segunda-feira, 22 de junho de 2009
"As bicicletas de Sica" por Paulo Faltay
Um rapaz é salvo de seu iminente afogamento. Pessoas empenham seus pertences em troca de alguns trocados. Miseráveis se dirigem ao culto de Igreja para receber serviços de barbearia e garantir comida. A luta por emprego, o cotidiano das mulheres. Em meio a tudo isso, Ricci, vivido por Lamberto Maggiorani, em seu recém-conquistado emprego, cola cartazes de Gilda, grande sucesso hollywoodiano da época. A crítica aos grandes filmes de entretenimento é gritante, a ordem é fugirr dos enredos escapistas do cinema. A frase “nunca houve mulher como Gilda” é politicamente ressignificada. O contraste da exuberância de Rita Hayworth com a situação de Ricci salta à tela, Entretanto, a frase que mais vem à cabeça é outra: “nunca houve personagem mais chato como Bruno”, o filho do protagonista de Ladrões de Bicicleta, dirigido por Vittorio de Sica.
Na escola de cinema antiilusionista, Ladrões expõe cenas cotidianas e banais, longe dos enredos e romances “burgueses”. Porém, mais do que o cineasta russo, a grande referência de Ladrões foi Siegfried Kracauer e sua estética realista. Surgida como resposta ao formalismo dominante no início da cinematografia, a tendência realista fez suas primeiras aparições em filmes no começo da década de 20. Porém o desencanto, os horrores da Segunda Guerra e suas conseqüências provocaram a explosão da tendência, no neo-realismo, observado com grande força na Itália. Talvez, um dos países mais afetados pelo conflito.
Assim como na literatura, a expressão realista cinematográfica seria um contraponto ao cinema romântico, burguês. Seu objetivo era criticar e desmistificar o cinema ficcional, que visava à alienação das massas, transformando a sociedade com relatos impressionistas da realidade. Kracauer defendia cinema de valor dizendo que ele deveria permitir ao espectador o reconhecimento do seu mundo, para criticá-lo e contribuir na busca de uma vida melhor. O cinema seria, então, um meio para se conhecer e ganhar consciência do mundo.
Esse antiglamour cinematográfico está a serviço da história de Ricci, um desempregado que consegue um emprego de colador de cartazes na rua, após muita espera. Só que para exercê-lo, é necessário possuir uma bicicleta. Ricci e sua mulher, Maria (Lianella Carell), empenham seus lençóis, únicos bens de algum valor que ainda lhes restavam e conseguem o dinheiro para comprar uma. No entanto, no primeiro dia de trabalho, Ricci, em sua ingenuidade, acaba sendo roubado, e sua bicicleta é levada. Entre o drama do crime, está o menino Bruno (Enzo Staiola), filho do casal. Amante das bicicletas, chega a cuidar da nova como quem cuida de um filho, o menino sai com o pai na jornada em busca do tesouro perdido.
A procura pelo ladrão e pela bicicleta é o ponto de partida de uma busca pela Roma da vida real. Marginais, mendigos, prostitutas e misérias estão sempre compondo a paisagem. Cenas reais e um retrato melancólico do povo italiano. Apesar de críticas pertinentes, destaco a desesperança com a igreja, apresentada como misto de assitencialismo e misticismo, o filme é excessivamente piegas e didático. “Por que devo querer me matar, se vou morrer mesmo”, chega a lamentar o protagonista. E a insistência de Sica em sempre retratar os sofrimentos do jovem Bruno, a cena do restaurante é um bom exemplo, faz com que me posicione entre aqueles que enxergam quase que uma demagógica exploração infantil.
Na parte técnica, o filme "anda" com os protagonistas, sem a câmera se exibir, em um espaço de um dia. Ladrões quebra muitas das regras técnicas da época, com muitas cenas externas, iluminação natural e utilização de pessoas reais como atores. A técnica é uma ferramenta apenas para colocar em evidência o assunto, o tema e os personagens que seria por si só a essência do filme.
A fotografia traz uma contribuição muito forte para o cinema realista. A relação com a imagem é uma referência a ela. Para o realismo, a fotografia é o negativo do mundo, enquanto a teoria formativa, a sua montagem, entendia a captação do real como a transformação da realidade apreendida. Porém, para Kracauer, isso seria um crime. A transformação, principalmente pela montagem, um supérfluo, tiraria a verdade do filme, restando apenas a estética formal.
O final do filme é, com certeza, a melhor parte. Apesar de piegas, o gesto do filho que estende a mão ao pai, humilhado, é tocante. E aqui vale o registro à interpretação de Maggiorani, cujo olhar externa todo o lamento do personagem. Ricci não é mais o pai herói, idealizado por seu filho, mas este não o deixa de amar por isso. Na verdade, ao estender-lhe a mão, o ama, sem reversas, em sua vergonha e fraqueza, mas plenamente. Nesse momento, também estendo por um momento a mão e reconheço seus momentos de beleza.
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