a estátua de uma figura mitológica digladiando-se com um peixe enorme e empunhando um tridente e, no momento em que percebe seus sentimentos por Gigi, tem como paisagem um sereno e romântico laguinho com cisnes em doce harmonia.

Afora alguns destaques como o fato de o espectador ser interpelado por dois dos personagens – Honoré, que desempenha a função de narrador em alguns momentos da história, e o próprio Gaston, em uma das performances musicais, que canta algumas das estrofes dirigindo-se ao espectador –, as cenas do bar em que, para destacar a atenção dada a certos personagens que entram no ambiente pelos figurantes, estes últimos levantam-se e ficam estáticos, contrastando com os únicos em movimento, que são justamente os observados e um encavalamento temporal numa das vezes em que Gaston sai explosivamente da casa de Gigi; excluindo-se tais momentos, o que se encontra na história são as características que perpassam todo o cinema clássico norteamericano: a linearidade narrativa associada à montagem invisível, o fato de nunca se quebrar o eixo, etc.

Quando se fala em linguagem cinematográfica clássica, trata-se de uma maneira linear, regular e direta de se comunicar; os filmes feitos sob essa ótica em seu conjunto e na maior parte de suas sequências não carecem de uma elaboração maior por parte do espectador para serem entendidos; funcionam como meio eficaz de entretenimento para as massas. Compreende-se portanto que os musicais, surgidos no período da Depressão e em torno da segunda guerra mundial, e que buscavam passar uma mensagem de otimismo e esperança – lembrar do happy end – ao utilizarem uma linguagem que já se estabelecia como convencional, trabalharem com personagens idealizados e finais felizes e introduzirem a leveza da música no desenrolar das histórias tinham um poder de penetração significativo no grande público – poder esse que ainda hoje faz alguns espectadores suspirarem.

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