domingo, 17 de abril de 2011

"O Golem", por Tales Maniçoba



Ao acabar de assistir ‘O Golem’, de Paul Wegener, só tenho uma coisa a dizer: estou passado! Lavado, enxuto, passado e engomado. Aí você me pergunta: Por que, Tales? E eu te digo que é impressionante que este filme tenha sido realizado em 1920 e possua estrutura narrativa, direção e montagem tão semelhantes ao que vemos em filmes contemporâneos. Além disso, os primeiros 30 minutos do filme são absolutamente incríveis e neles pude visualizar com nitidez tudo o que tinha lido sobre o cinema expressionista alemão, sem todo aquele exagero do “Gabinete do Dr. Caligari”.

‘O Golem’ é a segunda adaptação para o cinema, a primeira é de 1915, da narrativa clássica do pastor Loew, dirigida e estrelado por Paul Wegener e conta a história de um gueto de judeus em Praga, que ameaçados de serem expulsos do reino sob acusação de prática de magia negra, dão vida a uma criatura que os salvará desse temido destino. Na trama há ainda um lance romântico entre uma judia e um membro da corte que termina em tragédia por obra do Golem. Mas, sinceramente, a trama em si não me interessa tanto quanto as imagens desta obra e eu quero voltar aos seus primeiros 30 minutos.

O primeiro plano do filme, um céu estrelado com estruturas rochosas verticais tortuosas já nos transporta de cara a algum lugar irreal e, ao mesmo tempo, imaginável. Da ponta de uma dessas rochas que apontam para o céu, o rabino Loew observa as estrelas e prevê uma tragédia. Desse lugar mais alto eles desce por uma escada espiral e estreita esculpida em pedra, que forma um desenho orgânico e remete a entranhas. A partir daí o filme revela portas falsas, alçapões escondidos e lugares subterrâneos. Sendo assim, a casa do rabino Loew acontece em três planos, o mais alto onde ele pratica uranografia, o plano intermediário, onde a vida normal acontece e o subterrâneo onde o rabino faz magia demoníaca.

Há varias cenas no filme que me impressionaram e que dão realmente a ideia de um quadro expressionista em movimento. Há também a utilização de planos estáticos, mas com variação de luminosidade o que dá ao enquadramento um movimento bonito, delicado e sombrio. Uma das cenas que mais gostei foi a de um gato negro que atravessa um telhado e que se encaixa perfeitamente no contexto e no tempo no qual é inserida, trazendo o simbolismo, nesse caso de mau presságio, uma das temáticas do expressionismo que está presente em muitas sequências do filme, com a utilização, na maioria das vezes, de elementos simbólicos da cultura judaica em tamanho aumentado.

Outro ponto a ser destacado neste filme é a direção de arte como um todo: cenário, figurinos, maquiagem, objetos e efeitos especiais. Os cenários trazem elementos góticos e oníricos que transmitem uma unidade estética ao longo de quase todo o filme. Os figurinos também são estilizados e dão ares fantasiosos, remetendo de certa forma aos contos de fadas. A maquiagem é a típica do cinema expressionista, com destaque para os olhos, mas menos exagerada que em “O Gabinete do Dr. Caligari.” Os objetos são absolutamente perfeitos e dão total credibilidade ao enredo que se desenrola na tela. E, por fim, os efeitos especiais (Sim! Isso mesmo! Efeitos especiais!) me chocaram! Não imaginava me deparar com tantos efeitos especiais realizados de forma tão brilhante num filme de 1920, e por isso abro para eles um novo parágrafo.

Os efeitos especiais acontecem em dois momentos do filme: o primeiro onde o rabino Loew invoca uma criatura demoníaca, representada por um boneco, no intuito de dar vida ao Golem e o segundo quando o mesmo rabino vai à corte contar a história dos patriarcas judeus. No primeiro momento, os efeitos especiais consistem basicamente em luz e fumaça, além de chamas voadoras e no boneco-demônio que solta fumaça pela boca formando uma palavra no ar. No segundo momento o rabino Loew faz aparecer, num palco, uma tela de cinema com bordos recortados e irregulares, efeito que eu imagino ter sido conseguido através de colagem fotograma por fotograma. Esses efeitos são absolutamente críveis e não são, a meu ver, toscos como muitos outros de filmes mais antigos.

Outro destaque do filme é a interpretação dos atores que atende aos anseios da estética expressionista, mas de uma forma mais suave, não tão exagerada, havendo aí uma entrega do ator ao sentimento do personagem. A misancene e a iluminação são aqui colocadas a favor da criação de imagens que, como disse antes, me lembraram quadros expressionistas em movimento lento, num ritmo próprio, que transmite o sombrio e o fantástico. A fotografia de “O Golem” obedece aos ditames expressionistas, com a iluminação vindo de baixo e com a utilização perfeccionista da técnica chiaroscuro, que é um dos pontos fortes do filme, se traduzindo em imagens de força enigmática.
Sobre a temática do filme, percebo que ele segue a tendência do movimento do qual faz parte que é, de acordo com Kracauer, a da divisão da alma entre a rebelião e a submissão, em resposta ao medo da tirania e do caos.

É impossível não comparar, por fim, “O Golem” ao “Gabinete do Dr. Caligari”, de Robert Wiene, expoente do mesmo movimento cinematográfico do qual aquele faz parte. Na minha opinião, “O Golem” atinge a perfeição estética no uso da técnica fílmica expressionista no sentido de que a combinação de seus elementos resulta num produto mais equilibrado que o “Gabinete do Dr. Caligari”, que é cheio de exageros, principalmente no que diz respeito aos cenários, maquiagem e atuação. Digo isso como bom libriano: equilíbrio é importante para mim e o exagero do “Gabinete do Dr. Caligari” me incomodou um tantinho assim. No entanto, o grande trunfo do filme de Wiene sobre “O Golem” é a construção do enredo e o seu desfecho, que no caso deste último, deixa desejar.

Encerro o texto reputando “O Golem” como um filme que deve ser visto, por proporcionar ao espectador belas imagens e um encontro próximo e suave com o intento do movimento expressionista alemão, além de ser, apesar de mudo, uma experiência cinematográfica muito próxima ao que temos com o cinema mais contemporâneo.

2 comentários:

  1. "estou passado! Lavado, enxuto, passado e engomado." WTF!

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  2. Tales, gosto do teu estilo informal. Lamento que a academia seja tão conservadora e ache que somente alguns gêneros textuais sejam legítimos. E lamento mais ainda que esse conservadorismo infeste até mesmo os nichos onde se esperaria uma tendência à criticidade e à inovação, inclusive formal.

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