terça-feira, 9 de junho de 2009

“M de Magnífico!” Por Cleiton Costa


Não existe maior crime do que aquele praticado contra os inocentes. Esse é um pensamento bem comum para quem tem pelo menos um pingo de senso moral. Toda fragilidade e incapacidade de se defender dessas vítimas tornam repugnantes esses atos dentro de qualquer sociedade civilizada. Mas quando submetidos e sufocados por esses crimes, uma sociedade pode ficar menos civilizada, e até paranóica, diante do também paranóico desconhecido criminoso.

Essa é uma das temáticas centrais do grande clássico: “M- O Vampiro de Düsseldorf” (Fritz Lang, Alemanha, 1931), onde o mestre Fritz Lang nos envolve em trama muito bem elaborada que narra um serial killer de crianças na cidade de Düsseldorf, que foi baseada em fatos reais. Como um dos mestres do Expressionismo, Lang já vinha abordando uma temática já diferenciada na sua obra, saindo um pouco daquela visão monstruosa dos patriotas companheiros de vanguarda. Em “Dr. Mabuse- O Jogador “(1922) já se encontra certo desbravamento no campo da psicanálise e da esquizofrenia. No incrível “Metrópolis” (1927), ele penetra em um mundo pouco explorado até então, o da Ficção Científica. Por isso, quando o Expressionismo declina no inicio da década de 30, Lang consegue se sair bem diante das mudanças. E uma delas foi a revolução do cinema sonoro que provocou o fim da carreira de muitos cineastas no mundo.

Nesse seu primeiro filme sonoro (M), Lang usou do som (que ainda estava em aperfeiçoamento) de uma forma tão genial que põe no bolso muita gente mergulhada na modernidade das possibilidades de hoje em dia. Ele simplesmente não usou o som como “plano de fundo”, que costuma assumir esse papel secundário no cinema, ele inovou em utilizá-lo como um elemento narrativo, além de provocar uma linda fonte de tensão paralisadora de atenção, da qual Orson Welles, Hitchcock e muitos outros iriam beber. O bater da bola da criança (futura vítima) sobre o cartaz de recompensa do assassino; o sinistro assobio do assassino enquanto caminha nas ruas, ato esse que será sua maldição; o grito da mãe chamando pela filha que ecoa no vazio das escadarias; o som dos estranhos mafiosos se aproximando gradativamente do maníaco. Uma verdadeira sinfonia da tensão e do medo.

“Depois que o filme policial abandonou o gênero ‘romance de folhetim’, precisou-se encontrar uma fórmula que tivesse condições de agradar tanto ao público cultivado quanto aos espectadores atraídos unicamente pelo lado instigante da ação. Foi assim que a psicologia criminal se introduziu no filme policial...” (Fritz Lang)
Essa é a outra grande importância dada ao M, ter sido o pai de toda a geração noir. Estilo inconfundível dos seus grandes contrastes, tema policial, femme fatale, entre outras características. Mas particularmente, vejo M superior a muitos dos seus filhos. A própria construção do filme é grandiosa. O menor detalhe é carregado de sentido. Sua estrutura narrativa não tem praticamente nenhuma falha. Além disso, o filme possui toda uma camada gradual de críticas, das mais subliminares às mais explícitas, que tornam suas deduções bem saborosas. Referencias ao nazismo (caça opressora ao assassino, motivo para qual uma mulher cuspa em um policial ou até de que o maníaco seria a representação do nazismo) que estava crescendo na época, e que provocou a posterior fuga de Lang para os EUA; hipocrisia humana, como na cena do advogado mafioso do assassino que o defende afirmando que ele não é responsável por
seus atos por ser insano; entre outras possíveis visões.

Por fim, não podemos esquecer a grande atuação do ator austríaco Peter Lorre, que magnificamente interpreta o assassino de crianças. Ele foi uma peça chave na trama, no início percebemos pequenos detalhes de sua perturbação mental em seus atos que aumenta com o passar do tempo. Mas a cena inesquecível é a do seu julgamento pelos bandidos, em que ele aflora sua insanidade de uma forma incrível e verossímil, revelando finalmente a mente do monstro em forma de pessoa. Sua loucura, perversão e covardia ficam marcadas na mente de quem vê aqueles olhos esbugalhados e doentes.

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