sexta-feira, 19 de junho de 2009

“O Estranho Mundo de Apu” por Tiago Bacelar


Hoje, nós vivemos uma febre chamada Índia. "Quem Quer Ser um Milionário", do diretor Danny Boyle, vencedor de oito Oscars, voltou todas as atenções para o cinema de Bollywood e para o país retratado nesta produção audiovisual. No Brasil, o assunto ganhou ainda mais destaque com a novela global "Caminho das Índias", de Glória Peres. Recentemente, tive acesso a um filme que até o final dos anos 90 era considerado perdido, pelo fato dos negativos originais terem sido destruídos num incêndio. A obra foi restaurada a partir de cópias.

O filme chama-se "O Mundo de Apu". É de 1959 e foi dirigido por Satyajit Ray. Ele baseou-se no romance "Aparajito", de Bibhutibhushan Bandopadhyay, para criar essa estranha obra do cinema marginal indiano, que foi um movimento influenciado pelo realismo e naturalismo, sendo um olho vivo sobre os impactos do clima sócio-político na época. O cinema marginal da Índia ocorreu ao mesmo tempo da nouvelle-vague francesa e japonesa e durou até o final dos anos 80. Depois, houve uma crise na indústria de cinema indiana, retomada na segunda metade dos anos 90 com Bollywood.

Para adaptar "Aparajito para o cinema", Satyajit dividiu o livro em três filmes, produzidos entre 1955 e 1959. "Canção da Estrada", "Aparajito" e "Mundo de Apu" fazem parte da trilogia Apu, criada com música de Ravi Shankar, baixo orçamento e elenco amador. "O Mundo de Apu" ganhou três prêmios nacionais de cinema e arrebatou os festivais de Cannes, Berlim e Veneza.

Essa trilogia de Ray foi tão importante que repercutiu, principalmente no quesito iluminação, nos trabalhos de Martin Scorcese, James Ivory, Abbas Kiarostami, Elia Kazan, François Truffaut, Carlos Saura, Isao Takahata, Wes Anderson, Akira Kurosawa, Jean-Luc Godard e Danny Boyle. A cena final de "O Mundo de Apu" foi repetida na produção My Family, de 1995, dirigida por Gregory Nava.

Pelo seu brilhante trabalho, Ray Satyajit tornou-se a segunda personalidade do cinema, depois de Chaplin, a receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Oxford e recebeu em 1992 um Oscar honorário da Academia, poucas semanas antes do seu falecimento, em Calcutá, na Índia, aos 70 anos. Satyajit foca no filme O Mundo de Apu a fase adulta de Apu, introduzindo ao cinema indiano os brilhantes atores Soumitra Chatterjee (Apu) e Sharmila Tagore (Aparna).

O filme, que já aviso logo não tem a famosa dancinha, é uma visão de como é viver num país de Terceiro Mundo. Traz uma bonita história de amor, complicada aos moldes das Mil e Uma Noites, entre Apu e sua esposa Aparna. O ator Swapan Mukherjee atuou como Pulu, o melhor amigo de Apu. A montagem retrata bem a engraçada e tensa relação de Chatterjee e Tagore durante o filme, realçada pela a atuação desses estreantes atores, que depois fariam inúmeras produções de Ray. Alok Chakravarty fez seu primeiro papel no cinema como Kajal, filho de Apu e Aparna, cuja mãe morre no parto, iniciando no longa-metragem um verdadeiro dramalhão mexicano, aonde tudo, mas, tudo mesmo é possível de acontecer. A música de Ravi Shankar, que não é personagem de Glória Peres, pontua perfeitamente as ações da narrativa e de cada personagem, através do leitmotiv wagneriano.

O Mundo de Apu é um filme que vale a pena ser visto pela sua importância na história do cinema, por ter revelado a Índia para o mundo e mostrar que história de amor misturado a um drama de Terceiro Mundo pode resultar numa grande obra. A produção de Ray é altamente recomendável.

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