terça-feira, 9 de junho de 2009

"Pacto de Sangue" por Wilson Rocha


Quando Billy Wilder escreveu e dirigiu Pacto de Sangue, seu terceiro filme, não tinha a menor idéia de que iria criar não apenas um cult, mas estaria consolidando um estilo cujos críticos definiriam posteriormente como noir. Tendo suas raízes nos policiais americanos de gângsteres e sua estética na fotografia influenciada pela sombras utilizadas nos trabalhos dos cineastas expressionistas europeus (Billy Wilder era um imigrante da Polônia), o estilo noir de Pacto de Sangue, juntamente com os musicais e o western, pode ser considerado um gênero criado e sedimentado graças ao cinema norte-americano.

Filmes como M O Vampiro de Dusselfdorf e Relíquia Macabram já apresentavam elementos nitidamente noir, mas a fórmula, quase obrigatória, para se fazer um filme noir levando em consideração todo o conjunto se deu a partir do exemplo de Pacto de Sangue. Sua cartilha foi seguida a risca por aqueles cineastas que quiseram trilhar o caminho deste subgênero: mulheres fatais, ambientes com pouca luz e penumbras, diálogos com duplo sentido, crimes, traições, investigações e reviravoltas. Poucos trabalhos, contudo, deixaram uma impressão tão forte como a que foi causada pelo filme de Wilder que além do pioneirismo em conceber imagens de impacto inovador teve que superar as dificuldades de realizar um filme que estava sob a ameaça de ser vetado pelo comitê de censura da época devido aos temas considerados polêmicos que ele abordava.

Em Pacto de Sangue, a maestria de Billy Wilder se torna clara nas sutilezas dos textos das personagens, na forma como faz os enquadramentos, monta as cenas e dirige os atores.

Logo no início do filme o vendedor de seguros Walter Neff, interpretado pelo ator Fred MacMarray define a essência da problemática do filme noir justificando suas ações pelo fato de querer “o dinheiro e a mulher”. Ele mesmo faz a narração em off (outra característica constante nos filmes noir) e através de seus olhos, seu cinismo, seu sarcasmo e, acima de tudo, seu arrependimento, a história vai sendo revelada e os personagens são apresentados.

Barbara Stanwyck embora temerosa com sua imagem em interpretar uma adúltera assassina num período de moralismo imposto, aceita o papel oferecido pelo diretor e faz da personagem Phyllis uma das mais marcantes de sua carreira. No instante em que ela aparece no alto da escada de sua casa, trajando apenas uma toalha e usando uma peruca loira notoriamente vagabunda, o expectador já percebe uma identidade entre aquele acessório e a sua dona. Outra cena com força interpretativa relevante é a que é protagonizada por Stanwyck quando a câmera, elegantemente, se distrai da ação do assassinato do marido de Phyllis e faz um close up fechado apenas em seu rosto. A face que se vê é de uma euforia contida. Uma satisfação gélida inunda o semblante da Sra. Dietricson demonstrando uma certeza de sucesso de seus planos.

Não se pode deixar de mencionar também Edward G. Robinson como o ultra-desconfiado gerente Keyes, chefe de Neff na seguradora. Roubando a atenção em suas sequências, ele é um espetáculo à parte dando ao seu personagem uma faceta sério-cômica irresistível. Para nos convencer disso precisamos apenas observar o desempenho vigoroso que ele nos oferece ao explicar ao presidente da empresa as várias estatísticas e as diversas classificações dos tipos de suicídio ou quando ele cita “o pequeno homem que mora dentro dele” sempre que algo não lhe convence.

Para desviar a atenção dos censores, Billy Wilder teve o cuidado em compor as cenas mais ousadas de forma simbólica sem deixá-las explícitas, mas subentendidas ao expectador atento. Um exemplo é quando Phylis e Neff estão se beijando no apartamento é feito um corte, somos conduzidos para uma outra cena, há um outro corte e voltamos para a sala do apartamento onde está o casal. Neste instante Phylis está pondo batom e o casaco e Neff encontra-se deitado no sofá fumando um cigarro numa indicação que mantiveram relações sexuais naquele momento.

Fora o óbvio, Pacto de Sangue é um filme feito de detalhes. Todos os elementos são utilizados na narratividade como indicadores de um estado ou uma condição. Um olhar apurado pode recuperar sempre novas informações cada vez que o assista, aumentando o valor e a riqueza da obra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário